Um erro profissional desencadeou a perda de uma vida, o fim do sonho de um casamento, comoveu e chocou ainda mais um país que sofria com a violência e até mandou, por pouco tempo, um criminoso para a cadeia. Mas, quase 20 anos depois, não há nada capaz de apagar a dor da família pelo assassinato do ex-zagueiro colombiano Andrés Escobar, que foi morto em sua cidade, Medellin, dias após marcar um gol contra na derrota por 2 a 1 contra os Estados Unidos na Copa do Mundo de 1994.
"Meu pai faleceu há cinco anos e se foi com muita tristeza pela morte de Andrés. Ele era um ótimo ser humano, uma pessoa muito boa. Foram anos muito complicados para a gente", afirma o irmão do ex-jogador, Santiago Escobar.
Turbinada por uma campanha impecável nas eliminatórias sul-americanas, com direito à goleada histórica por 5 a 0 sobre a Argentina em Buenos Aires, a Colômbia havia chegado àquela Copa como uma das favoritas ao título. Estava na seleção a melhor geração da história do país, com talentos como Rincón, Valderrama, Asprilla e Valencia. Elogiados até por Pelé, os colombianos chegaram aos EUA como sensação daquelas semanas que precediam o início da competição.
Mas o time fracassou. Acabou eliminado na primeira fase. Escobar, autor do gol contra, acabou baleado na frente de uma discoteca em Medellín. Nunca houve uma explicação oficial para a sua morte, embora na Colômbia se trate praticamente como verdade que o ex-jogador foi morto por apostadores que se deram mal com o fiasco colombiano e, por isso, quiseram descontar a frustração com uma "vingança" contra o defensor. Santiago é um dos muitos que compartilham essa versão.
"A razão foi que esses apostadores perderam quantias importantes e terminaram com a vida de Andrés. Ele perdeu a vida por isso", disse o irmão da vítima, inconformado. Escobar foi assassinado depois que foi feita uma tocaia na frente de seu carro. Foi provocado com xingamentos e ironias sobre seu gol contra. Retrucou e então levou os tiros.
Autor dos disparos, Humberto Muñoz Castro foi preso e condenado a 43 anos de prisão pelos 12 tiros contra o jogador. Castro era guarda-costas e motorista de dois condenados por tráfico de drogas na Colômbia. Para indignação geral no país, ele saiu da prisão depois de cumprir 11 anos. Tinha bom comportamento.
Para Santiago, tão revoltante quanto perder o irmão foi encontrar o assassino gozando de sua liberdade. O irmão de Andrés conta que estava num restaurante em Medellin ao mesmo tempo que Muñoz Castro. Santiago diz que o assassino tentou o contato para falar algumas palavras e possivelmente explicar o ocorrido, mas logo foi ignorado.
Santiago afirma que foi preciso muito sangue frio para lidar com a inesperada situação. "Há alguns anos ele quis falar comigo, mas recusei. A única pessoa que pode perdoar alguém é Deus. E eu não sou capaz de falar com ele ou perdoá-lo. O que tenho é um sentimento difícil de explicar. Eu não quero ouvir nada e nem conversar com quem tirou a vida de Andrés", falou. "Ele queria dar algumas explicações. Eu disse apenas que não tinha nada o que conversar com ele. E me retirei dali. Falei que não queria ouvir nada", completou.
O irmão do defensor faz várias pausas quando fala sobre Andrés. Se emociona muito ao falar do irmão. Lembra que horas depois do gol contra conversaram no hotel onde estava concentrada a delegação colombiana. Diz que o zagueiro, apesar de triste, estava consciente que havia ocorrido apenas um acidente de trabalho.
"Ele disse que iria jogar a partida seguinte com muito profissionalismo. Andrés era um jogador de personalidade. Ele pensou que vinha um jogador atrás dele no cruzamento e entendeu que não houve comunicação com o [goleiro ] Córdoba naquele lance", disse Santiago.
A família ficou sabendo da morte de Escobar por telefone, pois os pais e irmãos do ex-jogador tiraram férias nos Estados Unidos após a eliminação colombiana. Mas Andrés voltou para a cidade natal. Segundo o irmão, o ex-zagueiro estava praticamente negociado com o Milan dias antes de sua morte. Ele iria se casar em dezembro de 94 - o assassinato aconteceu em 2 de julho.
Apesar de o futebol e uma Copa do Mundo terem, de certa forma, participado da morte de Andrés, seu irmão diz que não faz associação negativas às duas. Não pegou desgosto por Mundiais. Também foi jogador de futebol e trabalhou na área até o fim de 2013 como diretor técnico do Once Caldas.
"Minha irmã e meu irmão vão para o Brasil assistir ao Mundial. Mas eu vou ficar aqui na Colômbia. Assistirei daqui. Só que não por isso (pela morte do irmão), não perdi o gosto pelo futebol não, trabalho com isso", explicou.
Zinho, um dos jogadores do elenco da seleção brasileira que foi tetracampeã em 94, recorda que a notícia da morte de Escobar assustou o elenco no meio da competição, quando foram informados sobre o que ocorrera em Medellín.
"Lembro que todo mundo ficou chocado. Um cara que foi eliminado de uma Copa do Mundo, retorna para seu país e é assassinado. E quando veio a notícia de que foi realmente porque foi responsável e falhou no lance, todo mundo ficou chocado nesse sentido. Ficamos tristes com o acontecido e isso foi motivo de muitas conversas. Em certo momento a Copa ficou até em segundo plano [nas repercussões] por conta disso. Lembro que os governantes [da Colômbia] não tinham o mando do país, que estava nas mãos dos traficantes", comentou Zinho.