Em entrevista ao Jornal do Brasil, o governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral voltou a defender a liberalização das drogas, desde que com aval da Organização Mundial da Saúde. Cabral acredita que deve existir um "pacto internacional" em torno do assunto, e afirmou que a tática da "proibição pela proibição" causa muitas mortes. Cabral também defendeu a autonomia federativa para os Estados e disse que vai aumentar a verba para o fundo do meio-ambiente com o dinheiro do pré-sal.
Confira a entrevista do Jornal do Brasil:
JB - Considera esse acordo que o senhor e Paulo Hartung (ES) fizeram com o presidente Lula (sobre os royalties do pré-sal) uma vitória, uma meia vitória, ou não houve um consenso, com o presidente impondo este índice?
Sérgio Cabral - De maneira alguma, foi uma grande vitória, fruto da nossa presença, do estado do Rio no cenário brasileiro, que passou muito tempo isolado de Brasília. Em 2006, nós já dizíamos que um dos pontos fundamentais da nossa vitória seria exatamente recuperar a presença do estado no cenário nacional, o direito do Rio de receber recursos federais. Hoje o Rio é um dos três estados líderes na recepção de recursos federais. Por outro lado, o pré-sal, essa grande riqueza brasileira descoberta recentemente, exigiu do governo federal um novo modelo de exploração e produção. Isso exigia uma nova partilha, redistribuição. A proposta de 18% de royalty é muito baixa por barril. Então nós conseguimos que a União abrisse mão de um percentual e chegamos a 25%. Ora, são 22% dos royalties para os estados não produtores, e 25% para o estado do Rio. Está muito justo, muito adequado! Há muita implicância em Brasília com o uso do dinheiro dos royalties por conta da má gestão em publicidade. Campos (dos Goytacazes, no Norte fluminense), por exemplo, é um mau exemplo.
JB - Foi isso que influenciou o presidente Lula a não centralizar, a distribuir os royalties para todo o país?
Cabral - De maneira alguma. A riqueza que você vai distribuir não é só o royalty, são fundos sociais, que é da partilha. Não tem nada a ver com royalty, que seria a outra participação especial, inclusive para o Rio, para Brasília, para São Paulo, para Minas, para o Espírito Santo. Enfim, para os 27 estados, o Fundo da Educação, o Fundo da Tecnologia. Esses fundos é que compõem a partilha. O (deputado e relator da partilha) Henrique Eduardo Alves (RN), na reunião, teve um comportamento exemplar. Eu disse: "Olha presidente, eu devo dizer aqui, os ministros (Guido) Mantega (Fazenda) e (Alexandre) Padilha (Relações Institucionais) confirmaram, o governo do estado é modelar, exemplar no uso dos royalties, da riqueza do petróleo". Esses recursos, que eram muito criticados no seu uso para tudo, hoje os usamos 95% para previdência pública.
JB - Como?
Cabral - O Rio Previdência, que é o nosso órgão responsável pela concessão de aposentadorias e pensões e pelo pagamento, no governo anterior exigia do Tesouro uns R$ 300 milhões todo mês. Hoje não tem mais nenhum tostão do Tesouro. Ele é autossuficiente com os recursos do petróleo. Mais ou menos o que a Noruega fez, guardadas as proporções - lá são 4 milhões de habitantes e é uma outra realidade. Mas nós aplicamos 95% na previdência pública, para dar solvência à previdência do estado, que estava quebrada. E os 5% restantes são para o Fundo Estadual de Conservação Ambiental. Vocês lembram disso, porque o dinheiro era usado em um monte de coisa que não era meio ambiente. Com o nosso governo passou a ser aplicado rigorosamente em meio ambiente, o que permitiu a Lagoa Rodrigo de Freitas limpa, que permitiu a Lagoa de Araruama limpa. Então, (o acordo dos royalties) foi uma solução. Pelo volume de barris que virá, um volume muito considerável, isso mais que dobra a posição atual, acho que está muito bem para o Rio de Janeiro. Foi uma boa vitória. E por que? Porque nós temos hoje um bom ambiente de convivência.
JB - Esse dinheiro virá quando?
Cabral - Daqui a nove, 10 anos.
