Um dos principais porta-vozes da luta contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), disse que o primeiro ano do governo de Michel Temer, completado nesta sexta-feira (12), conseguiu surpreendê-lo negativamente por conta da imposição de uma agenda reformista sem debate com a sociedade.
"Imaginava que ele fosse procurar fazer um governo mais parecido com o que foi de Itamar Franco, com mais diálogo, mais pactuado, levando em conta ser de transição", afirma.
Em entrevista no Palácio dos Leões --sede do governo maranhense-- no último sábado (6), Dino também defendeu que o ex-presidente Lula lance imediatamente a pré-candidatura à Presidência em 2018 e traga à sociedade o debate sobre um programa de governo.
Citando-o como "um dos raros estadistas que o Brasil tem", Dino diz que só o ex-presidente pode trazer de volta ao país o debate sobre bem-estar social. "Mesmo que você não goste dele, ele é um ponto de referência de um debate mais saudável, mais racional", pontua.
Ex-juiz federal, Dino fez elogios e críticas à operação Lava Jato e disse que a atuação política de procuradores e juízes --acelerando processos e convocando a população por redes sociais, por exemplo-- é algo nunca visto no mundo e põe em risco os resultados da operação. "Acho que tem algumas situações que geram questionamentos em razão dessa apropriação de uma causa justa para fins políticos. Hoje isso é muito evidente, e acho muito ruim", explica.
Para o comunista, a união da esquerda vista na greve geral do último dia 28 é "mais do que necessária", será fundamental para barrar, por exemplo, a reforma da Previdência. "A esquerda tem essa obrigação de impulsionar um salto civilizacional de que o Brasil precisa, recuperando itens de uma agenda que se perdeu.".
Confira, a seguir, a íntegra da entrevista:
O senhor foi uma das principais vozes contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Como o senhor avalia esse primeiro ano de Michel Temer?
Flávio Dino - Achava que ele fosse dialogar mais com todas as forças sociais. Eu conheço bastante o Michel Temer; tenho muito respeito pessoal, pela trajetória profissional; estudei nos livros dele na faculdade de direito; convivi com ele na Câmara. Então, esperava um governo com agenda mais aberta, de mais de pactuação, e não de polarização do país.
Surpreende-me insistir na tese absolutamente errada, numa hora errada, da reforma da Previdência. Não há dados que sustentem esse discurso do deficit se você não expurgar os efeitos da crise econômica. É uma distorção estatística você pegar o pior momento da economia, fazer um cálculo em cima dele e projetar 20 anos para frente. Isso não tem cientificidade.
Além disso, ela preserva setores sociais e econômicos fazendo com que os pobres paguem a conta. Isso é muito dilacerante. Imaginei que, diante do trauma do impeachment, a solução fosse outra. Imagina alguém que sofre uma fratura exposta e continuar aprofundando essa fratura? É o que tem sido feito com o país, e isso é muito perigoso. O Brasil caminha perigosamente à margem do precipício.
Imaginava que o Temer fosse procurar fazer um governo mais parecido com o que foi de Itamar Franco, com mais diálogo, mais pactuado, levando em conta ser de transição até 2018; e não fazer esse tipo de reformas que não foram votadas. Essa agenda foi derrotada em 2014. Se em 2018 alguém quiser, apresente ao povo, vença e aí implante. Agora fazer sem apoio popular é surpreendente.
No último dia 28, houve uma greve geral com adesão de movimentos de esquerda que pareciam dispersos. O senhor acha que a esquerda voltou a se unir por conta dessas reformas?
Isso é mais que importante, é necessário! É mais que necessário, é urgente. Estamos em uma conjuntura muito difícil, derivada da profundidade da crise econômica e da resistência dela ser maior que se previa, quebrando recorde triste com 14 milhões de desempregados formais. A dificuldade na retomada de crescimento da economia, sobretudo o rumo errado na economia, sobretudo com essas reformas regressivas que constituem retrocessos a direitos e que vão impulsionar um novo ciclo de crescimento que não real. E a política alimenta a crise porque ela própria é uma crise muito aguda, não só operacional, mas mesmo de paradigma e bastante profunda.
