Não deixa de ser uma ironia o fato de que na eleição em que se pretendeu retirar o humor da cobertura de política, seja um palhaço, literalmente, o candidato a deputado com maior destaque.
É verdade que Tiririca não é obra do acaso ou de um mero improviso.
O palhaço faz sucesso não apenas pelo grotesco, mas pelo fato de que lhe foi dado, cuidadosamente, um tempo de exposição na televisão que só encontra paralelo nos "donos" de partidos.
Desde o exemplo de Enéas, sabe-se que um bom puxador de votos é capaz de milagres. Vários são os políticos que preferem se esconder por detrás de um nome atraente, ou apenas divertido, para mais tarde obter os louros do quociente eleitoral.
O fato de Tiririca ter tanto destaque na eleição e José Serra tão pouco também não é gratuito.
É fruto do esvaziamento político da eleição, a marca de 2010.
O fenômeno não é novo, mas é de se registrar que a política nunca esteve tão ausente de uma eleição como agora.
Na pré-campanha, os tucanos apontavam o dedo para Dilma dizendo que ela seria apenas um fantoche do presidente. Se pretendiam buscar lã, saíram evidentemente tosquiados, porque o prestígio e a popularidade de Lula apenas engordaram progressivamente o cacife eleitoral dela.
A equação é, de certa forma, cruel com ambas as partes: quanto menor Dilma é, mais votos tende a receber.
E se a situação ganha quanto menos fala ou aparece, Serra na oposição se mostrou uma espécie de centroavante mal colocado.
Tem-se a impressão de que nunca está no lugar certo, na hora certa, principal característica dos bons goleadores.
Foi situação quando a população queria mudar; é oposição, quando o governo está bem avaliado.
Mas nada disso explica o fato de que é uma oposição que não se opõe.
Trouxe como lema de campanha, a capacidade de fazer "mais". Não disse que vai fazer diferente ou que pretende fazer melhor.
Mais, é discurso de continuísmo, não de oposição. Não à toa, dormiu com o inimigo, trazendo o próprio Lula para sua propaganda eleitoral como uma forma pouco sutil de dizer que ele sim seria o verdadeiro sucessor do presidente.
Uma situação que se esconde e uma oposição que não se opõe. E a política foi se esvaindo pelo ralo.
Marina não se livra do estigma de candidata da ecologia - sua melhor marca é paradoxalmente o maior entrave.
E Plínio, que desempenha na eleição o minúsculo papel do "diferente de tudo que está aí", tem praticamente o mesmo tempo de televisão do que o candidato palhaço para pontuar as insustentáveis semelhanças de todos os seus adversários, motivo talvez do vazio dos discursos.
A eleição de 2010 poderá ser lembrada pelas disputas na justiça.
Um sem-número de candidaturas vem sendo glosadas sem que o STF ainda tenha sequer apreciado a constitucionalidade e os limites do Ficha Limpa, mantendo inabaláveis os riscos de inversão de resultados depois da votação.
Poderá ser lembrada pela campanha, ou quem sabe até mesmo a eleição, de Tiririca, esse nosso Cacareco pós-moderno, cujos votos, entretanto, não serão nada nulos.
Poderá, enfim, ser lembrada como marca expressiva da transferência de voto de um líder popular, que acabou por fazer dos candidatos efetivos, meros coadjuvantes.
Mas não poderá ser lembrada pela política, porque inadvertida ou propositadamente, os partidos a deixaram de lado.
O efeito retardado deste debate apolítico pode ser devastador.
Ou não. Quem sabe se as coisas andam tão ruins que pior não ficarão.