A Operação Monte Carlo, que revelou um esquema de exploração de jogos ilegais e corrupção em Goiás e no Distrito Federal, completou um ano. Deflagrada pela Polícia Federal (PF) e Ministério Público Federal (MPF) em 29 de fevereiro de 2012, ela trouxe à tona gravações telefônicas que derrubaram um senador da República, abasteceram duas CPIs, uma no Congresso e outra na Assembleia Legislativa de Goiás, causaram mudanças nos comandos da Segurança Pública goiana e levaram à condenação de oito pessoas. No entanto, todos os envolvidos recorreram da sentença e aguardam em liberdade.
Autores da denúncia que resultou na condenação do que chamam de ?cúpula da quadrilha?, os procuradores da República Daniel de Resende Salgado e Lea Batista de Oliveira concederam entrevista esta semana. Eles fizeram um balanço positivo do trabalho que, segundo a dupla, desarticulou o esquema comandado pelo empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. No entanto, admitem que o contraventor dificilmente voltará à prisão e lamentam dois pontos: não terem atingido a parte financeira do grupo e a tolerância de setores da Justiça com o crime de colarinho branco.
Para o procurador Daniel Salgado, a sociedade não percebe esse tipo de crime como grave. ? O MPF conseguiu levantar o véu de uma realidade extremamente complexa. Alguns setores da Justiça criminal ainda têm uma percepção leniente do colarinho branco. Nosso trabalho é tentar convencer esses setores e a sociedade que esses crimes são tão graves quanto os outros", argumenta.
Os procuradores sustentam que o grupo de Cachoeira foi desmantelado, mas não totalmente desarticulado. ?Nos ressentimos dos vazamentos de informação, de setores onde não esperávamos. Por causa deles, tivemos que antecipar a operação, e, por isso, não conseguimos levar a investigação até a parte financeira, que é a espinha dorsal?, explicou Daniel Salgado.
Eles não descartam a possibilidade da atividade ilegal se encontrar em plena ação, mas com novas formas de atuação: "O mercado espúrio dos jogos é rentável e não temos notícias de redistribuição ou tomadas de pontos de exploração". Além do lucro, outro ponto forte que, segundo Daniel Salgado, demonstra a união do grupo é o silêncio orquestrado. "São próprias de grupos criminosos com parâmetro mafioso atitudes de proteção mútua por meio do silêncio", diz o procurador.
No início da Operação Monte Carlo, 31 pessoas foram presas, em quatro estados e no Distrito Federal, suspeitas de ligação com o esquema de Carlinhos Cachoeira, entre elas, o próprio contraventor, que chegou a ficar encarcerado por quase noves meses.
Dos 80 denunciados, somente Cachoeira e mais sete foram condenados, por crimes de quadrilha, corrupção ativa, violação de sigilo funcional, advocacia administrativa, peculato e furto. São eles: Lenine Araújo, a 24 anos e 4 meses de prisão; José Olímpio Queiroga Neto, a 23 anos e 4 meses; Idalberto Matias, o Dadá, a 19 anos e três meses; Geovani Pereira da Silva, a 13 anos e 4 meses; Raimundo Queiroga, a 12 anos e 8 meses; Gleyb Ferreira da Cruz, a 7 anos e 8 meses; e Wladimir Garcêz, a 7 anos. Todos ganharam o direito de recorrer da setença em liberdade.
Condenação final
Para o procurador, dificilmente Carlinhos Cachoeira irá para a prisão novamente, ?a menos que aparece algum fato novo?. Condenado a 39 anos e 8 meses de prisão, o contraventor ainda pode recorrer em três instâncias da decisão proferida pelo juiz da 11ª Vara Criminal, Alderico Rocha Santos.
Daniel Salgado demonstra esperança em uma condenação final. ?Nosso trabalho foi desenvolvido em parceria com a Polícia Federal, da forma mais técnica possível. É uma investigação robusta, com provas e que serviu de alicerce para uma condenação que, nós acreditamos, será mantida em instâncias superiores?, defende.
Procurado, Carlinhos Cachoeira disse não poder dar entrevistas por determinação da defesa.
