Filhos de Bolsonaro distorcem legislação para justificar venda das joias

Além dos filhos, aliados políticos também usaram de lei manipulada para defender o ex-presidente

Estratégia de defesa de Bolsonaro | Reprodução
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Após uma fase de silêncio em relação às joias recebidas como presentes oficiais durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e negociadas por aliados do ex-presidente, uma investigação da Polícia Federal (PF) deflagrada na semana passada trouxe à tona ações que buscam respaldo em uma legislação considerada por muitos como inaplicável. Os filhos do ex-mandatário e seus apoiadores têm se apoiado em uma postagem do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) como ponto de partida para a defesa do ex-presidente, propagando-a amplamente entre os seguidores do movimento bolsonarista.

A postagem compartilhada por figuras como o senador Jorge Seif (PL-SC) e os deputados federais Júlia Zanatta (PL-SC) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP) utiliza uma portaria que se mostrou sem efeito legal para sustentar a ideia de que a interpretação do Tribunal de Contas da União (TCU) acerca dos presentes recebidos por chefes de Estado teria passado por mudanças ao longo dos anos – um argumento que não encontra respaldo nos fatos.

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Esses políticos têm se baseado na Portaria 59, assinada em novembro de 2018 pelo então ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República durante o governo de Michel Temer (MDB), Ronaldo Fonseca. No documento em questão, joias, semijoias e bijuterias são categorizadas como itens de natureza estritamente pessoal ou consumo direto pelo destinatário, o que poderia sugerir que poderiam fazer parte do acervo privado do presidente. No entanto, especialistas ouvidos ressaltam que tal medida carece de validade legal, visto que uma interpretação prévia do TCU já havia sido estabelecida sobre o tema.

Desde 2016, o Tribunal de Contas adota a posição de que apenas objetos "personalíssimos" podem ser considerados parte do acervo privado dos presidentes, citando medalhas personalizadas, bonés, camisetas, gravatas, chinelos e perfumes como exemplos. O relator do caso que sustentou essa interpretação, o ministro Walton Alencar, foi enfático em sua argumentação, afirmando que joias não podem ser enquadradas nessa categoria.

"Imagine-se, a propósito, a situação de um Chefe de Governo presentear o Presidente da República do Brasil com uma grande esmeralda de valor inestimável, ou um quadro valioso. Não é razoável pretender que, a partir do título da cerimônia, os presentes, valiosos ou não, possam incorporar-se ao patrimônio privado do Presidente da República, uma vez que ele os recebe nesta pública qualidade", afirmou Alencar à época.

Portaria aprovada na gestão Temer

Diante desse contexto, a portaria emitida durante a gestão de Temer perde sua validade legal. Esse entendimento é respaldado pelo advogado constitucional Fernando Bentes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e pelo professor de Direito Constitucional da PUC-Rio, Thiago Varella.

Os posts em questão também mencionam a Portaria 124, de 2021, assinada por Mario Fernandes, então secretário-executivo da Presidência da República sob a administração de Bolsonaro. Embora essa medida revogue o texto de Temer, ela trata exclusivamente do acervo museológico, sem abordar a discussão sobre itens personalíssimos.

Manipulação da legislação

Os bolsonaristas fazem menção ainda à decisão do TCU em março deste ano, que determinou a devolução dos estojos de joias. No entanto, a interpretação que os políticos dão, de que essa medida específica configura uma mudança na legislação, não encontra respaldo. "Todas as recomendações e determinações do TCU foram fielmente cumpridas pela Presidência", afirma trecho do conteúdo.

Conforme a legislação vigente, após receber um presente em cerimônia diplomática, o chefe de Estado deve submeter o item à análise e catalogação da Diretoria de Documentação Histórica da Presidência da República. Essa entidade é responsável por determinar o destino do item e sua preservação.

Uma vez que esses presentes foram recebidos no exterior, Bolsonaro estaria legalmente obrigado a declarar qualquer bem com valor superior a US$ 1.000 à Receita Federal, caso ele os interpretasse como itens de natureza pessoal. A investigação da PF, conduzida pela Operação “Lucas 12:2”, deflagrada na última sexta-feira (11), sugere que membros do governo Bolsonaro podem ter violado essas normas, o que constituiria o crime de peculato - apropriação de bem público por um funcionário público para benefício próprio.

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