SEÇÕES

Professora é xingada por estudante de Direito durante reunião na UFBA; vítima denuncia

Durante o encontro da Congregação, o estudante Pedro São Paulo, presidente do Centro Acadêmico Ruy Barbosa (CARB), proferiu três xingamentos à vice-coordenadora do curso.

Pedro São Paulo e Juliana Damasceno | Foto: Redes Sociais
Siga-nos no

A advogada criminalista, professora do curso de Direito e Vice-Coordenadora da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Juliana Damasceno, foi atacada verbalmente por um de seus estudantes no interior do centro educacional. O caso aconteceu no dia 6 de outubro, e foi divulgada pela docente nesta quarta-feira (15).

COMO ACONTECEU?

Durante o encontro da Congregação, o estudante Pedro São Paulo, presidente do Centro Acadêmico Ruy Barbosa (CARB), proferiu três xingamentos à vice-coordenadora do curso, chamando-a de “vadia” três vezes diante dos demais participantes.

Professora da UFBA | FOTO: Redes Sociais

Em seu relato nas redes sociais, Juliana afirmou ter ficado inicialmente paralisada diante das ofensas, mas decidiu denunciar o episódio para expor a gravidade da violência de gênero sofrida.

Enquanto suscitava Questão de Ordem sobre impedimento de membros de Comissão Eleitoral para participação no julgamento, fui alvo de ataque misógino, praticado pelo presidente do Centro Acadêmico Ruy Barbosa, Pedro Maciel São Paulo Paixão, por razões da condição do meu sexo feminino e, também, do exercício das minhas funções administrativas de natureza pública, com repetição agressiva e dolosa, e com evidente propósito ofensivo, por 03 (três) vezes, das palavras “vadia, vadia, vadia”(sic!), que já não fazem – ou não deveriam fazer – parte da linguagem masculina sã no século XXI, por resumir o seu decadente anacronismo, disse a professora.

INVESTIGAÇÃO

Juliana Damasceno acrescentou que as providências já estão sendo tomadas. O caso gerou forte repercussão dentro e fora da UFBA, com manifestações de apoio à professora e pedidos de punição exemplar ao aluno.

Pedro São Paulo participou da reunião como representante estudantil. Em suas redes sociais, ele se apresenta como estagiário de Direito na Procuradoria-Geral do Município de Salvador, com passagens pelo Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia (TCM-BA) e pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA).

CONFIRA A NOTA COMPLETA DA PROFESSORA

No dia 06 de Outubro de 2025, compareci à reunião extraordinária da Congregação da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, que integra a rede federal de educação do Brasil, na condição de mulher, Conselheira do órgão colegiado máximo da instituição federal de ensino superior, por ser Vice-Coordenadora da Faculdade de Direito da UFBA, no exercício da Coordenação.

A reunião fora designada para as 12h, com pauta única “Apreciação e votação de redação do artigo 28 do Regulamento da consulta prévia para a escolha do (a) Diretor (a) e Vice-diretor(a) da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (FDUFBA)”. Minha presença se fez necessária em decorrência da ausência do Excelentíssimo Coordenador do Curso de Direito, MD. Geovane de Mori Peixoto, o qual encontrava-se impedido por motivo de problema de saúde.


No legítimo exercício de um cargo de poder decisório e como servidora pública federal, enquanto suscitava Questão de Ordem sobre impedimento de membros de Comissão Eleitoral para participação no julgamento, fui alvo de ataque misógino, praticado pelo presidente do Centro Acadêmico Ruy Barbosa, Pedro Maciel São Paulo Paixão, por razões da condição do meu sexo feminino e, também, do exercício das minhas funções administrativas de natureza pública, com repetição agressiva e dolosa, e com evidente propósito ofensivo, por 03 (três) vezes, das palavras “vadia, vadia, vadia”(sic!), que já não fazem – ou não deveriam fazer – parte da linguagem masculina sã no século XXI, por resumir o seu decadente anacronismo.

