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Cientistas revelam o momento exato em que não é mais possível lutar contra o sono

Segundo os autores, existe um ponto crítico específico, no qual o sistema de vigília colapsa abruptamente para o estado de sono.

Os pesquisadores comparam esse instante a uma montanha-russa. | Foto: FREEPIK
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Dormir é um dos processos mais essenciais da vida humana e ocupa cerca de um terço do nosso tempo. Apesar dos avanços da neurociência, ainda havia uma lacuna importante no entendimento de como o cérebro passa do estado de vigília para o sono. Agora, pesquisadores britânicos afirmam ter identificado, com precisão inédita, o instante em que essa transição acontece.

DESCOBERTA CIENTÍFICA

Um estudo conduzido por cientistas do UK Dementia Research Institute, do Imperial College London, e da Universidade de Surrey, no Reino Unido, aponta que o cérebro não adormece de forma gradual, como se acreditava. Segundo os autores, existe um ponto crítico específico, no qual o sistema de vigília colapsa abruptamente para o estado de sono.

O QUE DIZ A FISIOLOGIA

Em entrevista à CNN Brasil, o professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Medicina do Sono, Geraldo Lorenzi, explicou o fenômeno a partir do eletroencefalograma (EEG), exame que mede a atividade elétrica cerebral.

Se você estiver acordado, as ondas cerebrais são rápidas”, afirmou. Isso acontece “porque os neurônios estão ativos. E dormir, pegar no sono ou ter sonolência é basicamente lentificar essas ondas cerebrais”, completou.

PONTO DE INFLEXÃO

De acordo com o estudo, publicado na revista Nature Neuroscience, essa transição ocorre de forma abrupta e previsível, cerca de 4,5 minutos antes do sono propriamente dito. Ou seja, o ponto decisivo não é quando a pessoa já dorme segundo critérios tradicionais, mas quando o cérebro entra em um estado do qual não consegue mais retornar à vigília.

As mudanças associadas a esse processo “podem ser parcialmente medidas de forma não invasiva com eletroencefalograma (EEG) de couro cabeludo”, destaca o artigo científico.

O MOMENTO EM QUE O CÉREBRO ‘DECIDE’ DORMIR

Os pesquisadores comparam esse instante a uma montanha-russa: antes do topo, ainda é possível recuar; depois, a queda é inevitável. Segundo os dados, após esse ponto, o sistema de vigília deixa de existir e o sono se instala.

METODOLOGIA DO ESTUDO

Para chegar a essa conclusão, os cientistas analisaram EEGs de mais de mil pessoas. A partir desses registros, extraíram 47 diferentes medidas da atividade cerebral, organizadas em um modelo matemático que funciona como um verdadeiro “GPS do sono”, capaz de indicar onde o cérebro se encontra entre estar acordado e dormir.

Essa métrica foi chamada de “distância do sono”, que se mantém estável e, de forma súbita, despenca — caracterizando o fenômeno matemático conhecido como “bifurcação”.

CONFIRMAÇÃO DA EXPERIÊNCIA COTIDIANA

Segundo Lorenzi, a descoberta ajuda a explicar sensações comuns do dia a dia. “A gente sempre tem essa fase do ‘lusco-fusco’, fica meio acordado, meio dormindo, que pode acontecer em várias situações. Mas, de repente, você pega no sono”, observou.

O líder do estudo, Nir Grossman, do Imperial College, resumiu o achado em comunicado oficial: “Descobrimos que adormecer é um processo de bifurcação, não gradual, com um ponto de inflexão claro que pode ser previsto em tempo real”.

PRECISÃO IMPRESSIONANTE

Um dos diferenciais do trabalho foi a capacidade de prever a progressão para o sono com 95% de precisão, segundo a segundo, em noites subsequentes. Mais ainda: o momento exato do ponto de inflexão pôde ser antecipado com margem de erro de apenas 49 segundos.

IMPACTOS PRÁTICOS

Atualmente, a análise do sono é feita em blocos de 30 segundos. “Se tem predomínio de onda mais rápida, você está acordado. Se aparecem ondas mais lentas, dizemos que a pessoa dormiu”, explicou Lorenzi. O novo método, porém, identifica matematicamente o instante exato em que o cérebro ultrapassa o ponto sem retorno.

Essa precisão pode ter aplicações diretas na segurança viária, permitindo alertas a motoristas segundos antes de adormecerem ao volante, além de abrir novas possibilidades no diagnóstico da insônia.

INSÔNIA E SAÚDE CEREBRAL

Para quem sofre de insônia, o estudo oferece uma ferramenta mais objetiva para entender por que o sono não acontece. Lorenzi explica: “Se você está muito preocupado, estressado, não se entrega ao sono. Predominam as ondas rápidas de quem está pensando, e você não consegue fazer essa transição da vigília para o sono”.

Além disso, os pesquisadores apontam que o ponto de inflexão pode se tornar um biomarcador da saúde cerebral, especialmente relevante diante da relação crescente entre distúrbios do sono, demência e Alzheimer.

A descoberta, segundo os especialistas, não apenas redefine o entendimento científico sobre o adormecer, como também abre caminho para novas estratégias de prevenção e tratamento em saúde neurológica.

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