O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, negou o pedido feito pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu para trabalhar fora da prisão. Ele citou o artigo 37 da Lei de Execuções Penais, que exige o cumprimento de ao menos um sexto da pena para a concessão do benefício a detentos no regime semiaberto. Dirceu cumpre pena de sete anos e onze meses de prisão na Penitenciária da Papuda, em Brasília, desde 15 de novembro do ano passado. O direito, portanto, só poderia ser concedido depois que ele passar pelo menos um ano, três meses e 25 dias na cadeia.
Uma causa julgada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 1999 definiu que a regra só serve para presos em regime fechado, e não no regime semiaberto. Varas de Execuções Penais de todo o país têm seguido essa jurisprudência. No entanto, Barbosa ponderou que o STF não se submete a essa norma ? e que o próprio STJ já decidiu processos de forma diferente. O ministro criticou duramente juízes que deixam de aplicar a regra para presos no semiaberto.
?Ao eliminar a exigência legal de cumprimento de uma pequena fração da pena total aplicada ao condenado a regime semiaberto, as VEPs e o Superior Tribunal de Justiça tornaram o trabalho externo a regra do regime semiaberto, equiparando-o, no ponto, ao regime aberto, sem que o Código Penal ou a Lei de Execução Penal assim o tenham estabelecido. Noutras palavras, ignora-se às claras o comando legal, sem qualquer justificativa minimamente aceitável?, escreveu o presidente do STF.
Barbosa pondera que, além de não cumprir o requisito temporal, Dirceu não tem uma oferta de emprego de empresa conveniada com o poder público, o que dificultaria a fiscalização disciplinar do preso enquanto trabalha. A proposta de trabalho apresentada pelo petista foi feita pelo advogado José Gerardo Grossi, um dos mais renomados criminalistas de Brasília. O ministro classificou a oferta de trabalho como uma mera ?action de complaisance entre copains? (em francês, um arranjo entre amigos).
Para Barbosa, o emprego ofertado seria ?absolutamente incompatível com a execução da sentença penal?. Isso porque, segundo o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os escritórios de advocacia gozam da prerrogativa de inviolabilidade no país, ?o que não se harmoniza com o exercício, pelo Estado, de fiscalização do cumprimento da pena?. O ministro acrescenta que o trabalho é de ?natureza inapropriada?, já que o dono do escritório não fica no local o dia inteiro. Por isso, a fiscalização de Dirceu ficaria prejudicada.
O ministro fez dura crítica à proposta de trabalho, dando a entender que o escritório de Grossi estaria prestando um favor à defesa de Dirceu. ?O direito de punir indivíduos definitivamente condenados pela prática de crimes, que é uma prerrogativa típica do Estado, compatibiliza-se com esse inaceitável ?trade-off? (em inglês, troca de favores) entre proprietários de escritórios de advocacia criminal? Harmoniza-se tudo isso com o interesse público, com o direito da sociedade de ver os condenados cumprirem regularmente as penas que lhes foram impostas??, indaga o presidente do STF.
E arremata: ?O exercício da advocacia é atividade nobre, revestida de inúmeras prerrogativas. Não se presta a arranjos visivelmente voltados a contornar a necessidade e o dever de observância estrita das leis e das decisões da Justiça?.
Por fim, Barbosa afirmou que não há necessidade de autorizar a saída de Dirceu para trabalhar, porque o preso já faz isso dentro da Papuda. O petista trabalha na biblioteca do presídio e também ajuda na limpeza. ?Não há, assim, motivo para autorizar a saída do preso para executar serviços da mesma natureza do que já vem executando atualmente, considerada a finalidade do trabalho do condenado?, diz o ministro, citando artigo da Lei de Execuções Penais que ressalta o dever social e de dignidade do trabalho do preso.
A proposta de trabalho feita por Grossi daria ao petista a chance de organizar a biblioteca do escritório dele e realizar pesquisas jurisprudenciais, além de realizar serviços administrativos. O salário oferecido é de R$ 2.100 e o expediente seria das 8h às 18h, com intervalo para almoço entre 12h e 14h.
Dirceu foi condenado no processo do mensalão a sete anos e onze messe de prisão por corrupção ativa. O pedido de trabalho externo teve a tramitação interrompida em janeiro, quando acusaram o petista de falar ao telefone celular dentro do presídio ? o que é considerado falta grave.
Ontem, o presidente do STF revogou as autorizações de trabalhar e estudar fora da prisão concedidas ao ex-deputado Romeu Queiroz e o direito de trabalho externo do advogado Rogério Tolentino. O argumento foi o mesmo dado na negativa do pedido de José Dirceu.