Estratégia
Os procuradores da República adotaram como estratégia o desmembramento do inquérito da Operação Monte Carlo. A primeira denúncia resultou na condenação.
Uma segunda parte está em curso no Judiciário. As respostas à acusação, uma espécie de defesa prévia, estão sob análise do juiz Alderico Rocha Santos. Mas Daniel Salgado acredita que, nesse caso, o trâmite será mais demorado porque há envolvimento de agentes públicos.
Ameaças
Nos 12 meses que sucederam a Operação Monte Carlo, os procuradores receberam ameaças. Desde então, Daniel Salgado e Lea Batista adotaram medidas de segurança, que continuam até hoje. Entretanto, eles preferiram não especificar quais são essas medidas. No segundo semestre, conforme os procuradores, as ameaças continuaram. ?A mais grave dizia que merecíamos um tiro na cabeça. A última foi em dezembro de 2012", pontuaram.
CPMI no Congresso
As investigações da Operação Monte Carlo apontaram a ligação de políticos e empresários com o contraventor. Para apurar esse relação de Cachoeira com parlamentares, o Congresso Nacional instalou uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), conhecida como CPI do Cachoeira, em abril do ano passado. A CPI do Cachoeira custou R$ 167 mil aos cofres do Congresso, mas acabou em um relatório de 2 páginas, sem sugerir o indiciamento de nenhum dos envolvidos.
Após oito meses de trabalho, deputados e senadores rejeitaram o documento final elaborado pelo relator, deputado Odair Cunha (PT-MG), com mais de 4 mil páginas, que pedia o indiciamento de 46 pessoas. Os membros da CPI aprovaram um "parecer alternativo" redigido pelo deputado Luiz Pitiman (PMDB-DF).
Senador cassado
Entre os políticos investigados, o principal deles foi o então senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), que acabou cassado por quebra de decoro parlamentar, em julho de 2012. Demóstenes e Cachoeira se falaram por telefone quase 300 vezes em um ano, conforme escutas telefônicas feitas durante a operação. De acordo com o relatório do MPF, ele usava o mandato a serviço dos interesses do contraventor.
Procurado, o advogado do ex-senador, Antônio Carlos de Almeida, o Kakay, defende a tese de que as escutas da Operação Monte Carlo foram ilegais. Com o fato de Demóstenes ter sido cassado, a reclamação contra ele, que estava no Supremo Tribunal Federal (STF), voltou ao Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO).
"Essa operação, no mínimo estranha, burla o direito dele, que na época tinha imunidade parlamentar. Vamos insistir no fato das escutas terem sido ilegais e requerer o arquivamento do processo. Foi prematuro cassar o senador", argumentou.
Kakay também é advogado de outro importante político que teve o nome envolvido no escândalo, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). O tucano compareceu à CPMI, negou envolvimento pessoal com o contraventor e falou aos parlamentares sobre a venda da casa onde Cachoeira foi preso, em um condomínio de luxo de Goiânia. O imóvel, antes de ser ocupado pelo empresário, pertencia ao governador.
"Contra ele [Perillo] foi uma questão puramente midiática. O excesso de exposição na mídia causou prejuízo à imagem dele, mas o relatório não apura nada contra o governador. Um inquérito foi aberto a nosso pedido, na Procuradoria Geral da República, porque queremos esclarecer os fatos", disse o defensor. Para Kakay, a CPMI foi instrumento político que teve um fim melancólico.
CPI da Delta
Paralela à CPI em Brasília, deputados goianos criaram uma comissão na Assembleia Legislativa. O objetivo seria investigar a ligação de políticos goianos com a contravenção, assim como os contratos da Delta, construtora supostamente ligada ao contraventor, e da Gerplan - antiga empresa de jogos de Cachoeira - com as prefeituras do interior.
Na última terça-feira (26), o relator da CPI da Delta, o deputado Talles Barreto (PTB), apresentou o relatório da comissão. No texto, ele sugeriu o indiciamento de delegados, policiais civis e militares, além de servidores públicos, por corrupção ativa e passiva, mas deixou de lado as peças principais da Operação Monte Carlo. A votação do relatório está marcada para a próxima terça-feira (5).