Não é um momento fácil de resolver. E isso tem levado a sociedade a viver um momento de muita polarização, de muita animosidade, de muito ódio. Vemos isso nas redes e nas ruas. Não é algo corriqueiro e não pode ser naturalizado. A esquerda tem essa obrigação de impulsionar um salto civilizacional de que o Brasil precisa, recuperando itens de uma agenda que se perdeu, sobretudo na de bem-estar social. Hoje, a agenda quase onipresente é a do combate a corrupção. Uma agenda justa, necessária, não há dúvida, mas que tem servido de cavalo de Troia para pôr dentro dela outras agendas nocivas ao país.
Essa agenda [de reformas] foi derrotada em 2014. Se em 2018 alguém quiser, apresente ao povo, vença e aí implante. Agora fazer sem apoio popular é surpreendente.
Recentemente muitos políticos têm defendido que Lula lance candidatura à Presidência representando parte da esquerda. O que o senhor acha disso?
Acho muito importante que ele apresente a pré-candidatura. Ele tem uma força popular que ninguém tem, e isso ajuda a descortinar essas outras agendas. Ele pode funcionar como locomotiva dessa agenda perdida --e que é a verdadeira. A meu ver ele deve apresentar isso logo, se dirigir ao país discutindo o programa de governo --que a lei permite. É preciso que o conjunto de forças políticas que desejam que o Brasil saia desse momento nele enxergue nele um dos poucos, um dos raros estadistas que o Brasil tem. Mesmo que você não goste dele, ele é um ponto de referência de um debate mais saudável, mais racional.
Como ex-juiz, o senhor acha que pode haver julgamento em segunda instância até o lançamento da candidatura [em julho de 2018; isso tornaria Lula ficha-suja, impedindo que ele concorresse à Presidência]?
Em condições normais, não acredito que haja tempo para torná-lo inelegível. Os processos ainda estão em fase de instrução. Depois ainda terá de ter uma sentença, eventuais embargos de declaração, recursos de apelação no tribunal --e antes tem de ir ao Ministério Público. Enfim, não haveria tempo em situações normais. De todo modo, na lei da Ficha Limpa ainda está previsto que, mesmo havendo condenação em segundo grau, o STJ [Superior Tribunal de Justiça] ou o STF [Supremo Tribunal Federal] pode reconhecer a plausibilidade de pretensão recursal para afastar a inelegibilidade. De modo, não aposto nessa ideia dele inelegível. Seria muito negativo que houvesse a implosão de nome tão importante, como digo de outros também. Digo isso com relação ao [Geraldo] Alckmin. É importante que ele seja candidato, ele é uma força de uma expressão política importante para o país. Não se pode nesse processo de judicialização esvaziar o tribunal supremo da democracia.
Mas o senhor acha que tem gente torcendo e até lutando para evitar essa candidatura?
Parece que há muita ansiedade em torno disso, o que é muito deletério --sobretudo à imagem dos ansiosos-- quando, por exemplo, atores do sistema de Justiça falam em "timing" de prisão e dizem que "não é o momento". Isso são coisas estranhas à própria existência do processo penal, que tem a proteção pela presunção de inocência. Quando começa a se demonstrar que está ansioso no processo, a dizer que não pode ter tanta testemunha, é bastante esquisito. Isso acaba pondo em risco uma característica fundamental do Poder Judiciário, que é o seu caráter técnico, seu caráter apartidário. Isso não é um detalhe, é essencial, porque juiz e procurador não são eleitos; logo, sua legitimidade deriva de uma presunção: de que são terceiros suprapartes de conflitos sociais, são árbitros legítimos porque não são parte. Então é bom ter prudência, cautela. Nunca é tarde para uma reflexão como essa. Nunca vi isso no Brasil e acho muito ruim que esteja acontecendo.