JB - O senhor é hoje governador. O senhor, provavelmente será (ou não?), governador até lá. Como governador, hoje, o senhor...
Cabral - Não serei. Com certeza, não!
JB - Mas o senhor defende o uso desse dinheiro em quê?
Cabral - Exatamente onde estamos aplicando hoje: Previdência pública. O que te dou aqui, em primeira mão, é que nós vamos mandar para a Assembléia Legislativa uma mensagem, dobrando de 5% para 10% (os recursos) para o Fundo Estadual de Conservação Ambiental.
JB - Então o senhor vai usar 10% dos royalties do pré-sal para meio ambiente.
Cabral - Isso, para meio ambiente.
JB - Isso vai ser uma lei agora?
Cabral - Já vai ser para (a extração) do Campo de Tupi, que está no pré-sal. Isso é uma legislação nossa, que nós decidimos. Então, licitado ou não licitado (o campo de exploração), isso é problema nosso. Não tem nada a ver com as regras do jogo de quem participou da licitação.
JB - Quem está preparando a mensagem?
Cabral - A Casa Civil está preparando tecnicamente para mandar.
JB - O senhor disse há pouco que não será governador mais...
Cabral - Sou candidato à reeleição. Aí, termina em 2014. Aí tem que entrar outro, que pode ficar até 2018. Espero que seja alguém apoiado por mim para continuar esse trabalho.
JB - O prefeito Eduardo Paes seria um bom nome?
Cabral - O Eduardo Paes estará, se Deus quiser, como prefeito, cuidando das Olimpíadas de 2016.
JB - O senhor é um bom nome do PMDB para a Presidência da República?
Cabral - Não, porque eu espero ser um nome, se assim o povo desejar, para governar o Rio por mais quatro anos. Vou dar um resumo aqui. Segurança tem problema? Sim. De médio e longo prazos? Sim. Saúde: avançamos muito, tanto que na campanha para prefeito, o Eduardo usava a nossa política de saúde como exemplo para uma boa gestão. Tinha problemas graves. Ainda tem, mas se eu puder resumir onde que se podia sintetizar o nível de desorganização, de desestruturação da máquina pública, há um fato: de 1990 a 2007, 17 anos, o governo do estado não fez concurso público para fiscal de renda. Se você pegar que 1990 foi o primeiro ano do governo Collor e daí até o final do Fernando Henrique, em 2002, você teve nesses 12 anos todas as modificações estruturantes do país. Já pedimos três concursos públicos e lançamos o edital do quarto. Havia menos de 400 fiscais no estado. Só Minas tem 1.500.
JB - A arrecadação ainda é um gargalo do estado?
Cabral - Acho que pode avançar muito. Estamos avançando na arrecadação, em 2007, havia uma previsão de R$ 36 bilhões/ano. Terminamos com R$ 39 bilhões. E vamos terminar 2009 com R$ 46,5 bilhões de arrecadação de todos os impostos. Por isso eu falei com o presidente Lula, nessa reunião. Eu disse: "Presidente, o Rio de Janeiro compreende muito o Brasil. Por exemplo, do Fundo de Participação dos Estados, o Rio recebe mais ou menos R$ 53 per capita/ano. E Pernambuco recebe R$ 350 per capita/ano; o Maranhão recebe R$ 430 per capita/ano. É justo, isso é distribuição de renda, os recursos federais são distribuídos. Então nós sabemos o que é isso. Agora, o FPE (Fundo de Participação dos Estados) caiu. O presidente agora conseguiu equilibrar, dando empréstimos. Mas o nosso ICMS não caiu.
JB - Mas, repito, o senhor é um bom candidato do PMDB à Presidência da República quando o senhor sair do governo do Estado?
Cabral - O futuro a Deus pertence, deixa a vida me levar. Eu sou mais candidato à presidência do Vasco da Gama depois que o Roberto Dinamite se cansar. Isso não dá para avaliar agora.
JB - Mas o PMDB precisa de um nome forte, o senhor não é um?
Cabral - Meu candidato à Presidência da República chama-se Dilma Rousseff e o meu candidato a vice chama-se Michel Temer. Essa é a chapa que vai garantir ao Brasil a continuidade deste grande governo do presidente Lula. Essa é a chapa que vai garantir ao Brasil as relações fortes, saudáveis e importantes do movimento organizado.
