A acriana Maria Osmarina da Silva, de 60 anos, nasceu em uma família pobre. Cresceu em uma palafita – casa construída acima d'água em terreno alagado – no seringal do Bagaço, a 70 km de Rio Branco. Ainda criança, foi seringueira. Aprendeu a ler e a escrever somente aos 16 anos graças ao programa de alfabetização de jovens e adultos da ditadura militar, o Mobral. Na capital do Acre, trabalhou como empregada doméstica.
As condições sociais da família destruíram seu sonho de virar freira. Quatro décadas depois, Marina sonha em chegar ao Palácio do Planalto, após acumular 42 milhões de votos nas duas últimas eleições presidenciais.
Sem estrutura partidária, alianças e recursos financeiros escassos, além de tempo reduzido na propaganda eleitoral, Marina terá novas provas de fogo para se consolidar nas primeiras colocações. Nas pesquisas em que não aparece o nome do ex-presidente Lula, ela desponta na segunda posição, atrás apenas de Jair Bolsonaro (PSL). Confirmada nesse sábado (4) como candidata pelo partido que idealizou e ajudou a construir, a Rede Sustentabilidade, Marina será acompanhada por um velho conhecido, o médico e ex-deputado Eduardo Jorge (PV), seu ex-companheiro no PT e no próprio PV.
Embora tenha uma longa história no Partido dos Trabalhadores, a ex-ministra do Meio Ambiente tem se afastado da esquerda, principalmente depois que apoiou Aécio Neves (PSDB), no segundo turno, em 2014, e o impeachment de Dilma, em 2016, e teceu recorrentes críticas a seus antigos colegas de partido. Segundo ela, as tradicionais definições ideológicas estão superadas. Essas manifestações, porém, aumentaram a rejeição a ela entre petistas e aliados históricos e, no último ano, também resultaram na debandada de importantes lideranças da legenda, o que fragiliza sua candidatura.
“Sou um milagre da vida, dos médicos e principalmente de Deus”, disse a ex-senadora em seu primeiro discurso como presidenciável neste sábado, ao fazer referência à superação da pobreza e dos problemas de saúde que enfrentou. Em seu pronunciamento, Marina tentou desconstruir a imagem que se disseminou sobre ela. Primeiro, alegre, dançou uma cantiga de roda ao som de “Mulher redeira”, feita para ela por um grupo feminino da Rede.
Franziu a testa, cerrou os punhos e bateu contra uma pequena bancada ao criticar as práticas políticas recentes do país. “Não dá mais, não dá mais, não dá mais”, puxou o coro, acentuando cada palavra. Falou bem de suas condições físicas, tentando rebater comentários sobre sua eventual fragilidade física. Negou misturar política e religião, em recado àqueles que questionam suas pregações religiosas: “Nos meus 16 anos de senadora não existe uma prática minha, nem como cristã católica que sempre, nem como cristã evangélica, que hoje sou, que atente contra o Estado laico e os direitos das pessoas”.
Malária, hepatite e leishmaniose
Marina é evangélica, mas foi com a Igreja Católica que sua vida começou a mudar. Participando das comunidades eclesiais de base, ainda adolescente, passou a militar ao lado do líder seringueiro Chico Mendes e outros ambientalistas pela preservação da Amazônia e por melhores condições de vida para os seringueiros. Formada em 1986 em História, foi eleita vereadora em 1988, mesmo ano em que Chico foi assassinado por fazendeiros da região. Assim como ele, ela virou figura conhecida internacionalmente.
Começava ali uma trajetória política meteórica e vencedora. Quando era deputada estadual, Marina contraiu cinco malárias, três hepatites e uma leishmaniose. Em 1994, tornou-se a mais jovem senadora da história do país, aos 36 anos – a primeira mulher eleita pelo PT, que contava, até então, apenas com Eduardo Suplicy (SP) no Senado.
Conversão
Em 1997, já no Senado, após um problema neurológico causado por uma contaminação por mercúrio, encontrou refúgio na Igreja Assembleia de Deus, à qual atribui até hoje sua recuperação. Converteu-se e passou a ter como guia espiritual o pastor Sóstenes Apolo, falecido em 2013. Em Brasília, cidade em que mora desde que virou senadora, Marina pode ser vista no templo da L-2 Sul. Quando está em São Paulo frequenta a Catedral Presbiteriana. Sua convenção neste sábado foi aberta, a pedido dela, pelo pastor Levi Araújo, da Igreja Batista.