O senhor então vê essa ansiedade e esses erros na Lava Jato?
Oitenta por cento das decisões da Lava Jato tecnicamente são corretas, eu teria dado idênticas decisões. O problema é aquele dito da sabedoria popular: o demônio mora nos detalhes. Acho que têm algumas situações que geram questionamentos em razão dessa apropriação de uma causa justa para fins políticos. Hoje isso é muito evidente, e acho muito ruim para os próprios resultados da Lava Jato. Essa operação serviu de cavalo de Troia para coisas muito ruins, como o impeachment, que foi uma experiência terrível do ponto de vista político e jurídico. Não é pouca coisa violar uma vontade popular sem nenhuma causa constitucional legítima. A Lava Jato jogou essa ideia que, além do trabalho processual técnico, há um trabalho politico; e isso não é papel do Judiciário.
Então há caráter político?
Objetivamente há uma conduta política na linha que, por exemplo, juiz e procurador mobilizam sociedade. É papel de juiz e procurador liderar mobilização social? Nunca vi isso na minha vida. No Brasil se naturalizou isso. Juízes e procuradores fazem vídeo, lideram manifestações, convocam o povo a se posicionar por uma causa ou outra. Isso é espantoso, nunca ocorreu em lugar no mundo e está acontecendo agora.
Isso pode ser ruim para a Lava Jato?
Como disso, ela tem mais acertos do que erros. O mérito da Lava Jato de ter descoberto coisas escandalosas é indiscutível. É preciso nessa hora ter temperança, prudência. Acho que é isso que o STF está se defrontando um pouco e vem reformatando --e vai continuar, ao meu ver-- institutos novos no país, como a colaboração premiada. Ela é uma excepcionalidade, não pode ser um vale-tudo. Você não pode admitir que ele seja um instrumento corriqueiro porque senão você pode repetir práticas da inquisição. Vamos retroceder 400 anos na história penal. Se você generaliza esse instrumento de prender para gerar uma delação, você está legitimando práticas que são incompatíveis com a busca da verdade. É claro que, se a pessoa é condenada a 50 anos de cadeia e você chega e oferece a ela passar um ano presa em uma residência para lá de luxuosa, ela conta qualquer história.
Acho que o STF, no seu tempo, vai se encarregar de fazer essa moderação. Ser a favor da Lava Jato não significa canonizar uma operação. Nenhuma instituição tem que ser santificada, tem que haver vigilância democrática. Durante algum tempo havia o pensamento de corte fascista que qualquer crítica à Lava Jato era uma posição que lesava os interesses da pátria. Isso aconteceu em um certo momento, mas isso hoje tem sido mitigado, e o próprio Supremo tem mostrado que não vai aceitar qualquer coisa. Isso é bom.
Como o senhor vê a ascensão de nomes não políticos postulantes a cargos eletivos?
É um risco real em razão dessa brutal deslegitimação, não só Brasil. É um típico desses tempos difíceis que vivemos. Tivemos o Trump eleito nos EUA; a Le Pen fez 40% dos votos na França. É um momento típico de crises profundas. Foi numa situação muito parecida que se gerou o nazifascismo nos anos 1930. Havia crise econômica profunda, grande descrença nas instituições e na política, levando a figuras supostamente salvadoras. Não é algo novo no mundo e está ocorrendo no Brasil. É preciso olhar com muito cuidado essas teses antipolíticas, elas nunca acabam bem. Vamos lembrar os militares. Eles verbalizavam esse discurso, e todos nós percebemos que não acabou bem.
O senhor está na lista do ministro Edson Fachin após ser delatado por um executivo da Odebrecht por supostamente ter recebido dinheiro em troca de um parecer. Como o senhor recebeu a denúncia?
