Apontado pela Procuradoria-Geral da República como um dos principais integrantes do núcleo central do mensalão mineiro, Cláudio Mourão, tesoureiro da campanha à reeleição do então governador de Minas, Eduardo Azeredo (PSDB), em 1998, vai pedir a prescrição do caso em abril, quando completa 70 anos. "O Código Penal é para todo mundo, né? Se eu completar 70 anos e não tiver sido julgado, vou usar esse direito", disse ele ao Estado na primeira entrevista que concedeu para falar sobre o assunto.
Mourão é acusado pelos crimes de peculato (desvio de dinheiro público) e lavagem de dinheiro no esquema de arrecadação ilegal de recursos para a campanha de Azeredo, segundo denúncia do Ministério Público Federal. Os crimes prescrevem após 16 anos entre a ocorrência dos fatos (1998) e o acolhimento da acusação formal (2010), mas quando o réu completa 70 anos, esse prazo cai para a metade.
Em janeiro, o ex-ministro Walfrido dos Mares Guia usou essa prerrogativa para se livrar do processo que tramita na 9.ª Vara Criminal da Justiça de Minas.
A denúncia sustenta que R$ 3,5 milhões de empresas estatais mineiras foram desviados para a campanha do tucano, que não se reelegeu - ele foi derrotado por Itamar Franco. Azeredo nega qualquer responsabilidade ou envolvimento nos crimes apontados e renunciou ao mandato de deputado federal após o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pedir ao Supremo Tribunal Federal que ele seja condenado a 22 anos de prisão.
Nas alegações finais apresentadas ao Supremo na semana passada, a defesa do ex-governador tucano atribuiu ao ex-tesoureiro toda a responsabilidade pela administração das finanças. Além de dizer que foram delegados ao ex-tesoureiro "amplos poderes" durante a campanha, a defesa chamou de "Judas" o antigo colaborador.
"Isto é a opinião dele. O que vale para mim é minha própria consciência", rebate Mourão. "Eu respeito a defesa de Azeredo, mas ela trilhou o caminho de encontrar um bode expiatório. O Cláudio não estava sozinho no mundo. Ele não poderia ter feito aquilo tudo sozinho", completa o advogado Antonio Veloso Neto, responsável pela defesa do ex-tesoureiro.
Parceria. Vivendo atualmente recluso em Belo Horizonte, o ex-tesoureiro evita polemizar com o ex-governador e ex-amigo. Os dois se conheceram no começo dos anos 1980, quando Mourão era chefe de gabinete da Secretaria de Estado de Administração de Minas na gestão Tancredo Neves e Azeredo era diretor-presidente da Empresa de Processamento de Dados do Estado de Minas Gerais (Prodemge). Em 1990, quando Azeredo assumiu a prefeitura de Belo Horizonte, Mourão foi escolhido para comandar a Secretaria de Administração da cidade.
Continuou ao lado de Azeredo quando o tucano foi eleito governador, em 1994. Em 1998, licenciou-se do cargo de secretário de Administração de Minas para coordenar as finanças da campanha à reeleição.
O rompimento ocorreu após a derrota nas urnas. Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República, o ex-tesoureiro herdou dívida de R$ 1,5 milhão. Para pressionar o tucano a arcar com o débito, Mourão teria elaborado um documento detalhando a movimentação financeira da campanha. Conforme a acusação formal, esse relatório foi decisivo para a apuração do caso. A denúncia sustenta que o documento elaborado por Mourão mostra que foram arrecadados "mais de R$100 milhões" para a campanha, sendo que mais de R$ 90 milhões não foram declarados à Justiça Eleitoral. A campanha de Azeredo declarou despesa de R$ 8,5 milhões ao Tribunal Regional Eleitoral.
Cheque. Acuado pela pressão do ex-correligionário, Azeredo recorreu ao empresário Marcos Valério, da agência SMPB. Em setembro de 2002, Valério entregou ao ex-tesoureiro um cheque de R$ 700 mil do Banco Rural para que Mourão quitasse suas dívidas. Valério, atualmente preso pela condenação no mensalão federal, foi acusado de participar do desvio de dinheiro público na campanha.
Apesar de assegurar que a captação de recursos não era atribuição dele, o ex-tesoureiro reconhece que pediu a Valério que fosse doador. "Fui até a empresa dele na época, a SMPB, e pedi para ele ser doador. Não era minha atribuição, mas as contas chegavam para mim e não havia dinheiro", diz.
Segundo Mourão, Marcos Valério "ajudou, e muito" na campanha. Mas o cheque de R$ 700 mil que recebeu do empresário em 2002 não teria sido o suficiente para quitar as dívidas eleitorais.
Mourão afirma que deve "até hoje" R$ 500 mil para o Banco Volkswagen por conta dos carros alugados para a campanha pela empresa de seu filho.
Ele diz que não se relaciona com Azeredo desde 2002. A última vez que os dois encontraram foi durante uma das audiências do processo. "Nós nem nos cumprimentamos", afirma.
Cláudio Mourão diz que vive hoje de aposentadoria e reclama que o caso do mensalão mineiro o afastou do mercado. Um dos seus últimos trabalhos foi a formatação de um projeto para o sindicato que representa as farmácias de Minas Gerais. O serviço resultou em uma ação da segunda gestão de Aécio Neves no governo mineiro: o Cartão Medicamento. Trata-se de um cartão que permite que os servidores estaduais comprem remédios e tenham o pagamento descontado em folha.
A avaliação final do ex-tesoureiro é que o mensalão mineiro não existiu. Alega que a acusação formal é fruto de uma ação do lobista Nilton Monteiro (leia reportagem abaixo). "Setenta por cento da denúncia foi feita por um falsário."
Tal qual a linha de defesa do PT no mensalão federal, ele disse que o caso se resume a um episódio de caixa 2. "Não existe uma campanha de nenhum vereador de qualquer canto do Brasil que não tenha caixa 2."