Avessa a exposições, a pré-candidata mantém a vida familiar longe dos holofotes. Mãe de quatro filhos, está casada há mais de 30 anos com Fábio Vaz de Lima, um técnico agrícola que assessorava os seringueiros de Xapuri. Os dois se conheceram na faculdade e têm duas filhas, Moara e Mayara. Os outros dois mais velhos – Shalon e Danilo – são fruto do primeiro casamento dela, desfeito em 1985.
Entre 2003 e 2008, Marina foi ministra do Meio Ambiente de Lula. Deixou o governo e o PT após trombar com a cúpula petista e a então ministra Dilma Rousseff para se filiar ao PV, pelo qual disputou a eleição de 2010. No ano seguinte começou a articular a criação da Rede, cujo registro só foi concedido em 2015. Sem partido, abrigou-se temporariamente no PSB em 2014 a convite de Eduardo Campos para ser sua vice. Com a morte dele, assumiu a chapa. Em segundo lugar nas pesquisas, perdeu o fôlego na reta final após ter sua imagem desconstruída principalmente pelo PT, que a acusava de tentar roubar a comida dos pobres.
Sem embalo
Reconhecida pela Justiça eleitoral em 2015, após um longo e polêmico processo de criação, a Rede Sustentabilidade ainda não embalou. O projeto partidário de Marina emperra tanto no número de políticos e militantes quanto em sua divisão interna de pensamentos. Figuras importantes que deixaram a Rede reclamam que ela ouve. Ouve muito seus interlocutores. Mas só toma decisões após se aconselhar com seus escudeiros fieis mais próximos, um grupo bastante restrito que não ousa questioná-la.
Dois anos após ter sido criada, a Rede reúne apenas 20 mil filiados – é a quinta sigla com menos seguidores no país. Ganha apenas dos nanicos PSTU, PCO, PCB e Novo, esse também recém-criado. Fica atrás de partidos inexpressivos, com baixa densidade eleitoral e programática, como o PEN, o PRP, o PPL e o PHS.
Disparidade de armas
Com uma bancada de apenas dois deputados (Miro Teixeira e João Derly) e o senador Randolfe Rodrigues, a Rede, sozinha, teria apenas 12 segundos no horário eleitoral gratuito e R$ 10 milhões de dinheiro público para custear todas as campanhas do partido, para todos os cargos em todo o país. Com o PV, deve dobrar sua exposição na TV. Apenas o teto para a eleição presidencial será de R$ 70 milhões no primeiro turno este ano. O PT, o MDB e o PSDB ficarão com cerca de R$ 650 milhões juntos. “Alguns vão de canhão, outros de míssil, se tivermos de ir com a funda de Davi, fazer o quê?”, diz, com resignação.
“Este é um encontro programático, não é de conveniência, por tempo de TV, não é para ter dinheiro para pagar marqueteiro milionário, para enganar os brasileiros, como na eleição passada. É uma aliança para transformar o Brasil”, discursou a presidenciável nesse sábado ao rasgar elogios para o seu companheiro de chapa Eduardo Jorge, sexto colocado na disputa presidencial passada. Desde o ano passado, ela entabulou sem sucesso conversas com outros partidos, como o PPS, o PSB, o PDT e o Podemos. O acordo com Eduardo Jorge só foi fechado nas vésperas da convenção.
Artesã nas horas vagas, a ex-senadora faz colares e pulseiras com as quais presenteia as amigas. Mas admite que, mesmo com toda a sua religiosidade, conserva apegos materiais. “Nunca consegui vender qualquer objeto de artesanato que fiz. Nem tentei. Não chego a esse nível de desapego. Dando de presente, continuo o vínculo afetivo com a peça. Se eu vender parece que estou me apartando dela.” Para chegar ao Planalto, Marina precisará mais do que exercitar sua habilidade de artesã.
"Sou movida a fé e determinação. Fé para remover as montanhas que não tenho como escalar. Mas também a determinação para não ter que transferir para a fé aquelas montanhas que a gente precisa escalar sob pena de estar pecando ou atentando contra Deus", discursou nesse sábado