O antropólogo do cotidiano e professor da Universidade Federal da Bahia, Roberto Albergaria, sai em defesa do senador de Eduardo Suplicy (PT), chamado de corno pelo colega Heráclito Fortes (DEM) numa entrevista televisiva no Piauí. Para o especialista em "cornologia", como brinca, Heráclito quer bancar o "cabra-macho" na cornolândia.
- Esta afirmação só representa o machismo arraigado de um nordestino que ostenta sua enganosa condição de cabra macho, pois no mundo pós-moderno e multissexual de hoje, a antiga condição de adúltero foi completamente desconstruída no cotidiano da nossa cornolândia brasileira - diz Albergaria a Terra Magazine.
Doutor pela Universidade de Paris VII, Albergaria afirma que "a atribuição de chifres aos desafetos deixou de ser ofensa e passou a ser elogio neste mundo da politicagem".
Leia a entrevista.
Terra Magazine - Por causa das obras de um aeroporto no Piauí, o senador Heráclito Fortes se exaltou e chamou Eduardo Suplicy de "corno" e "idiota". Discute-se o contexto da ofensa, mas... Por que ser corno ainda é uma coisa negativa no Brasil?
Roberto Albergaria - Esta afirmação só representa o machismo arraigado de um nordestino que ostenta sua enganosa condição de cabra-macho, pois no mundo pós-moderno e multissexual de hoje, a antiga condição de adúltero foi completamente desconstruída no cotidiano da nossa cornolândia brasileira. Hoje não há mais cornos, mas pessoas criativas e ousadas que aprenderam a multiplicar e dividir seus amores e ardores. É o mundo dos poliamores, que hoje é assumido abertamente pelos homens mais inteligentes. Ninguém é dono de si nem do próprio desejo. Aliás, desejos que são cada vez mais efêmeros e borboleteantes. É o triunfo da Papillone, do sábio Fourrier, paixão anunciada pelo único socialismo decente que resistiu no mundo. É o borboletismo alegre e liberal, por exemplo, da "brincadeiragem" baiana. Brincadeira com libidinagem. Prazer que se aclimatou perfeitamente aos nossos lúbricos trópicos. Na verdade, corno mesmo é o povo que vota em políticos inconstantes como o senador Heráclito Fortes. E viva a cornolândia política brasileira, bem-merecida, pois a maioria dos nossos colegas "aspudos" (corno complacente no Nordeste), no máximo, faz uma patacoada mas termina na gargalhada (risos).
Apesar de ter sido ofendido, o senador Suplicy disse que não iria representar contra Heráclito Fortes. É uma decisão sábia não reagir?
Sapientíssima. A posição do senador Suplicy é de um "colega" sapientíssimo.
O senhor estuda a antropologia do cotidiano. Esse é o comportamento mais comum?
Não, a questão é que a atribuição de chifres aos desafetos deixou de ser ofensa e passou a ser elogio neste mundo da politicagem, onde a descaração é generalizada. No fundo, a atribuição de chifres ao colega, a qualquer colega, corresponde à própria natureza da sem-vergonhice generalizada que tomou conta dos palácios.
Heráclito disse que "não era corno pra ter ciúme". O ciúme é necessariamente um comportamento típico dos cornos?
Era. O ciúme é o antiquado comportamento dos cornos burros de antanho, já que vivemos num mundo da alegre inclusividade, onde todos estão conscientes que ninguém é de ninguém, e que nenhum voto representa nada mais que um passaporte para a cornópolis brasiliense.
Brasília é a capital nacional dos cornos?
A condição de capital nacional da fantasia torna Brasília um terreno propício para o crescimento das galhas mais lindas e floridas de todo o universo.
Parafraseando o presidente, é o espetáculo do crescimento?
Até Lula concorda com esta afirmação quando lembra sempre o espetáculo do crescimento. Mais ainda agora quando promove os programas do PAC, o Programa de Crescimento dos Chifres. A afirmação do senador Heráclito é tão ridícula que o único comentário possível não poderá deixar de ser necessariamente esculhambativo.
Diante de tanta discriminação, não seria necessária uma cota para cornos no Congresso?
Não, de maneira nenhuma, pois corno não é minoria, mas a imensa maioria, tanto entre os congressistas quanto entre os cornilhões de brasileiros votantes.
O senhor cogitou sobre os chifres alheios, mas, pra ser equânime, sou obrigado a perguntar: o senhor já foi corno alguma vez na vida?
A pergunta é impertinente. Não sou um corno nem ativo nem passivo, somente reflexivo.