Enquanto os países apressavam seus preparativos para imunizar cidadãos contra a Covid-19, o Brasil, com seu programa de imunização de renome mundial e uma robusta capacidade de fabricação de produtos farmacêuticos, deveria estar em uma vantagem significativa.
Mas brigas políticas internas, um planejamento a esmo e um movimento antivacinas nascente deixaram o país, que sofreu a segunda maior taxa de mortalidade da pandemia, sem um programa de vacinação claro. Seus cidadãos agora não têm noção de quando podem obter alívio de um vírus que colocou o sistema de saúde pública de joelhos e esmagou a economia.
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— Eles estão brincando com vidas — diz Denise Garrett, epidemiologista brasileira-americana do Sabin Vaccine Institute, que trabalha para expandir o acesso às vacinas — Beira um crime.
Os especialistas tinham esperança de que o poder de imunização do Brasil lhe permitissem lidar com o fim da pandemia melhor do que com o início.
Logo depois que a Covid-19 foi identificado pela primeira vez no país em fevereiro, o Brasil se tornou um epicentro da crise global de saúde. O presidente Jair Bolsonaro rejeitou as evidências científicas, chamou o vírus de uma "gripezinha" que não justificava o fechamento da maior economia da região e repreendeu os governadores que impuseram medidas de quarentena..
À medida que os esforços de vacinação estão em andamento na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, dando às suas populações a chance de começar a imaginar uma vida pós-pandemia, o momento encontrou as autoridades brasileiras mais uma vez despreparadas e atoladas em fortes disputas sobre a política de vacinas.
Dias depois do anúncio, o ministério da Saúde ainda estava lutando para fazer pedidos a fornecedores de vacinas sobrecarregados. Funcionários do ministério também enfrentaram dúvidas sobreo por quê do país não ter seringas e frascos suficientes para embarcar na ambiciosa campanha de vacinação, necessária para cobrir um país com 210 milhões de habitantes, onde mais de 180 mil sucumbiram ao vírus.
Além disso, a Anvisa, agência reguladora da saúde no Brasil, ainda não aprovou nenhuma vacina contra o coronavírus para uso geral.
— As pessoas vão começar a entrar em pânico se o Brasil continuar atrasado em ter um plano, uma estratégia clara e objetiva — disse Rodrigo Maia, o presidente da Câmara, alertando que o Congresso tomará as rédeas do processo se o executivo continuou a tatear.
A discussão sobre o acesso e a segurança da vacina também se tornou uma disputa partidária.Bolsonaro criticou repetidamente a vacina CoronaVac, que está sendo desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac Biotech, e rejeitou o plano de seu ministério da Saúde de comprar 46 milhões de doses.
Movimentos antivacina crescem
Em vez disso, o governo confiou na vacina desenvolvida pela AstraZeneca e pela Universidade de Oxford, que está atrasada na corrida para receber a aprovação dos reguladores de saúde.
A cruzada do presidente contra a vacina chinesa criou uma oportunidade política de ouro para um de seus principais rivais políticos, João Doria, governador do estado de São Paulo. Doria negociou diretamente com os chineses as doses da vacina, que está sendo desenvolvida em parceria com o centro de pesquisas do Butantan, de São Paulo.
A briga cada vez mais acirrada entre Doria, que deve concorrer à presidência em 2022, e o governo federal politizou perigosamente os planos de vacinação no Brasil.
Carla Domingues, epidemiologista que comandou o programa de imunização do Brasil até o ano passado, lamentou que a vacina contra o coronavírus tenha se tornado uma questão partidária.
— Isso nunca aconteceu nos esforços de imunização — disse ela. — Isso vai deixar as pessoas confusas. É surreal.
Mesmo quando os desafios de abastecimento e logística forem superados, especialistas em saúde dizem que o Brasil enfrentará um novo problema: um crescente movimento antivacinação que, segundo eles, o presidente e seus aliados alimentam com falsidades.
Roberto Jefferson, um ex-deputado que apoia o presidente Bolsonaro, afirmou no início deste mês em uma mensagem no Twitter que “os globalistas estavam preparando uma vacina para mudar nosso DNA”.
Dra. Garrett, do Instituto Sabin, estudou a ascensão do movimento antivacinação nos Estados Unidos, onde trabalhou por duas décadas nos Centros de Controle de Doenças. Ela disse que temia por muito tempo que o movimento encontrasse um ponto de apoio no Brasil, mas ficou consternada com a velocidade e intensidade de sua ascensão na era Bolsonaro.
— Isso encorajou os "antivaxxers" no Brasil a se apresentarem antes do que deveriam — disse ela — Eles têm poder e falam alto.