Imagens do circuito interno da Zara analisadas pela Polícia Civil do Ceará (PC-CE) concluíram que o gerente indiciado por racismo havia atendido uma cliente sem máscara antes da entrada da delegada Ana Paula Barroso, vítima do crime. O desfecho da investigação derruba a versão do estabelecimento de que a permanência da delegada foi barrada porque ela estava sem o item de proteção.
Os registros analisados mostram que a delegada não teve o mesmo tratamento dado a outros clientes. Ana Paula foi expulsa do local instantes depois de uma consumidora ter ido à loja sem estar com a máscara. Esta cena também foi observada em outras situações onde os demais não foram retirados ou abordados para fazer o uso correto do item.
“Não se trata sobre o uso incorreto da máscara. Trata-se de racismo. Vimos outros clientes fazendo o uso incorreto da mascara e comendo. Inclusive uma delas foi atendida por Bruno Filipe. E nenhuma foi expulsa”, afirma a delegada de Defesa da Mulher de Fortaleza, Janaína Siebra.
O delegado-geral Sergio Pereira, reitera que a vítima foi impedida de estar na loja por "medida de segurança" e não pelo risco de transmissão da Covid-19. "Cai por terra esse argumento de que o que motivou entre aspas a determinação que ela se retirasse da loja foi questão sanitária. A investigação demonstrou que não. Ele foi enfático ao afirmar que a retirada da vítima foi por questões de segurança", pontuou.
Investigação
Além das imagens, a PC-CE ouviu, ao todo, sete testemunhas, incluindo uma outra vítima de racismo negra de 27 anos, que relatou ter passado pelo mesmo constrangimento na Zara o último mês de junho.
Também foram ouvidas duas ex-funcionárias da loja que denunciaram episódios de assédio moral e procedimentos discriminatórios durante o atendimento de clientes.
A PC-CE ressaltou que o shopping colaborou prontamente com as imagens. A loja, no entanto, negou três vezes o repasse do circuito interno, o que motivou o pedido de busca e apreensão.
A PC-CE descobriu que a Zara possui uma espécie de código interno para discriminar clientes "suspeitos" e ligar alerta para os funcionários. De acordo com a delegada Arlete Silveira, o aviso era feito por um funcionário através sistema de som da loja. O termo utilizado para informar a presença de suspeitos era "Zara Zerou".
"Quando chega alguém diferente, fora do perfil do consumidor da Zara, alguém chega e diz 'Zara Zerou' é como se aquela pessoa deixasse de ser um consumidor e passasse a ser suspeita dentro do estabelecimento", citou.
O gerente da unidade, Bruno Filipe Simões Antônio, de 32 anos, foi indiciado por racismo com base no artigo 5º da Lei de Crimes Raciais por recusar, impedir acesso a estabelecimento comercial e negar a prestação do serviço à delegada. Conforme a Polícia Civil, a loja também poderá ser responsabilizada na esfera civil por danos morais.
Para a delegada Arlete Silveira, o "caso é um marco" porque dentro do plano de ação da Polícia Civil está prevista a criação da Delegacia de Enfrentamento à Discriminação e Intolerância Racial, Religiosa e LGBTQIA+.
"Estamos falando de racismo estrutural. É tão velado que nem sempre a vítima entende que está sofrendo uma violência racial", ponderou.