A Polícia Federal encaminhou para perícia um aparelho de gravação telefônica utilizado pela força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná. O objetivo é apurar se o equipamento foi usado para escutas ilegais, segundo informações do repórter Aguirre Talento, do jornal Estadão.
A análise busca esclarecer o funcionamento do sistema, que teria registrado cerca de 30 mil ligações ao longo de quatro anos, entre 2016 e 2020, período central da operação.
A perícia foi determinada por decisão do Superior Tribunal de Justiça, após voto do ministro Luís Felipe Salomão, que reverteu entendimento da Procuradoria-Geral da República favorável ao arquivamento do caso.
A investigação tramita sob sigilo desde o início do ano passado e apura possíveis crimes de interceptação telefônica ilegal, cuja pena pode variar de dois a quatro anos de detenção. O inquérito analisa eventual responsabilidade do então coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, e de outros integrantes da força-tarefa.
Dallagnol nega qualquer irregularidade e sustenta que o equipamento foi instalado como medida de autoproteção, diante de ameaças sofridas por procuradores envolvidos nas investigações.
Sistema gravou milhares de chamadas durante período-chave da operação
Segundo informações levantadas pela Polícia Federal, o aparelho periciado é o modelo Vocale R3, utilizado nos ramais telefônicos da força-tarefa durante momentos decisivos da Lava Jato.
Dados preliminares apontam a realização de aproximadamente 30 mil gravações, das quais ao menos 341 teriam sido acessadas. A investigação também levanta a suspeita de que escutas ativas possam ter sido realizadas sem o conhecimento dos titulares das linhas telefônicas.
Por determinação do STJ, a perícia está restrita à análise dos metadados, como registros de uso do sistema, operadores responsáveis, exclusão de arquivos e eventual armazenamento em nuvem. Não há autorização para ouvir o conteúdo das conversas gravadas.
No voto que fundamentou a decisão, o ministro Luís Felipe Salomão ressaltou que a apuração não se volta ao teor dos diálogos, mas à gestão do equipamento, ao controle dos acessos e à forma de armazenamento do material.
O período de funcionamento do sistema coincide com episódios marcantes da política brasileira, como o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a divulgação da chamada Lista de Fachin, a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a eleição de Jair Bolsonaro.
A Polícia Federal relatou dificuldades para obter o equipamento, que havia sido solicitado inicialmente em janeiro de 2024. Segundo a corporação, a Corregedoria do Ministério Público Federal teria adotado condutas consideradas procrastinatórias.
O aparelho estava armazenado em Brasília e só foi entregue após a PF ameaçar pedir busca e apreensão. A definição sobre a competência para julgar o caso também atrasou o avanço da investigação por cerca de um ano e meio, até que o STJ assumisse oficialmente a condução do inquérito.
Embora o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, tenha determinado recentemente buscas na 13ª Vara Federal de Curitiba para apurar suspeitas de monitoramento ilegal de autoridades com foro privilegiado, a apuração no STJ possui escopo mais amplo.
A suspeita é de que o sistema, acoplado aos ramais da força-tarefa, possa ter gravado advogados, investigados, testemunhas e até outros procuradores, transformando o telefone institucional em um mecanismo de vigilância sem controle judicial.
Em nota, Deltan Dallagnol afirmou que o equipamento de autogravação foi adquirido de forma institucional e com finalidade exclusiva de segurança. Segundo ele, a compra foi autorizada pela então procuradora-chefe, em um contexto em que membros da força-tarefa enfrentavam ameaças à própria vida e à de seus familiares.
Dallagnol sustenta que nenhuma gravação foi acessada, escutada ou utilizada de forma irregular, e que o sistema não teve finalidade investigativa. A perícia da Polícia Federal deve apontar se houve uso indevido do equipamento e quem teve acesso aos registros, o que pode definir os próximos passos da investigação conduzida pelo STJ.