JB - O PT e o PMDB não estão conversando no Rio.
Cabral - Como não? O PT faz parte do meu governo.
JB - O Lindberg Farias (prefeito de Nova Iguaçu) diz que é candidato a governador.
Cabral - Esse é um quadro do PT que merece todo o respeito, mas eu diria que deputados federais, estaduais, vereadores e prefeitos do PT estão diariamente comigo.
JB - O senhor acha que PT e PMDB vão fazer chapa aqui?
Cabral - O PMDB e o PT vão marchar juntos, não tenho a menor dúvida disso.
JB - Já há um acordo?
Cabral - Não, é o desejo dos dois partidos marcharem juntos.
JB - Mas isso é em Brasília, aqui vocês não estão conversando.
Cabral - Aqui no Rio também, o tempo inteiro.
JB - O Anthony Garotinho (PR) te assusta?
Cabral - Pelo que fez como governador?
JB - Não, por ser candidato ao governo, de novo.
Cabral - Não, não me assusta.
JB - Parece que ele está forte no interior. O senhor tem feito pesquisas para mensurar isso?
Cabral - Eu te diria que a minha relação com o interior é muito forte. As pesquisas nos dão em primeiro lugar no interior, todas elas, a não ser as fajutas, em algumas cidades, com uma diferença muito grande para o segundo colocado.
JB - Então o senhor tem feito pesquisas?
Cabral - Claro. O político que não faz pesquisas não quer nada. O governo faz pesquisas, o político faz pesquisas.
JB - O senhor pretende deixar o governo com quantas UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora)?
Cabral - Esse é um projeto que deu certo. Havia uma polícia que não atuava nessa filosofia que estamos atuando, tinha uma politização da polícia, extravagante; acordo com os milicianos; acordo com os traficantes, quer dizer, uma barbárie instalada no Rio. Você não desmonta isso da noite para o dia, você tem um número de efetivos, um número limitado, e a gente tem uma filosofia de que nas UPPs se coloca só policiais novos. Você tem que fazer concurso, o salário não é bom ainda. Melhorou, porque em três anos demos reajuste. O prefeito Eduardo Paes vai dar gratificação para quem está na UPP, mas a gratificação é para quem está na rua, para todos. Mas você ainda não consegue atrair para a polícia um número que nós desejaríamos.
JB - Toda vez há um enfrentamento, como no caso do helicóptero, surgem as pessoas defendendo a tese de que a liberação das drogas reduziria esse embate que se tem no Rio. Qual é a sua opinião sobre isso?
Cabral - A lógica da legislação sobre droga tem que ser discutida nos foros internacionais. Eu diria que basicamente a Organização das Nações Unidas e a Organização Mundial da Saúde, a OMS. Deve começar pela OMS, (debate) dos seus prós e contras. Acho que nessa lógica da proibição pela proibição, o resultado é uma quantidade de mortes muito maior do que se nós tivéssemos uma legislação mais inteligente, mais voltada para a vida como ela é.
Essa legislação não está no arcabouço do estado de direito democrático, ela está no arcabouço comportamental, de valores, arraigados na sociedade internacional, a começar pelos Estados Unidos da América, que é a vanguarda do atraso nessa concepção atual no mundo. Hoje você já tem em muitos países europeus uma outra visão, e em alguns estados americanos - porque os Estados Unidos têm um modelo que eu sou favorável no Brasil, de autonomia federativa, onde os estados legislam sobre as suas vidas.
Essa é a grande reforma do Brasil. Esse pacto federativo. Tudo isso pode vir no bojo de uma reforma da federação. A realidade econômico-social-criminal do Texas não é igual à de Ohio. No Brasil, o Rio tem a mesma legislação do Acre, quando o Acre tem problemas ambientais que o Rio de Janeiro não tem e que, portanto, teria que ter uma legislação específica. Você vai ver a Constituição, está tudo concentrado em Brasília, no Congresso Nacional. Essa é a grande desgraça do Brasil. Esse é um tema que o Brasil profundamente deve discutir, que não está na agenda da imprensa, não está na agenda de lugar nenhum.
JB - O senhor foi senador. Debateu isso lá no Congresso?
