A Sociedade 5.0, sociedade super inteligente, traz novos desafios aos profissionais do Direito. Nesta entrevista ao Jornal Meio Norte, a professora Dra. Olívia Brandão, Diretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Piauí, fala sobre os impactos dessa sociedade impulsionada por tecnologias digitais na formação e atuação dos profissionais do Direito no mercado de trabalho.
Olívia Brandão Melo Campelo é Doutora em Filosofia do Direito, Mestre em Filosofia do Direito e do Estado e Especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Ex-vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PI, é sub-coordenadora do Núcleo de Pesquisa da Justiça (NUPEJ), membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos e da Rede de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos do Piauí - Rede DH.
Jornal Meio Norte - A era da Sociedade 5.0, também chamada de “sociedade super inteligente”, é impulsionada por tecnologias digitais, como a análise de Big Data, Inteligência Artificial (IA), Internet das Coisas e robótica. Como a advocacia se encaixa nesse novo perfil?
Olívia Brandão - Essa nova era surge invertendo os valores e quebrando paradigmas, em busca de equilibrar o avanço econômico e a resolução de problemas sociais com alternativas totalmente sustentáveis. A ideia é conseguir beneficiar a população transformando costumes para que as pessoas consigam se adaptar à “sociedade super inteligente” e realizar qualquer tarefa com o auxílio de tecnologias de conectividade e rastreabilidade. Por vezes, surgem apontamentos sobre as transformações no mercado jurídico que afirmam que o profissional da área poderá ser substituído por ferramentas de automação, Inteligência Artificial, plataformas de resolução de conflitos online (ODRs), dentre outras tecnologias disponíveis no mercado. Uma realidade temida por muitos profissionais do Direito.
O impacto da tecnologia já é aplicado nos processos internos, especialmente na gestão de escritórios de advocacia, em bancos de dados, na gestão de processos judiciais e nas leituras de decisões judiciais. Essa última por meio de algoritmos que categorizam e exportam dados dos processos, construindo o perfil decisório do juiz específico.
JMN - O papel do advogado do futuro deverá ser estratégico, então?
O.B. - Os sistemas de inteligência artificial de fato se sobressaem frente à identificação de padrões, linguagem natural, eliminação de preconceitos e capacidade de armazenar grandes volumes de dados. Porém, atuarão como super assessores, complementando as habilidades dos advogados, mas jamais substituindo-os. Desta forma, os profissionais que já estão transformando a sua advocacia e utilizando as novas possibilidades estão um passo mais próximos dessa nova realidade.
Já aqueles advogados executores de atividades repetitivas e que pouco usam o seu potencial cognitivo, de fato, deverão desenvolver outras competências, como relacionamento interpessoal com cliente. Como advogados 5.0, precisamos ter uma conduta de protagonistas de um meio ambiente sustentável e em conformidade com as legislações. Devemos fazer isso, principalmente, por meio das relações interpessoais, para que não percamos o senso de conexão social e de interação. Desta forma, é essencial praticar a ética aliada à tecnologia, desenvolver a criatividade, prezar pela inclusão social e o ter um olhar sistêmico para encontrar soluções mais rápidas aos problemas de clientes.
JMN - Quais os novos desafios sociais oriundos dessa Advocacia 5.0?
O.B. - Acredito que a polarização social, o despovoamento e as instalações relacionadas à energia e ao meio ambiente, por exemplo. A estratégia para o advogado do futuro deve ser se aprofundar ainda mais em temáticas como desenvolvimento sustentável, estratégias de direitos humanos, reforma regulatória, dados abertos, segurança cibernética e governança mundial de dados.
JMN - E como se preparar para a Advocacia 5.0?
O.B. - A mentalidade jurídica tradicional, hierárquica, centralizadora e conservadora vem se transformando. Isso acontece desde a sociedade pré-digital e segue, aos poucos, se adaptando à Advocacia 5.0 em formação.
Desta forma, frente ao mercado tão concorrido, nós, advogados do futuro, não podemos nos perpetuar na vida profissional baseados em antigos paradigmas. Isso, na verdade, nos distancia da Advocacia 5.0, e precisamos enxergar o Direito como meio e não um fim. Advogados autônomos, escritórios e departamentos jurídicos que não implementarem a tecnologia aliada às pessoas em sua gestão, certamente não obterão grandes êxitos. Isso porque estarão em desvantagem em relação ao mercado competitivo, frente à jurimetria avançada. Apesar de serem minoria, já existem, hoje, modelos de escritórios que prestam serviços apenas através da internet. É uma modalidade muito comum entre os jovens advogados, que já iniciaram sua advocacia no mundo do processo digital. Nessa realidade, muitos deles não possuem espaços físicos, captam clientes e os atendem por videoconferência, fazem contratos e distribuem ações sem nunca terem se encontrado pessoalmente.
JMN - A senhora está à frente da Faculdade de Direito da UFPI, que completou 90 anos em 2021. Como a senhora acredita que a Instituição está trabalhando a formação desse novo profissional?
O.B. - Nestes 90 anos de história, a Faculdade de Direito do Piauí tem contribuído substancialmente para a cultura jurídica do Estado. Tornou-se símbolo de excelência, tradição e inovação. Destaca-se por seu Corpo Docente qualificado, integralmente comprometido com a ciência jurídica e com o valores da Justiça Social. Os egressos de nossa Faculdade destacam-se em todas as searas do Direito. Estamos em construção permanente, acompanhando as transformações sociais e a Revolução Digital. No momento, a Faculdade de Direito do Piauí implementa o ensino jurídico 4.0, estruturado nas inovações tecnológicas e na inteligência artificial. O objetivo é formar o profissional do futuro, com base na aplicação dos métodos colaborativos numa geração multi talentosa como a nossa. Na proposta de ensino, o compromisso é fazer bom uso de plataformas digitais, salas virtuais para aulas, desenvolvimentos de pesquisas e eventos culturais de alcance nacional e internacional.