A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou em 25 de abril do ano passado uma proposta de emenda à Constituição, a PEC número 3, que dá ao Congresso Nacional autonomia para sustar atos normativos do Poder Judiciário. Na época, o caso foi noticiado pela imprensa, mas houve pouca repercussão.
Exatamente um ano depois, na última quarta-feira (24), a mesma CCJ aprovou a PEC 33, que dá ao Congresso o poder de derrubar decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre emendas constitucionais.
A aprovação da PEC 33 gerou tensão entre Judiciário e Legislativo. O presidente do STF, Joaquim Barbosa, disse que a proposta "fragilizará a democracia". O ministro Marco Aurélio Mello classificou a proposta como "retaliação" e o ministro Gilmar Mendes disse que "rasgaram" a Constituição.
De outro lado, o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL) apontou uma suposta "invasão" do Judiciário no Legislativo depois que Gilmar Mendes mandou paralisar ? no mesmo dia em que a PEC 33 foi aprovada ? a tramitação no Congresso de um projeto.
Tanto a PEC 33 quanto a PEC 3 são de autoria do mesmo parlamentar, o deputado federal Nazareno Fonteles (PT-PI), e ainda precisam ser analisadas por comissões especiais na Câmara antes de serem votadas no plenário.
O que diz a PEC 3?
O texto da PEC 3 prevê alteração no artigo 49 da Constituição, que diz que é competência do Poder Legislativo "sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa".
O projeto de Fonteles propõe a substituição da expressão ?Poder Executivo?, por ?outros Poderes?, abrindo a possibilidade para que o Congresso suste atos normativos emanados tanto do Executivo como do Judiciário.
Fonteles diz que o texto da PEC permitiria que qualquer decisão do Supremo fosse revista pelo Congresso, desde que os parlamentares entendessem que o tribunal extrapolou suas atribuições e atuou como legislador.
"A ideia é barrar atos que sejam legislativos. Se alterarem uma emenda constitucional por decisão deles, por exemplo, podemos anular. Essas matérias que têm passado pelo Supremo, como alteração de regras para fidelidade partidária, pesquisas com células embrionárias,aborto de anencéfalos, lei dos royalites, a meu ver nada disso teria valor", afirmou o deputado.
No entanto, o relator da PEC 3 na CCJ, deputado Nelson Marchezan Junior (PSDB-RS), diz que sentenças ou decisões do Judiciário não seriam alvo da PEC. A proposta, segundo ele, vale apenas para atos internos dos tribunais.
?Se, porventura, esta PEC submetesse uma decisão de natureza estritamente jurisdicional, a exemplo de sentenças, acórdãos ou decisões judiciais, ao crivo e controle do Poder Legislativo, estar-se-ia diante de clara violação ao princípio constitucional da separação dos poderes. Todavia, não é disso que trata a PEC nº 3/2011, a qual versa, exclusivamente, sobre os atos normativos?, diz o parlamentar em seu relatório.
Para o professor de direito Fernando Leal, do Centro de Justiça e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas, no Rio, os atos normativos do Judiciário dizem respeito à "estruturação dos tribunais", como os regimentos internos, ou a "regulamentações" que cabem ao Judiciário, como é o caso das regras que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) define para as eleições.
"Forçar a aplicação de atos normativos para decisões relacioandas a atos-fim do Supremo [como decisões ou sentenças], vai gerar uma discussão sobre separação dos poderes. A atividade-fim está fora, pelo próprio texto da PEC. Seria difícil forçar essa interpretação", afirmou o professor.
Para o professor Mamede Said, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), o texto da PEC 3 não se aplica ao Poder Judiciário. Segundo ele, não há como o Judiciário "exorbitar" do poder de regulamentação porque, por natureza, não tem essa atribuição.
De acordo com o professor, os atos normativos são atos de caráter administrativo, internos ao órgão e não dizem respeito à atividade-fim do Judiciário, como emitir decisões, sentenças e acórdãos.
Feliciano
Depois da aprovação da PEC na CCJ em 2011, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) foi ao plenário e disse que PEC representa alternativa para "exorbitâncias" feitas pelo STF. Na mesma semana de abril de 2012, o Supremo havia aprovado a liberação de aborto em caso de fetos anencéfalos.
"A PEC representa uma luz no fim do túnel para todas as exorbitâncias que vêm sendo feitas em nome do Supremo Tribunal Federal, tirando deste Parlamento o direito de representar e votar as coisas relacionadas ao povo brasileiro.Quero agradecer a todos os membros da CCJ, que por unanimidade a aprovaram, e parabenizar mais uma vez o nobre Deputado Nazareno Fonteles e o Relator, que fez um trabalho brilhante", disse Feliciano em discurso.
Outra PEC
O deputado Fonteles tem ainda outra PEC, a 143/2012, que determina mandatos de sete anos para os ministros do Supremo Tribunal Federal sem a possibilidade de recondução. Atualmente, o ministro só deixa a corte quando completa 70 anos e é aposentado compulsoriamente.
O texto dessa PEC também pede que a escolha dos ministros da Corte seja feita "de forma alternada, pelo Presidente da República e pelo Congresso Nacional".
Atualmente, a Constituição prevê que os ministros sejam "nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal". A PEC está apensada a outras três e ainda aguarda parecer na CCJ.