Por José Osmando Araújo
Embora de maneira triste e errônea, foi necessário que as terras dos Yanomamis passassem por um processo brutal de devastação, que levou aos seus povos doenças, desnutrição e morte, para que finalmente houvesse alguém nas esferas governamentais com a capacidade de barrar a pilhagem escandalosa contra o ouro das nossas reservas, extraído e mandado para fora do país de maneira criminosa.
Essa vergonhosa história de ocupação das terras Yanomamis por milhares de garimpeiros ilegais, que escandalizou o mundo, foi o ponto de partida para que se enxergasse que, de fato, quem lucra com a exploração ilegal e exportação clandestina do ouro das terras brasileiras, são muito menos os garimpeiros que se aventuram em ocupar as reservas indígenas, mas, muito mais, grandes empresas do Brasil e do exterior, que, associadas, esquentam, processam, vendem, e industrializam o metal, para transportar para fora do país, via contrabando, enriquecendo muitos e formando uma cadeia internacional de grande porte.
MP DO OURO
Na intenção de colocar ordem na casa e impor sérias medidas de restrição nessa histórica apropriação do ouro brasileiro, o Ministro da Justiça, Flavio Dino, produziu a medida provisória conhecida como 'MP do Ouro', que endurece as regras de compra e venda desse metal no Brasil, além de alterações nas normas para transporte do produto extraído.
Resta agora a sanção do Presidente Lula para que as medidas sejam submetidas ao Congresso Nacional e, finalmente, possam entrar em vigor. Pela urgente necessidade dessa regulação rigorosa, é inconcebível que o parlamento não acolha na forma proposta.
CONTROLE
Os principais pontos da Medida Provisória (denominada de MP do Ouro) tratam do aperfeiçoamento do controle pelo sistema financeiro; do controle pela Agência Nacional de Mineração; do controle pelos órgãos de segurança e de lavagem de dinheiro; da previsão de pena de apreensão e perdimento em favor da União para o ouro que circular fora dessas regras; e do fim da presunção de boa-fé, além de possibilidade de responsabilização de elos da cadeia de compra e venda de ouro (dever de comprovação de onde vem a produção do ouro proveniente dos garimpos).
NOTA FISCAL
Um dos pontos principais da MP inclui a exigência de nota fiscal eletrônica para compra e venda; que a primeira venda do ouro extraído do garimpo seja por meio de entidades autorizadas pela Banco Central (Bacen); e que a aquisição do ouro ocorra somente por meio de transferência bancária.
EMERGÊNCIA EM SAÚDE
A decisão do governo ocorre na sequência de outra medida recentemente adotada pelo Presidente Lula, que declarou emergência em saúde na Terra Indígena Yanomami, vasta área de reserva na qual o garimpo ilegal provocou uma profunda crise humanitária que deixou mortas mais de 500 crianças indígenas e levou à desnutrição centenas de idosos, mulheres e outras crianças.
ESTRANGULAMENTO DAS ATIVIDADES
O principal foco da MP, conforme expressa o próprio Ministro Flávio Dino, que se debruçou sobre a questão, é o estrangulamento das atividades que esquentam o ouro ilegal extraído de territórios indígenas e das unidades de conservação, além da eliminação das “brechas legislativas utilizadas para burlar o controle de fiscalização do governo sobre a cadeia do ouro".
O Brasil é um péssimo exemplo, no mundo, nessa questão. Atualmente, no país, existe muito menos controle sobre o ouro do que sobre a madeira ou sobre a carne. Com a medida provisória apresentada e já pactuada com todos os órgãos do governo, o indivíduo que for vender o ouro terá uma série de mecanismos de regulação, que sem sua observância, não terá qualquer chance de êxito em seus interesses.
AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO
Por conta da ausência de legislação adequada e do afrouxamento da fiscalização dos órgãos responsáveis, a facilidade com o que o ouro ilegal é esquentado no Brasil se dá de maneira frequente, com gigantesco prejuízo financeiro ao país e irreparáveis danos materiais e humanos aos povos indígenas e suas terras.
Para se ter uma ideia dessa anormalidade, por uma lei sancionada em 2013 permite-se que o ouro extraído do garimpo (em tese, legal, ou seja, autorizado pela Agência Nacional de Mineração) seja comercializado apenas com base nas informações oferecidas pelos próprios vendedores, sob a presunção de “boa-fé”.
UMA VERGONHA
Para que isso ocorra e aparentemente fique “legalizado”, basta que as informações prestadas pelo vendedor “estejam devidamente arquivadas na sede da instituição legalmente autorizada a realizar a compra de ouro”.
Se a Agência Nacional de Mineração falhar ou tiver a intenção de se omitir (como parece ser o histórico desse órgão), o crime estará concretizado. Uma vergonha, que precisa ter fim. Espera-se, agora, que isso de fato acabe para sempre.