Uma cidade de pouco mais de 2 mil habitantes no interior do Rio Grande do Norte se viu no centro de um esquema criminoso com ramificações profundas na política local. A reportagem exibida pelo Fantástico neste domingo (12) revelou que o Primeiro Comando da Capital (PCC) atuou diretamente nas eleições municipais de João Dias e teve participação decisiva no assassinato do ex-prefeito Francisco Damião de Oliveira, conhecido como Marcelo.
PCC tentou dominar a gestão municipal
As investigações da Polícia Civil e da Polícia Federal apontam que traficantes ligados à facção financiaram campanhas e interferiram nas decisões administrativas do município, buscando o controle da prefeitura como forma de garantir acesso a recursos públicos. João Dias registrou uma receita de R$ 23 milhões em 2023, segundo dados do IBGE.
“O objetivo de facções como o PCC é tomar o poder político onde houver perspectiva de lucro, inclusive com recursos públicos“, afirmou Mário Sarrubbo, secretário nacional de Segurança Pública.
Áudios mostram proposta de R$ 730 mil por renúncia
O caso mais grave envolve um áudio no qual o traficante Francisco Deusamor Jácome oferece R$ 730 mil a Marcelo para que ele renunciasse ao cargo de prefeito. O acordo teria sido fechado e, em junho de 2021, seis meses após assumir a gestão, Marcelo deixou a prefeitura. Sua então vice, Damária Jácome — irmã de Deusamor — assumiu o comando do município.
Na posse, Damária homenageou os sete irmãos, destacando de “forma especial” os dois mais envolvidos com o tráfico: Deusamor e Leidjan. Ambos morreram meses depois, durante confronto com a polícia na Bahia.
Assassinato planejado e executado por facção
Após a Justiça revogar sua renúncia em 2022, Marcelo foi reconduzido à prefeitura e passou a colaborar com as autoridades, denunciando os vínculos da família Jácome com o PCC. Ele voltaria a disputar a eleição municipal de 2024, agora contra a ex-vice Damária.
Foi então que, segundo a investigação, Damária e Leidiane Jácome, vereadora da cidade, contrataram criminosos para matá-lo. Marcelo foi assassinado junto com seu pai em agosto de 2023, quando estava em uma barbearia. Os executores haviam passado dez dias escondidos em um sítio da família Jácome, onde gravaram vídeos com armas e referências à facção. Uma primeira tentativa de execução teria sido adiada por ocorrer durante um culto religioso.
Prisões e foragidos
A polícia prendeu nove suspeitos. Outras quatro pessoas continuam foragidas — entre elas Damária e Leidiane Jácome. A atual prefeita é Maria de Fátima Mesquita da Silva, viúva de Marcelo, que assumiu o cargo após o assassinato do marido. Segundo nota da prefeitura, João Dias vive um momento de “profunda intranquilidade” e busca recuperar a normalidade institucional.
A defesa das irmãs Jácome nega envolvimento delas no crime e afirma que ambas teriam deixado a cidade após receberem ameaças.
A face política do crime organizado
O caso de João Dias não é isolado. Um relatório da Polícia Federal obtido pelo Fantástico aponta tentativas de interferência de facções criminosas em pelo menos 42 cidades brasileiras nas últimas eleições municipais. Somente em São Paulo, o PCC teria investido R$ 8 bilhões em candidaturas.
A infiltração do crime organizado na política municipal representa uma nova e perigosa estratégia: lavar dinheiro público, influenciar comunidades carentes e assumir o controle institucional em regiões vulneráveis. As investigações continuam e devem resultar em novas ações judiciais nos próximos meses.