As gravíssimas ofensas estão carregadas do ranço da cultura patriarcal que nega a legitimidade da presença feminina em posições de representação e hostilizam, simbolicamente, todas as mulheres que lutam por reconhecimento, respeito e igualdade dentro da academia, do serviço público e nos próprios caminhos da sua existência.


A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 1994, garante a toda mulher o direito de uma vida livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada (art. 3º), notadamente, os direitos à sua integridade física, mental e moral (art. 4º, alínea “b”), direito a ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos (art. 4º, alínea “j”), inclusive na tomada de decisões. Dispõe, ainda, que toda mulher, independentemente de classe, raça ou grupo étnico, renda, cultura, idade ou religião, tem direito de ser livre de todas as formas de discriminação (art. 6º, alínea “a”), valorizada e educada, livre de padrões estereotipados de comportamento e costumes sociais e culturais baseados em conceitos de inferioridade ou subordinação (art. 6º, alínea “b”).

As condutas criminosas foram praticadas no espaço público, onde eu dediquei mais de 25 (vinte e cinco) anos da minha vida útil, como aluna da graduação e oradora de turma, Faculdade onde recebi o Diploma de Honra ao Mérito Acadêmico, onde cursei 02 (duas) especializações em Direito do Estado e Ciências Criminais, Mestrado e Doutorado em Direito. Também, foi nesse espaço onde fui 03 (três) vezes Chefa de Departamento de Direito Público, Professora substituta e onde sou Professora Associada de Direito Penal, Representante da disciplina Direito Penal, eleita 02 (duas) vezes, por meus pares e Vice-Coordenadora do curso de Direito.


As agressões misóginas, cometidas em rede social da rede mundial de computadores, foram nitidamente voltadas ao silenciamento da minha posição de liderança e configuram um ultraje à memória da primeira Faculdade da República Brasileira, a toda a comunidade acadêmica e, ainda, à história do Centro Acadêmico, que carrega o peso do nome de Ruy Barbosa, arauto supremo das liberdades públicas deste País, entidade estudantil que existe desde 1897 e cujas grandes tradições embrionárias remontam, ainda, no fim do século XIX, ao Manifesto dos estudantes da Faculdade de Direito contra o massacre das forças armadas aos conselheiristas na Guerra de Canudos, no sertão baiano.

Esclareço que as providências que o gravíssimo episódio exige foram - e estão sendo adotadas - para a minha proteção integral contra as condutas vulneradoras dos meus direitos, com a confiança que as Autoridades Públicas promoverão a investigação dos fatos com as consequentes responsabilidades correlatas, com observância dos princípios constitucionais. A omissão em contextos delitivos dessa natureza, de quem quer que seja, na esfera pública, é sempre um atestado de óbito moral e, portanto, nunca ocorrerá por aqueles que conhecem as razões do Direito. Essa luta não é personalista, porque viver é coletivo.


O respeito à condição feminina é, também, uma prática voltada à conscientização e prevenção de toda forma de violência e, sobretudo, uma ruptura do silêncio para dar visibilidade ao sofrimento da vítima, não para sua revitimização, mas para inspirar compromissos dos Poderes públicos, das instituições e sociedade civil com políticas de proteção às mulheres.

Os lugares ocupados, licitamente, pela subscritora, criada entre cactos e macambira, no sertão de Euclides da Cunha-BA, não foram alcançados por atalhos fáceis, nem por concessões graciosas do acaso, mas conquistados com empenho pessoal, por infatigáveis jornadas de estudo, muitos suores noturnos, sólida carreira acadêmica, pautada na excelência técnica e no intransigente compromisso com a ética pública.


Agradeço, sensibilizada, todas as manifestações públicas e privadas, veladas ou ostensivas, diante dessa pungente e inédita dor, que representam, mais do que afago para minha alma idealista, mas, afirmação solene de que o Brasil atravessa uma fase de progresso na vida pública. É dever de todos o compromisso com a ruptura do silêncio contra a violência de gênero e contra o silenciamento feminino, para garantia de que toda mulher tenha o elementar direito de existir, de “ser” o que se “é” e de viver livre de toda e qualquer forma de opressão.

Tópicos
Carregue mais
Veja Também