Reunião gravada: Bolsonaro e sua equipe discutiram como reverter investigação sobre Flávio

A reunião ocorreu no dia 25 de agosto de 2022 e o General Augusto Heleno disse que era preciso deixar isso 'fechadíssimo'

Alexandre Ramagem | Valter Campanato/Agência Brasil

O áudio de uma reunião gravada com a participação de Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin na gestão Bolsonaro, revela discussões entre o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro do GSI Augusto Heleno, e advogadas de Flávio Bolsonaro sobre estratégias para obter informações sigilosas de órgãos oficiais e proteger o senador Flávio Bolsonaro de investigações. A reunião, ocorrida em 25 de agosto de 2020, foi revelada após decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, no âmbito de um inquérito que investiga possível uso indevido da Abin para espionagem ilegal.

Ações fechadíssimas

Durante o encontro, discutiu-se a possibilidade de buscar dados sobre investigações contra Flávio Bolsonaro em órgãos como a Receita Federal e o Serpro. Bolsonaro sugeriu contatar o chefe da Receita à época, José Tostes, e o presidente do Dataprev, Gustavo Canuto, para obter informações privilegiadas sem levantar suspeitas. O general Augusto Heleno enfatizou a necessidade de manter as ações "fechadíssimas", enquanto advogadas mencionaram estratégias para descredibilizar auditores envolvidos nas investigações contra Flávio.

O que diz os denunciados

Os participantes negam irregularidades e afirmam que suas ações foram dentro dos limites legais. Flávio Bolsonaro defendeu que as medidas tomadas visavam protegê-lo de um suposto viés político nas investigações da "rachadinha", esquema pelo qual foi denunciado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa em 2020.

Confira trechos dos diálogos

"Ninguém tá pedindo favor aqui, [inaudível] é o caso conversar com o chefe da Receita. O Tostes".

Dataprev e Receita

A referência é a José Tostes, então chefe da Receita Federal. Os outros participantes concordam e, posteriormente, Bolsonaro sugere conversa com Gustavo Canuto, que presidia o Dataprev, empresa de tecnologia do governo federal que lida com dados da administração pública.

"É o zero um dos caras. Era ministro meu e foi pra lá. Sem problema nenhum. Sem problema nenhum conversar com ele. Vai ter problema nenhum conversar com o Canuto", diz Bolsonaro.

"Eu caso [sic] conversar com o Canuto?", questiona Bolsonaro.

Luciana Pires responde o ex-presidente:

"Sim, sim. Com um dique. Olha, em tese, com um dique você consegue saber se um funcionário da Receita [inaudível] esses acessos lá".

No áudio, o General Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), explica que essa estratégia tratada na reunião tem que ficar fechadíssima.

"Tentar alertar ele que, ele tem que manter esse troço fechadíssimo. Pegar de gente de confiança dele. Se vazar [inaudível]", afirma Heleno.

Jair Bolsonaro, então, afirma:

"Tá certo. E, deixar bem claro, a gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa. Que não estamos procurando favorecimento de ninguém".

O que aconteceu

Deflagrada na semana passada, a quarta fase da operação Última Milha traz o áudio da reunião entre os quatro, na ocasião Ramagem teria afirmado ser necessário tomar providências para anular a investigação que caia o filho do ex-presidente. Nesse encontro, de acordo com a Polícia Federal, foi tratada sobre estratégia para desmoralizar e afastar auditores da Receita que estavam envolvidos na operação.

"Eu acredito, até que se isso aqui vier à tona, a gente vai ser bastante, é atacada, mas francamente, eu não tenho o pouco nem pouco a fazer. O que é que acontece? Eu juntei aqui. Eu fiz um, um pedido, é, general. Especialmente pro GSI. Porquê? É um pedido de averiguação. Dos sistemas de inteligência que atendem à Receita Federal, mas o pedido precisa, a averiguação precisa, feita, feito pelo Serpro", declarou a advogada Juliana Bierrenbach.

O chefe do GSI, general Augusto Heleno, que também estava na reunião, perguntou:

"Quando vocês pediram?"

E Juliana respondeu:

"Não estou pedindo, estou trazendo hoje".

A advogada Luciana Pires chegou a discutir outras opções para a ação da defesa que não fosse uma ajuda do GSI. Ela cogitou a via legal de acionar o STF.

"Qual seria a outra opção que a gente poderia fazer sem ser através da GSI? Eu entrar com uma reclamação no Supremo, porque a forma, em tese, o relator é o Gilmar Mendes", diz ela.

Ponto de vista de ramagem

Ramagem, que gravou a reunião, declara não ser bom envolver o GSI, já que o o GSI não seria possível acessar a Receita sem levantar suspeita de interferência política.

"Politicamente, o general Heleno vai ser crucificado, como pessoalidade em prol do Flávio Bolsonaro. Acredito que não seja o melhor caminho", diz o então diretor da Abin.

'Jeitinho'

Em outro momento do encontro, Bolsonaro diz que não é pra ninguém achar que eles estão tentando dar um "jeitinho" na investigação. Confira a transcrição da PF:

Jair Bolsonaro: "[inaudível] Nenhuma pessoa aqui fez qualquer conversa pra 'vamo dar um jeitinho'. Nada, nada, nada."

Augusto Heleno: "Não tem essa conversa."

Luciana Pires: "O diabo sabe o que a gente faz. O diabo [inaudível]."

Augusto Heleno: "[inaudível] Tem gente que fica triste é, que não tem esse tipo de conversa aqui."

Objetivo

A gravação deixa evidente que as advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach pretendiam  encontrar supostas "provas" de que a investigação contra Flávio Bolsonaro era irregular e para isso, a pretensão era envolver os órgãos oficiais.

Juliana Bierrenbach: Então, o que eu tenho? Eu não tenho uma prova de que foi feito isso com o Flávio.

Luciana Pires: A gente quer essa prova.

Juliana Bierrenbach: Qual é a prova possível de ser produzida? O Serpro, ele produz.

Juliana Bierrenbach: Um relatório. Eu trouxe um arquivo de exemplo, que é uma apuração especial do Serpro. Chama apuração especial do Serpro. Segundo o que me informaram.

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