RENATA GALF E CÉZAR FEITOZA
SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) -
No documento, os militares fazem críticas a pontos que avaliam como insuficientes para o que consideram que seria uma fiscalização completa do processo. Na prática, portanto, eles nem colocam o sistema em xeque tampouco atestam a integridade.
Ao longo do ano, diferentes episódios envolvendo os militares e a corte eleitoral deram munição ao discurso golpista e mentiroso do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Usadas no país desde 1996 sem nenhum registro de fraude até hoje, urnas eletrônicas e sistemas eleitorais brasileiros têm passado por constantes melhorias, pleito após pleito. Parte delas impulsionadas pela contribuição e críticas da comunidade técnica.
Entenda pontos do processo eleitoral tratados pelo relatório e medidas sugeridas pela pasta, e veja aqui a íntegra do documento da Defesa:
RELATÓRIO
No início do documento, a Defesa destaca que não está no escopo do trabalho "avaliar o grau de segurança" dos sistemas eleitorais ou das urnas eletrônicas. Ao todo são 63 páginas, sendo 24 de análise das etapas de fiscalização e o restante de anexos.
O relatório diz ainda que devido à complexidade do sistema, da falta de esclarecimentos técnicos, de acesso a programas e bibliotecas, "não foi possível fiscalizar o sistema completamente, o que demanda a adoção de melhorias no sentido de propiciar a sua inspeção e a análise completas".
Na prática, ao mesmo tempo em que aponta não ter identificado nenhum indício de fraude, a pasta evita afrontar Bolsonaro, ao indicar que não teria como assegurar a total confiabilidade do processo.
ANÁLISE DO CÓDIGO-FONTE
De outubro de 2021 até setembro de 2022, o código-fonte da urna eletrônica ficou disponível em uma sala do TSE para análise das entidades interessadas. Esse código é o programa que dá as instruções e comandos para ela funcionar e registrar os votos.
Apenas em agosto deste ano os militares solicitaram acesso ao TSE. Uma das críticas dos militares se refere às condições dadas para fiscalização. Eles sugerem por exemplo que seja autorizado o uso de outras ferramentas para análise dos códigos.
Também apontam dados a que quiseram ter acesso, como o sistema de controle de versões do código-fonte, o que inviabilizou, segundo eles, a comparação da versão do código que foi compilada para ir para as urnas com a versão fiscalizada.
Segundo informações da Secretaria de Comunicação do TSE, o código-fonte mantido no repositório de controle de versões foi integralmente disponibilizado para análise.
Além da auditoria de entidades fiscalizadoras, o código-fonte da urna também foi analisado por hackers no Teste Público de Segurança (TPS) e, nesta eleição, foi enviado para a inspeção de universidades parceiras.
COMPILAÇÃO DO CÓDIGO
Para funcionar, algumas linguagens de programação precisam passar por um processo chamado de compilação. Nele, as instruções são traduzidas para uma linguagem que computadores entendem, gerando um programa que é escrito apenas em zeros (0) e uns (1) –o código binário.
No caso do código da urna, esse processo é feito em uma cerimônia pública, em que o código é assinado digitalmente pelo TSE e pelas entidades fiscalizadoras. Depois disso ele é gravado, lacrado e armazenado numa sala-cofre.
O ponto levantado pelos militares no relatório se relaciona com o modo como o código que vai ser compilado é baixado para o computador que faz a compilação.
Os militares afirmam que "os computadores utilizados no processo de compilação acessaram infraestrutura de rede" para obtenção dos códigos-fontes ou bibliotecas de softwares e alegam que tal acesso pode configurar "relevante risco à segurança do processo".
Segundo informações da Secretaria de Comunicação do TSE, os repositórios usados para o desenvolvimento dos sistemas não estão expostos na internet e, no casos em que foi necessário acesso remoto, ele foi realizado por meio de acesso individualizado, com uso de VPN e múltiplo fator de autenticação.
