Primeira chefe de Estado a discursar na abertura da 69ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York (EUA), a presidente Dilma Rousseff condenou nesta quarta-feira (24) o uso de intervenções militares para tentar solucionar conflitos bélicos, como os que ocorrem atualmente na Síria, no Iraque e na Ucrânia.
Segundo ela, o uso da força, em vez da diplomacia, gera o acirramento dos conflitos e a multiplicação de vítimas civis. Em tom duro, Dilma enfatizou que a comunidade internacional não pode aceitar "manifestações de bárbarie". "O uso da força é incapaz de eliminar as causas profundas dos conflitos. Isso está claro na persistência da questão palestina, no massacre sistemático do povo sírio, na prática de desestruturação nacional do Iraque, na grave insegurança na Líbia, nos conflitos de Israel e nos embates na Ucrânia", declarou a presidente brasileira na tribuna da ONU. "A cada intervenção militar, não caminhamos para a paz, mas sim assistimos ao acirramento desses conflitos. Verifica-se uma trágica multiplicação do número de vítimas civis e de dramas humanitários. Não podemos aceitar que essas manifestações de barbárie permaneçam ferindo nossos valores éticos, morais e civilizatórios", complementou Dilma, sem se referir especificamente a nenhuma intervenção militar.
Na véspera, no entanto, a chefe do Executivo criticou, ao ser indagada por jornalistas, a operação feita nesta terça pelos Estados Unidos contra o grupo Estado Islâmico na Síria. A intervenção bélica liderada por Washington resultou na morte de 70 pessoas. Dilma disse lamentar “enormemente” o fato e afirmou que iria deixar muito clara a posição do Brasil sobre o assunto em seu discurso na Assembleia Geral.
O encontro anual dos 193 países que integram a organização internacional foi aberto na manhã desta quarta com um pronunciamento do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. No discurso, o dirigente denunciou os ataques contra os direitos humanos ao redor do mundo, enumerando os diversos conflitos e crises na Síria, Iraque, Gaza, Ucrânia, Sudão do Sul e República Centro-Africana, entre outros. Em seguida, o chanceler de Uganda, Sam Kuteza, que está presidindo a 69ª Assembleia Geral das Nações Unidas, também fez uma breve manifestação. Entre outros assuntos, o diplomata chamou a atenção dos governantes mundiais para o crescimento de casos de Aids no mundo, para a epidemia de Ebola na África continente africano e, por fim, reivindicou a reforma do Conselho de Segurança da ONU. Desde 1947, o Brasil é o primeiro país a discursar na abertura do encontro anual da ONU. A tradição teve início com o ex-chanceler brasileiro Oswaldo Aranha, um dos articuladores, ao final da 2ª Guerra Mundial, da criação da entidade internacional. Naquele ano, o político gaúcho foi incumbido de fazer o discurso de abertura da primeira Assembleia Geral. Primeira mulher a ocupar a Presidência da República, Dilma estreou na tribuna da ONU, em 2011. Esta foi a quarta vez que a chefe do Executivo discursou na assembleia.
No ano passado, em razão da revelação de que agências de inteligência norte-americanas haviam espionado autoridades estrangeiras – incluindo a própria Dilma –, a presidente brasileira concentrou seu discurso para as autoridades da ONU na segurança de dados na internet. Naquela ocasião, a petista ressaltou que casos de espionagem “ferem” o direito internacional e “afrontam” os princípios que regem a relação entre os países. Nesta quarta-feira, a presidente voltou a defender na Assembleia Geral que a ONU aprofunde as discussões sobre o direito à privacidade na internet. Ela disse ter notado que a comunidade internacional tem se mobilizado para aprimorar a atual arquitetura de governança da internet. “É indispensável tomar medidas que protejam eficazmente os direitos humanos, tanto no mundo real quanto no mundo virtual, como preconiza a resolução dessa assembleia sobre a privacidade na era digital.
O Brasil e a Alemanha provocaram essa importante discussão em 2013 e queremos aprofundá-la nessa sessão”, observou. Em meio ao discurso de 23 minutos, a presidente da República também argumentou que, nos últimos anos, o Brasil não "descuidou" da solidez fiscal e da estabilidade monetária, o que, segundo ela, protegeu o país da volatilidade externa e da crise econômica internacional deflagrada em 2008. De acordo com a presidente, mesmo com a crise financeira, o Brasil gerou 12 milhões de empregos formais enquanto o mundo desempregava "milhões de trabalhadores". Além disso, destacou Dilma, o Brasil saltou da 13ª para a 7ª economia do mundo, a renda per capita no país "mais que duplicou", e a dívida líquida e externa foram reduzidas. Ela disse aos líderes mundiais que a estabilidade monetária protegeu o Brasil frente a volatilidade externa. Conforme Dilma, essa foi a fórmula que auxiliou o país a resistir ao desemprego, à redução de salários, à perda de direitos sociais e à paralisia de investimentos. Apesar de enumerar conquistas na economia brasileira, a petista reconheceu que a crise atingiu o Brasil "de forma mais aguda" nos últimos anos. Ela atribuiu a instabilidade econômica brasileira às "dificuldades" na economia de todas as regiões do mundo, o que, de acordo com ela, impactam "negativamente" o crescimento do Brasil. "Ainda que tenhamos conseguido resistir às consequências mais danosas da crise global, ela também nos atingiu de forma mais aguda nos últimos anos. Tal fato decorre da persistência em todas as regiões do mundo de consideráveis dificuldades econômicas que impactam negativamente o nosso crescimento", disse Dilma. Sem citar nenhum caso de corrupção sob investigação no país, a presidente afirmou que seu governo tem atuado para combater eventuais irregularidades na estrutura política. Ela destacou a criação do Portal da Transparência e afirmou à ONU que criou mecanismos para punir corruptos e corruptores, além de ter dado “autonomia” aos órgãos de controle interno. A chefe de Estado do Brasil também cobrou uma maior participação dos países emergentes nas decisões tomadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial. Para Dilma, é "inaceitável" a demora no poder de voto dos emergentes nestas instituições.
"É imperioso pôr fim ao descompasso entre a crescente importância dos países em desenvolvimento na economia mundial e sua insuficiente participação nos processos decisórios das instituições financeiras internacionais [...] O risco que essas instituições correm é perder sua legitimidade e sua eficiência", concluiu. ob o olhar dos líderes mundiais, Dilma defendeu a aplicação de políticas públicas voltadas às mulheres, aos negros e afirmou que é preciso acabar com a “mancha” do racismo. Em sua fala, relatou que o Supremo Tribunal Federal do Brasil reconheceu o casamento civil igualitário entre pessoas do mesmo sexo. “A Suprema Corte do meu país reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, assegurando os direitos civis daí decorrentes. Acreditamos na dignidade de todos os seres humanos e na universalidade de seus direitos fundamentais”, garantiu a presidente, ao acrescentar que o governo combate “incansavelmente” a violência contra a mulher.