Na verdade, já está explicado. É uma coisa muito frágil, inconsistente; no meio dessa narrativa, é um pequena vírgula, não tem qualquer expressão, não tem sustentação jurídica. É um fato que não aconteceu, e já provei documentalmente. Sou acusado por um delator que diz que vendi um parecer em um projeto de lei que ainda esta na Câmara e que nunca dei parecer, nunca levei a voto. O fato narrado não existiu. Se não existiu, como vai ter processo? Por isso não mudou nada nossa atuação, nunca perdi um minuto de tranquilidade por isso, É claro que a gente se chateia, fica indignado, porque não é bom você constar numa lista. Mas, na medida em que acontece, no meu caso adotei desde o primeiro minuto a transparência e tenho prestado todos os esclarecimentos. Logo, logo estará arquivado.
O senhor conhece o delator?
Sim, claro. Um parlamentar relevante --como graças a Deus eu fui-- dialoga com representantes de todas as empresas, sindicatos. Todos os setores sociais relevantes têm representantes no Congresso: Odebrecht, CNI, CNA, Forças Armadas, MP, magistratura, Globo, Fiesp. E graças a Deus eu era relevante, especialmente na Comissão de Constituição e Justiça, onde atuava. Recebia semanalmente as demandas mais variadas, demandas de setores econômicos e sociais, como faço hoje como governador: atendo empresas que querem mudanças na lei, benefícios fiscais. Não há nada de errado nisso. Errado é submeter isso a contrapartidas.
O senhor recebeu ao menos essa proposta do delator para beneficiar?
Neste caso não, jamais.
E em outro caso lhe ofereceram?
Objetivamente, de modo aberto, jamais. No governo nunca [recebi]; na Câmara, talvez uma outra insinuação. As pessoas me conhecem. Eu tenho 28 anos de função pública nos três Poderes, nunca respondi a um processo, nunca tive nada. No Congresso se conhece todo mundo.
O senhor sabia desse esquema revelado na Lava Jato?
Claro que sim! Tu conhecia, todas as pessoas que estão nos lendo conheciam. Nas MPs [medidas provisórias] todo mundo via! As medidas chegavam dando isenção de R$ 1 bilhão, e as emendas aumentavam para R$ 20 bilhões da noite para R$ 20 bilhões da noite para o dia. Não era normal, e eu me insurgia, poderia dar dez exemplos. Eu via, combatia, mas acabava prevalecendo pelas conjunturas das forças políticas que existem.
Nem a quantidade de valores e nomes espantaram o senhor?
Teve uma surpresa pela quantidade. Eu não tinha noção porque eu nunca fui próximo a esse tipo de coisa. Mas que havia um "toma lá, dá cá", todos sabiam. A Lava Jato tem esse mérito de jogar luz sobre isso, e a minha esperança é que isso se corrija.
O senhor sempre diz que pegou um Estado com problemas graves. Como o senhor avalia o governo nesses quase dois anos e meio?
Nós pegamos um momento bem conturbado, com efeitos práticos, sobretudo fiscais. Destaco esse ponto, mas conseguimos manter as contas do Estado equilibradas, praticamos a responsabilidade fiscal sem algo farisaico --como se fosse um fim em si mesmo. Adotamos medidas de corte de gastos, com incremento de receitas. Além disso conseguimos manter um nível de investimento alto, de 6,6% da nossa receita corrente líquida --que é extraordinário nessa conjuntura.
Roseana Sarney tem dado recados por aliados de que pretende disputar o governo maranhense em 2018. Como o senhor avalia essa possibilidade?
Acho que, se ela tem vontade, deve disputar, é bom para o Estado.
O senhor gostaria de enfrentá-la?
Eu acho que qualquer resposta que der é inócua. Não sou eu que vou definir. Que é o 'sarneyzismo' nosso maior adversário, não há dúvida. Eles mantêm uma agenda política importante no país e no Estado; têm meios de comunicação, parlamentares. São a principal força política da oposição. E eles têm síndrome de abstinência, têm muita falta das coisas que o poder possibilitava a eles. E manifestam isso diariamente, que têm muitas saudades dos privilégios e vão tentar restabelecer o governo de privilégios, porque era bom para eles.