O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes rejeitou nesta terça-feira (9) a tese de que os crimes de abolição do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado se sobrepõem. Para ele, cada delito tutela bens jurídicos distintos, e por isso não há consunção, isto é, quando um crime “absorve” o outro no cálculo da pena.
As defesas dos réus, incluindo a do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), argumentam que um golpe de Estado necessariamente implica a abolição do Estado Democrático de Direito, e que, portanto, ambos deveriam ser tratados como um só crime. Moraes, no entanto, apontou divergências claras entre as tipificações.
A interpretação do ministro
De acordo com o relator, a abolição violenta do Estado de Direito tem como objetivo cercear ou impedir o livre exercício dos Poderes já constituídos. O golpe de Estado, por outro lado, visa derrubar um governo legitimamente eleito para tomar o poder.
Para reforçar sua posição, Moraes citou um exemplo histórico: o Ato Institucional nº 2, editado em 1965 pelo marechal Humberto Castelo Branco. O ato fechou o Congresso, aumentou o número de ministros do STF e extinguiu as eleições diretas para presidente. Segundo o ministro, ali houve clara violação do Estado de Direito, mas não um golpe, já que Castelo Branco já estava no poder
"É importante analisar o conjunto de uma organização criminosa que, sob a liderança de Jair Messias Bolsonaro, praticou vários atos executórios destinados a atentar contra o Estado Democrático de Direito e a dar golpe de Estado. São dois delitos autônomos", afirmou Moraes.
O que é abolição do Estado Democrático de Direito
Previsto no artigo 359 do Código Penal, o crime consiste em tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais. A pena prevista é de 4 a 8 anos de reclusão, podendo ser ampliada conforme a violência praticada.
Esse crime, geralmente, é cometido por agentes que já ocupam posições de poder e se utilizam das próprias instituições para limitar a democracia.
O que é golpe de Estado
O golpe de Estado, por sua vez, ocorre quando indivíduos ou grupos tentam, por meios ilegítimos, destituir um governo eleito. A Constituição de 1988 classifica como “crime inafiançável e imprescritível” a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional. A pena vai de 4 a 12 anos de prisão.
O advogado Ricardo Yamin, doutor em Direito pela PUC-SP, resume a diferença:
Quando falamos de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, o crime é cometido por agentes que, em regra, estão no poder. Já o golpe de Estado ocorre quando os autores não estão no governo e tentam destituir quem foi legitimamente eleito.
Apesar da posição firme de Moraes, outros ministros podem adotar entendimento diverso. Luiz Fux, por exemplo, deve acompanhar a tese das defesas de que um crime poderia incorporar o outro.