Sarney revela que temeu ser visto como um oportunista: “Momento muito difícil”

Ex-presidente José Sarney relembra momentos importantes da história que antecederam a sua posse como Presidente da República

José Sarney diz que a democracia brasileira é para ser comemorada | Reprodução José Sarney diz que a democracia brasileira é para ser comemorada | Foto: Reprodução
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Nas comemorações dos 40 anos da Redemocratização do Brasil, o ex-presidente José Sarney falou em entrevista à GloboNews sobre os momentos que viveu antes de tomar posse como Presidente da República. 

Sarney disse que jamais imaginou, assim como qualquer brasileiro, que pudesse ocorrer o que ocorreu naquela noite, em que a realidade imitava a ficção. "Assumi a Presidência da República levitando, nas pouquíssimas palavras que proferi, disse que estava com os olhos de ontem. Tinha passado a noite sem dormir e estava absolutamente perplexo e sabia a responsabilidade que era governar um país tão grande de problemas tão complexos como o Brasil", disse.

Experiência política

José Sarney contou que teve uma longa experiência política. "Tinha sido governador do meu estado, o Maranhão, tinha sido senador, o mais antigo da República, com 40 anos de exercício na Casa, tinha sido deputado federal três vezes, chegava à vice-Presidência após ter percorrido todos os degraus da política", afirmou.

O ex-presidente disse que toda experiência não impedia que naquela noite tivesse tomado de grande emoção e comoção. "Eu pensava, sobretudo, nos problemas humanos que aquilo gerava para o próprio Tancredo, que a história tinha preparado para que ele pudesse assumir a Presidência da República depois do processo de engenharia política que nos levou à transição democrática", explicou Sarney.

Segundo o ex-presidente, diante dessa situação ele se expressou a Ulysses Guimarães que desejava não assumir naquele dia, mas que deseja assumir quando Tancredo tivesse a saúde restabelecida. "Todos nós acreditávamos que em alguns dias, o Tancredo voltaria, sairia desse processo, pois os médicos teriam dito que seria um processo simples, mas depois, se tornou complexo, com os problemas que surgiram com a doença", disse.

"Acho que naquela noite começou a discussão sobre quem deveria assumir e o Afonso Arinos teve a oportunidade de dizer que eu não era o vice-presidente do Tancredo, mas sim o vice-presidente da República e que, portanto, cabia a mim assumir a Presidência da República", relembrou o ex-presidente.

Sarney também citou a fala de Ulysses Guimarães, que ressaltou na época, que Sarney tinha que assumir. "Ele foi até meio ríspido comigo naquele momento ao falar: Sarney, você não pode criar nenhuma dificuldade nesse instante. Nós lutamos tanto tempo para chegarmos a esse momento. Então você não pode criar nenhuma dificuldade e nem ser sujeito a sentimentalismo", contou Sarney, lembrando as frases de Ulysses.

Sarney disse ainda que considerava que, em razão dos problemas pessoais de saúde do Tancredo, "achava que eu não deveria assumir, pois o Brasil esperava Tancredo e, de repente, eu assumia a Presidência da República em seu lugar. Essa aparição minha iria, naturalmente, significar que eu fosse um oportunista e que seria um vice-presidente para poder, em qualquer momento, substituir o presidente". Sarney relata que foi um momento difícil e assumiu o País num momento de muita perplexidade. 

Militares

Com os militares, Sarney disse que explica que eles estavam divididos, pois a metade ou, talvez mais da metade, achava que ele não deveria assumir a Presidência. 

"O ex-presidente Figueiredo não compreendera porque eu tinha me afastado dele. A realidade foi que ele não aceitou as coisas que estávamos propondo de fazer uma eleição democrática, uma democracia interna para escolher o candidato a Presidente da República.  Portanto, naquele momento, os militares, através do ministro do Exército de Figueiredo, procurou o Leitão de Abreu, chefe da Casa Civil e disse a ele que não aceitava a minha posse e que iria imediatamente falar com os comandos militares para destituir a transição democrática. Enfim, era uma intervenção militar".

Sarney contou que naquela noite, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se reuniram secretamente e decidiram, com 2 votos contra, numa decisão informal, que ele deveria assumir o país. "Com o comando de Ulysses Guimarães, os políticos todos se reuniram, fizeram uma ata no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, afirmando que no dia seguinte, quem iria tomar posse era o vice-presidente. 

Noite de perplexidades

Sarney lembra que aquela noite foi de grandes perplexidades. "Me recolhi à minha casa e disse que não queria participar das conversas sobre o assunto, pois estava no meio desse processo e não me sentia bem", relembra.

Na entrevista, Sarney disse que naquela noite ficou acordado, pensando nas responsabilidades que estavam pesando sobre si. "Às 3 horas da manhã, o general Leônidas liga e diz que às 10h, eu teria que assumir a Presidência da República e cumprir todas as formalidades", disse.

Ao General Leônidas, Sarney disse que não queria assumir a Presidência e que iria esperar por Tancredo e a resposta que ouviu do general foi: "não crie mais nenhum caso, boa noite, Presidente!".

Segundo Sarney, a partir daquele instante, ele tinha consciência de que realmente tinha que assumir. Em seguida, o presidente do Congresso ligou e comunicou a mesma decisão tomada nas áreas civil e militar.

Ao fazer uma análise da democracia brasileira, o ex-presidente diz que a transição foi muito forte, bem conduzida. "Devemos comemorar esses 40 anos de democracia, porque conseguimos criar instituições fortes para resistir a dois impeachment, resistimos ao 8 de janeiro e chegamos até hoje, comemorando a grande democracia, a segunda democracia do mundo ocidental, que é o Brasil".

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