“Gente, com todo respeito ao espírito natalino, não fiquem distribuindo quentinha na rua.” A declaração da vereadora Talita Galhardo provocou forte repercussão nas redes sociais após a publicação de um vídeo em que ela orienta a população a não oferecer refeições a pessoas em situação de rua. Segundo a parlamentar, a prática “estimula a permanência nas calçadas” e, em alguns casos, “acaba contribuindo para o aumento da criminalidade”.
No vídeo, que viralizou, Talita menciona o crescimento do número de moradores de rua na Zona Sudoeste do Rio de Janeiro e critica a iniciativa de uma igreja de realizar uma ceia de Natal para esse público na Praia dos Amores, na entrada da Barra da Tijuca. Ela afirma que parte dessas pessoas permanece nas ruas por já ter estabelecido uma “rotina” e que muitos acabam montando barracas ao receber doações como refeições, kits de higiene, cortes de cabelo e outros auxílios.
A vereadora também argumenta que há vagas disponíveis em abrigos municipais, mas que muitos recusam o acolhimento devido às regras internas, como a proibição do uso de drogas, o cumprimento de horários e a separação entre homens e mulheres.
“Eu falo porque já fui subprefeita de Jacarepaguá. Existem casas de acolhimento, existem vagas, mas eles não querem ir para esses abrigos porque não se pode consumir drogas, têm horários estipulados para tudo e não pode dormir homem junto com mulher. Então, eles não querem seguir essas regras”, declarou.
A fala gerou imediata reação negativa nas redes. Internautas acusaram a vereadora de insensibilidade e criticaram o que consideram criminalização da pobreza. Um dos comentários mais compartilhados dizia:
“Cama quente, champanhe, salário na conta no dia certinho, carro, gasolina, assessoria… e a culpa é de quem distribui comida a quem tem fome? O mundo está perdido mesmo.”
Outro usuário questionou:
“Discordo com todo respeito. Não dar comida, além de cruel, não vai eliminar problema social. Talita, como assim?”
Também houve críticas mais duras:
“Meu Deus, nunca assisti atrocidade maior. Deixar as pessoas passarem fome vai reduzir criminalidade? Não seria educação o caminho? A presença do Estado?”
Algumas mensagens cobraram ações concretas do poder público:
“Vereadora, faça algum projeto social para resgatar essas pessoas. Muitos vieram de orfanatos, não foram adotados e, ao completar 18 anos, precisam sair sem oportunidades. Quer lacrar? Lacre com coerência.”
Apesar das críticas, também surgiram manifestações de apoio à vereadora. Uma moradora comentou que o número de pessoas em situação de rua aumentou significativamente nos últimos meses em bairros como Barra da Tijuca, Recreio, Jacarepaguá e Centro, e afirmou que muitos rejeitam os abrigos oferecidos pela prefeitura.
Procurada pela reportagem, Talita Galhardo não respondeu até o fechamento desta matéria.
Prefeitura se manifesta
Em nota, a Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) informou que realiza abordagens sociais a pessoas em situação de rua 24 horas por dia, sete dias por semana, tanto na Zona Sudoeste quanto em outras regiões da cidade. O órgão destacou que o acolhimento não é compulsório e que, quando há adesão, a pessoa é encaminhada a uma unidade da rede, onde recebe abrigo e acompanhamento psicossocial.
Ação da Cidadania critica discurso
O diretor-executivo da ONG Ação da Cidadania, Rodrigo Afonso, responsável pela campanha Natal Sem Fome, fez duras críticas às declarações da vereadora.
“Quando vejo uma afirmação dizendo que distribuir quentinhas ‘aumenta a criminalidade’, não enxergo preocupação com segurança pública, mas a reprodução de uma visão profundamente equivocada e desumanizante sobre quem vive nas calçadas da cidade. Essas pessoas não estão na rua por escolha, mas porque o Estado falhou”, afirmou.
Segundo Afonso, a permanência nas ruas não está ligada à distribuição de alimentos.
“Não é a comida que mantém alguém na rua, e sim a ausência de políticas de habitação, saúde mental, tratamento, renda e acolhimento digno. Criminalizar a solidariedade é inverter a lógica da humanidade. Fome não é caso de polícia, é caso de política pública. O que aumenta a criminalidade é a negligência, não a ajuda”, concluiu.