Já os computadores em que ocorre a compilação dos códigos-fonte dos sistemas eleitorais não ficam perenemente conectados à internet, mas têm eventuais e controladas aberturas de acesso para atualização de drivers dos tokens utilizados pelas entidades fiscalizadoras para a realização de assinatura digital dos códigos.
CERIMÔNIA DE PREPARAÇÃO DAS URNAS
A geração das mídias que serão inseridas em cada uma das urnas, com base nos programas enviados pelo TSE, é feita pelos diferentes Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) em cerimônias públicas divulgadas em edital.
Já na cerimônia de carga das urnas, ocorre a instalação dos programas e a inserção de dados como lista de eleitores e de candidatos. Depois disso, elas são lacradas fisicamente com dispositivos produzidos pela Casa da Moeda.
Os militares acompanharam cerimônias em diferentes estados e afirmaram que a "geração das mídias de carga feita conforme previsto" e que "não foram identificadas inconformidades nos trabalhos executados pelos TRE nas localidades visitadas" em ambos os turnos.
TESTE DE INTEGRIDADE
O chamado teste de integridade tem por objetivo verificar se as urnas registram os votos corretamente. No dia da eleição, votos feitos em papel por fiscais são digitados por servidores na urna eletrônica e lidos em voz alta. Tudo é filmado e, ao final, é emitido o boletim da urna, e os resultados são comparados com os votos em papel. Os votos do teste não são contabilizados na eleição.
No relatório, os militares apontam que o teste de integridade tradicional "foi realizado em conformidade com o previsto". "O Teste de Integridade (sem biometria) não encontrou, em todos os TRE, inconsistências nas urnas escolhidas e sorteadas."
PROJETO PILOTO COM BIOMETRIA
Em resposta a uma demanda das Forças Armadas, neste ano, parte das urnas passaram por um projeto-piloto do teste de integridade com biometria.
Eles ocorreram nos locais de votação e dependiam da participação de eleitores voluntários possam liberar as urnas com sua biometria, com o objetivo de tornar o teste mais próximo das condições em que a votação ocorre. Depois disso, o restante do teste é idêntico ao de integridade tradicional.
A crítica dos militares neste ponto foi quanto à baixa participação de eleitores no teste, que segundo o relatório foi de 13% em média em ambos os turnos, considerando as 58 seções eleitorais em que foi realizado. Apontaram ainda como problemas a quantidade de urnas que participaram do teste e a escolha não aleatória.
A partir disso, eles apontam que o teste foi "inconclusivo para a detecção de eventuais anomalias no funcionamento das urnas".
BOLETINS DE URNAS
Os boletins de urnas são comprovantes impressos emitidos ao final da votação com um resumo do que foi registrado ali, como a soma dos votos nos diferentes candidatos, brancos e nulos. Ele permite que as pessoas (e partidos) confiram o resultado imediatamente após a eleição.
A equipe dos militares conferiu 442 boletins de urna de seções eleitorais pelo país e afirmou não ter identificado divergência nos dados registrados com os votos totalizados pelo TSE.
"Em ambos os turnos, não se verificou divergências entre os quantitativos registrados no BU afixado na seção eleitoral e os quantitativos de votos constantes no respectivo BU disponibizado no site do TSE", consta no documento.
PROPOSTA DE COMISSÃO
Em ofício, os militares sugerem à corte eleitoral a "criação de uma comissão específica, integrada por técnicos renomados da sociedade e por técnicos representantes das entidades fiscalizadoras".
O objetivo desta comissão seria "realizar uma investigação técnica para melhor conhecimento do ocorrido na compilação do código-fonte e de seus possíveis efeitos" e "promover a análise minuciosa dos códigos binários que efetivamente foram executados nas urnas eletrônicas".
"Em face da importância do processo eleitoral para a harmonia política e social do Brasil, solicito, ainda, a essa corte superior considerar a urgência na apreciação da presente proposição", concluem.