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Morto por leoa em jaula, Vaqueirinho é enterrado na presença de duas pessoas

Só mãe e uma prima participaram da despedida do jovem de 19 anos

Gerson, 19 anos, teve uma vida marcada por abandono e esquizofrenia não tratada. | Foto: Reprodução
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O corpo de Gerson de Melo Machado, 19 anos, foi sepultado na segunda-feira (1º) no Cemitério do Cristo, em João Pessoa, com a presença apenas da mãe, Maria da Penha Machado, e de uma prima.

A mãe, que perdeu o poder familiar há mais de dez anos devido ao próprio quadro de esquizofrenia, precisou reconhecer o filho no IML antes do enterro. O funeral rápido refletiu a trajetória marcada por abandono, sucessivas falhas na rede de proteção e transtorno mental não tratado.

Histórico de abandono, doença mental e vulnerabilidade

Gerson, conhecido como “Vaqueirinho”, foi afastado da família ainda criança. A mãe perdeu a guarda de todos os filhos, e o nome dela chegou a ser retirado da certidão de nascimento dele para facilitar uma possível adoção, que nunca ocorreu. Enquanto os irmãos foram adotados, ele permaneceu em instituições de acolhimento, sempre rejeitado devido aos sintomas psiquiátricos.

A conselheira tutelar Verônica Oliveira, que o acompanhou por anos, relata que ele fugia com frequência dos abrigos e buscava a mãe, também doente, acreditando que ela poderia recebê-lo. Aos 12 anos, foi encontrado sozinho à beira de uma rodovia, após outra fuga. Avaliações da época já indicavam comportamentos psicóticos, dificuldade de vínculo e desorganização, embora o diagnóstico formal de esquizofrenia tenha vindo somente mais tarde.

Sem tratamento contínuo, Gerson passou longos períodos nas ruas. Dormia em praças, pedia comida e buscava ser detido para ter abrigo e segurança. A prima Ícara Menezes afirma que ele “tinha medo das pessoas darem nele” e via o presídio, onde conhecia o diretor, como um local onde se sentia protegido. Em várias ocasiões, atirou pedras em viaturas para ser preso.

“Sempre procurou a mãe dele querendo amor, querendo carinho, querendo atenção. Ele nunca foi um menino para assaltar ninguém para usar droga. Ele sempre foi uma pessoa que tinha problemas psicológicos e os outros se aproveitavam”, disse a prima.

Ele também se envolveu em pequenos furtos motivados pela fome e, em momentos de delírio, demonstrava obsessão por animais. Chegou a entrar no trem de pouso de um avião tentando viajar clandestinamente para a África, onde dizia que seria domador de leões. Em outra ocasião, só aceitou ir para o acolhimento institucional levando um cachorro que encontrou na rua. 

“Ele tinha falas desde muito pequeno de que ia para a África, para um safári, porque ele ia domar os leões”, relembra a conselheira Verônica.

A Justiça registrou que ele não compreendia plenamente seus atos. Em um processo por dano ao patrimônio aos 18 anos, foi considerado inimputável e teve determinada internação em instituição de longa permanência, pois o tratamento ambulatorial foi considerado insuficiente. O prontuário dele no Conselho Tutelar ultrapassa 200 páginas, com registros de tentativas de atendimento interrompidas pela falta de estrutura e por sua instabilidade.

Dois dias antes de morrer, ele voltou ao Conselho Tutelar pedindo documentos para tirar carteira de trabalho, alternando momentos de lucidez e de desorganização.

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