O promotor eleitoral Maurício Antonio Ribeiro Lopes admitiu, em entrevista ao G1 na tarde desta segunda-feira (8), a possibilidade de pedir a absolvição do deputado federal eleito Francisco Everardo Oliveira Silva, mais conhecido como o palhaço Tiririca, caso fique demonstrado durante audiência que ele é alfabetizado, mas disse que vai insistir na apuração da veracidade do documento apresentado à Justiça antes do registro da candidatura para comprovar sua escolaridade. Procurado pela reportagem, o advogado de Tiririca, Ricardo Vita Porto, afirmou que não comentará as declarações do promotor.
Eleito com 1,3 milhão de votos, Tiririca responde a uma ação penal que apura a veracidade da declaração de alfabetização entregue à Justiça Eleitoral. Uma prova técnica produzida pelo Instituto de Criminalística aponta discrepância de grafia no documento original.
O promotor afirma que não vê problema em desafiar a vontade popular ao questionar Tiririca. "Em primeiro lugar, a vontade popular não pode tudo, tem limites dentro do estado democrático. A campanha foi feita em cima do personagem, mas quem toma posse é o homem. Se tirar a fantasia dele, aposto que a população não sabe identificá-lo. A vontade popular foi manipulada durante a propaganda eleitoral, feita com desigualdade."
Em uma audiência cuja data é mantida em segredo pela Justiça Eleitoral, Tiririca pode ser submetido a uma coleta de prova diante do juiz. A Justiça pode determinar imediatamente a absolvição ou condenação do candidato - o que não impede sua diplomação, em 17 de dezembro, nem a possibilidade de recursos aos tribunais superiores.
Em entrevista ao G1, Lopes deixa claro que resolver a questão da escolaridade não reduz a importância da questão sobre a suposta fraude na declaração. "O MP pode pedir a absolvição se ele me convencer de que sabe ler e escrever", afirma. "Se ele souber ler e escrever, se o conteúdo (da declaração) for verdadeiro, não importa o aspecto formal. Mas independente da questão do conteúdo, eu tenho que analisar o documento em si", diz.
Segundo o promotor, Tiririca poderia ter se submetido à leitura de um documento, mas preferiu apresentar a declaração. Ele afirma que qualquer candidato é respaldado pelo artigo 16, inciso IV parágrafo 9º da resolução 23.221 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), segundo a qual a ausência do comprovante de escolaridade poderá ser suprida por declaração de próprio punho, podendo a exigência de alfabetização do candidato ser aferida por outros meios, desde que individual e reservadamente.
"Como eu provo que a declaração é de próprio punho? Em um cartório de registro civil, diante de um tabelião. Ou com a declaração, com carimbo atrás, de um funcionário da Justiça Eleitoral que registra e dá fé. Nada disso foi feito. Eu acho que isso vale em uma relação privada. Isso valerá no ambiente do Poder Legislativo?"
Mesmo que seja diplomado, Tiririca pode ter de responder a um recurso contra expedição do diploma que pode ser movido pela Procuradoria Regional Eleitoral. O promotor remeteu documentos coletados durante a ação penal para subsidiar uma eventual ação do Ministério Público Federal.
Lopes lembra que a Constituição define no artigo 14, parágrafo 4, que os analfabetos são inelegíveis, mas lamenta que não haja lei federal definindo o que é analfabetismo. O promotor propõe como parâmetro para avaliar Tiririca um estudo da Secretaria Estadual da Educação de São Paulo que define o analfabeto funcional.
"Eu tenho uma visão do que seja uma pessoa alfabetizada. O estudo diz que conceito que hoje vigora no Brasil para considerar-se que alguém é alfabetizado é o da alfabetização funcional, que está relacionada ao grau de leitura, escrita e interpretação em função do meio social em que vive a pessoa." Segundo o promotor, caso o candidato se recuse a fazer o exame, terá de arcar com as consequências.
Sobre a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo a qual "quem deveria fazer a prova é quem pediu para ele (Tiririca) fazer prova", Lopes diz: "Nós juízes e promotores fizemos os nossos exames e fomos aprovados".
O promotor afirma que o Ministério Público tem de cumprir sua obrigação, que é defender a Constituição. "Não tenho nada pessoal contra o candidato Tiririca. Eu agi porque houve uma denúncia da imprensa. Tivemos que agir por conta do conhecimento que veio a público e que tem de ser apurado com o maior rigor." Ele cita o artigo 172 da Constituição, segundo o qual cabe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica e do regime democrático.