Em tempos que políticos são alvo uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) por ligação com a máfia do jogo ilegal, o milionário esquema do jogo do bicho ignora as investigações contra parlamentares para se instalar atrás do estacionamento do Senado Federal, a poucos metros do Palácio do Planalto, e na entrada de ministérios. Durante dois dias, a reportagem do iG percorreu estacionamentos e edifícios da Esplanada dos Ministérios, no coração da capital, e identificou pontos da jogatina funcionando em plena luz do dia sem qualquer fiscalização, recebendo apostas de servidores públicos e de transeuntes.
Pela lei, o jogo do bicho é considerado contravenção, com pena de prisão que varia entre quatro meses e um ano, além de multa. Mas a punição não é suficiente para intimidar um apontador cuja banca funciona de segunda a sexta-feira, entre 7h30 e 17h30, em frente ao estacionamento do Palácio do Planalto, colado ao Senado Federal. O ponto é discreto: funciona camuflado em um quiosque de venda de biscoito caseiro, ao lado de um ponto de ônibus. As apostas são recebidas por um senhor de cabelos brancos, que é conhecido como ?Brasil?.
Nos quinze minutos que a reportagem acompanhou a movimentação da banca, seus ?clientes? eram, na maioria, funcionários engravatados com credenciais do Planalto. Quando recebe uma aposta, ?Brasil? abre uma fresta num saco plástico azul para revelar uma maquininha similar às de cartão de crédito, onde computa o jogo e emite um recibo idêntico a uma nota fiscal. ?Você joga R$ 2 e pode ganhar até R$ 4 mil?, alardeia o apontador.
?Brasil? estaciona seu carro, um Palio verde, a menos de dez metros da banca. Os apontadores passaram a parar os automóveis próximo de onde recebem as apostas - alguns registram os jogos dentro dos veículos - depois que uma operação da Polícia Civil do Distrito Federal prendeu, no fim do ano passado, 22 pessoas acusadas de trabalhar com o jogo do bicho.
A polícia investiga a ligação dos bicheiros de Brasília com os chefões do jogo no Rio de Janeiro e com o empresário de jogos de azar em Goiás Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Um dos pivôs da CPI no Congresso, Cachoeira está preso desde fevereiro. Ele teria ligações com o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) e com os deputados Carlos Leréia (PSDB-GO) e Sandes Júnior (PP-GO), que aparecem em grampos telefônicos legais da Polícia Federal.
A cerca de 500 metros do Congresso Nacional, entre os ministérios de Minas e Energia e das Comunicações, contudo, uma apontadora conhecida como ?Maria?, aninhada sob a copa de uma árvore, se mistura a vendedores ambulantes e jogadores de baralho. Ela carrega um caderno de capa de couro, onde são colados os resultados dos jogos. Suas páginas são consultadas avidamente pelos apostadores. Em seguida, Maria torna a guardar o caderno em uma bolsa preta, onde também deposita o dinheiro do jogo. Em aproximadamente 20 minutos, 12 pessoas passam pela banca.
No estacionamento do anexo do Ministério do Trabalho, trabalha o apontador identificado como ?Gordo?, que já teria sido preso pela polícia em ao menos duas ocasiões. Seu ponto fica estrategicamente posicionado num canteiro entre carros de servidores do ministério e de galhos de uma árvore baixa, a não mais de cem metros de uma viatura policial. Para vê-lo é preciso passar perto de sua banca, o que dificulta o trabalho de fotógrafos.