Por José Osmando
Existem muitos motivos onde vamos encontrar resposta para as críticas do Presidente Lula ao domínio do dólar norte-americano no mundo, e sua pregação de que as nações precisam fazer uso de moedas alternativas, próprias, nas suas relações comerciais bilaterais.
As falas de Lula em Pequim, na China, aonde esteve na semana passada, levantando bandeiras comerciais e políticas, indicam claramente que o Brasil volta como ator relevante ao cenário global, disposto a defender seus interesses nacionais, mas, ao mesmo tempo, seriamente interessado em quebrar a hegemonia dos EUA- que cada vez parece tornar-se nociva ao resto do mundo-, e assim permitir aos outros países o direito e a liberdade de escolher o que melhor lhes convier.
RELAÇÕES ABALADAS
Os Estados Unidos reagiram com contrariedade às manifestações do Presidente Lula, temerosos, certamente, de que podem ter sua hegemonia sobre as relações políticas e comerciais abaladas. Lula, por sua vez, expressou-se de maneira calma e com bom-humor, em resposta ao estresse dos norte-americanos: “quando eu vou me encontrar com os Estados Unidos, eu não estou nem um pouco preocupado com o que a China vai pensar disso...”.
PASSA DESPERCEBIDO
Em meio a possíveis causas reais sobre a ira dos governantes dos EUA à defesa que Lula faz à substituição do dólar por suas moedas comerciais, surge um motivo muito relevante, que tem passado despercebido por muita gente, nesse esforço mundial para substituir os combustíveis fósseis (especialmente o petróleo) por energias renováveis e limpas.
TECNOLOGIA VERDE
Trata-se do Lítio, um mineral que é principal elemento para a fabricação de baterias para automóveis, tão relevante que tem gerado enorme interesse dos Estados Unidos, que buscam ativamente fortalecer sua posição nas cadeias globais de fornecimento de minerais críticos e tecnologias verdes, sobretudo para a fabricação de carros elétricos.
TRIÂNGULO DE LÍTIO
Acontece que a China saiu na frente nessa questão e mantém avançados entendimentos com países da América do Sul que detém 85 das reservas de Lítio no mundo. O chamado “triângulo de lítio” está aqui na nossa América, formado por Argentina, Bolívia e Chile, com o Brasil figurando num plano também importante, com considerável reserva no Vale do Jequitinhonha.
PRODUÇÃO NO BRASIL
Projeta-se que a demanda de Lítio aumente de 327 quilotoneladas (kt) de carbonato de lítio em 2020, para 2.114 kt em 2030, ostentando o crescimento anual de 21%. O Brasil já produz 2,3% do lítio do mundo, e a previsão é de que poderá dobrar até 2026, aproximando-se de 5% do total do mundo.
AÇÃO AGRESSIVA
Recentemente, a general Laura Richardson, chefe do Comando Sul dos Estados Unidos, alertou que a China "continua a expandir sua influência econômica, diplomática, tecnológica, informativa e militar na América Latina e no Caribe", e fez alusão específica ao avanço que os chineses estão fazendo junto aos países que detém reservas exponenciais de Lítio e afirmou que “a ação da China e seu jogo no terreno com o lítio é muito avançada e muito agressiva”.
A China, que tem alto grau de dependência externa de alguns recursos minerais importantes, assim como os Estados Unidos e outros países embarcam em seu plano de recuperar parte de sua independência energética, e buscam o Lítio como elemento significativo, pois disso dependerá sua segurança econômica e até mesmo segurança nacional. Daí, o lítio mostrar-se uma área cada vez mais crítica na competição tecnológica e geopolítica entre os Estados Unidos e a China.
CHINA LEVA VANTAGEM
O pesquisador Benjamin Gedan, diretor do Programa América Latina do Centro de Estudos Wilson Center, alerta que a China leva vantagem pela disposição de Pequim de investir na produção de baterias na América Latina, investindo na montagem e fábricas nesses países, enquanto "os Estados Unidos estão focados principalmente na aquisição de matérias-primas para as empresas americanas construírem suas próprias tecnologias ecológicas".
Sendo assim, os países sul-americanos, que detém as reservas, vão, obviamente, considerar a oferta asiática mais atrativa do que o modelo tradicional de exportação de suas commodities com muito pouco valor agregado.
CABO DE GUERRA
"Os Estados Unidos estão claramente ansiosos para recuperar o atraso", diz o especialista. "Não é de admirar que a América do Sul se encontre em um cabo de guerra entre EUA e Pequim."
E o Presidente Lula sabe muito bem disso. E, seguramente, vai ajudar para fortalecer o interesse dos países sul-americanos, e do próprio Brasil.
Assim, seu discurso contra a supremacia do dólar, em favor de moedas nacionais nas relações comerciais, ganha cada vez mais força e adesão.