Cabral - Não só debati como fiz propostas, há projetos meus tramitando lá.
JB - Tirando o debate político, o cidadão Sérgio Cabral é a favor da liberalização das drogas?
Cabral - Sou favorável à liberação das drogas, desde que seja um pacto internacional. Senão pode o Brasil virar a Walt Disney das drogas.
JB - Isso é um debate para a OMS?
Cabral - É um debate para a OMS, tem que ser visto com toda uma estrutura legal em termos de saúde pública, de prevenção. Hoje, o que acontece? O usuário tem crises e não há uma política pública. É como o aborto, que hoje ocorre. Segundo dados do SUS, 200 mil mulheres, por ano, depois de fazer o aborto ilegal, vão ao Sistema Único de Saúde, um hospital público, para reparar danos causados por essas cirurgias. O cálculo do ministro da Saúde é que isso signifique 20% do total. O total é de 1 milhão de abortos por ano. Ora, seu sou a favor do aborto? Claro que não. Quem é a favor do aborto? Ninguém! Sou a favor do direito da mulher ter uma estrutura pública. Tenho cinco filhos, amo meus filhos, Deus me livre, não torço para que nenhuma mulher faça aborto. Agora, por favor, a realidade, a vida como ela é, é que 1 milhão de mulheres, todo ano, fazem aborto. Ora, a mulher da classe média alta vai numa clínica clandestina, onde as autoridades daquela localização sabem que ela existe e sabe Deus como é que mantém aquilo. Agora, as meninas e as mulheres da pobreza, que é a grande maioria do povo brasileiro, vão onde, fazem onde?
JB - O senhor disse que não há política pública em algumas situações de tratamento de drogas, mas aqui no Rio o crack está entrando pesado e há fatos graves.
Cabral - Em São Paulo já entrou, infelizmente, há dois anos...
JB - E está vindo para o Rio... O Rio tem condições de bancar o tratamento para essas pessoas? O pai do rapaz viciado que recentemente matou uma amiga acusou o estado de não dar suporte para internação.
Cabral - Não é verdade. Há várias clínicas com as quais o governo do estado faz convênios. A gente busca conveniar clínicas e instituições que já fazem tratamento. Vou dar um exemplo de um trabalho lindo que a gente faz com um pastor da Assembleia de Deus, o Isaias Maciel. A gente está fazendo um trabalho com ele e várias clínicas, e a prefeitura do Rio também começou a fazer. Um trabalho de repressão.
JB - E os problemas estruturantes? Como o senhor pode prever o trânsito no Rio em 2014 para o turista? Hoje se leva até uma hora do Aeroporto do Galeão para o centro da cidade.
Cabral - Você pegou num ponto que só me dá vontade de falar mal, que é o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, que é uma desgraça. Mas por outro lado tenho que defender a minha cidade. O trânsito é problemático no Rio? É. Mas se você tivesse pegado um avião e ao invés de pousar no aeroporto local de Paris, o Orly, tivesse pousado no Charles de Gaule (Internacional de Paris), você não ia demorar uma hora e 15, não, ia demorar mais de duas horas, talvez três horas. E lá a infraestrutura de transporte é muito melhor. Então esse é um fato das metrópoles e no Rio a estrutura de transporte de massa ainda é muito fraca. Por isso estamos investindo nela. E agora, em meados de dezembro, nós estaremos inaugurando ali ao lado o metrô. É a primeira vez que um governo de estado começa e termina uma obra no mesmo mandato, desafogando o povo que vem da Baixada, da linha 2, que é obrigado a fazer o transbordo na estação Estácio, e vai direto para a Central do Brasil.
JB - E o trem-bala é para quando?
Cabral - O trem-bala é projeto do governo federal, ao meu ver um projeto muito importante.
JB - Mas depende muito do governo do Rio, também. Fazer as desapropriações...
Cabral - Isso é outra fase. Eu tenho que estar com o projeto pronto, de tal licitação, e depois vamos tocar.
JB - Qual vai ser a sua marca de seu governo?
Cabral - Gestão, qualidade. Em 2006, no segundo turno, na campanha, eu disse: no primeiro ano a prioridade é arrumar a casa, porque o estado estava muito desarrumado.