Reeleita para mais quatro anos de mandato, a presidente Dilma Rousseff terá como uma de suas tarefas obrigatórias no próximo mandato a nomeação de ministros para o Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte do Judiciário brasileiro. Até o fim de 2018, ela deverá indicar os substitutos do ministro Joaquim Barbosa, que se aposentou em julho, e de ao menos outros cinco que completarão 70 anos entre novembro de 2015 e outubro de 2018 e terão de se aposentar compulsoriamente.
No período do próximo mandato, deverão deixar a corte Celso de Mello (que completa 70 anos e se aposenta em novembro de 2015), Marco Aurélio Mello (em julho de 2016), Ricardo Lewandowski (maio de 2018), Teori Zavascki (agosto de 2018) e Rosa Weber (outubro de 2018).
Qualquer outro ministro pode decidir sair antes, o que abriria vaga no STF. Atualmente, há só uma cadeira vazia, a de Joaquim Barbosa, que decidiu deixar o tribunal antecipadamente, antes de completar 70 anos. Dos atuais 10 ministros, 4 foram indicados por Dilma e 3 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Até o final de 2018, serão 10 ministros indicados por presidentes do PT; daqueles nomeados em governos anteriores, sobrará apenas um, Gilmar Mendes, indicado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
A indicação dos ministros do STF é uma das atribuições mais importantes do presidente, determinada pela Constituição. A indicação sempre passa pela análise do Senado, que sabatina o indicado e tem poder para aprovar ou rejeitar o nome – na história recente, rejeições nunca ocorreram; as últimas foram no governo de Floriano Peixoto (1891-1894).
A relevância das próximas indicações, a partir do ano que vem, também pode ser estimada por alguns julgamentos previstos no STF que impactam fortemente as contas do próprio Executivo.
São três as ações mais custosas para o Tesouro a serem julgadas nos próximos anos: uma obriga bancos a ressarcir poupadores por prejuízos causados por planos econômicos dos anos 90; outra pede que o saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) seja corrigido pela inflação; uma terceira prevê a criação de quatro novos tribunais regionais federais (entenda melhor na tabela ao lado).
Analistas e observadores do Judiciário avaliaram que é provável e natural que o futuro presidente escolha juristas com visões de mundo ou ideologia próximas às dele. Mas, a julgar pela tradição do STF, consideram difícil que, após empossados como ministros, os escolhidos fiquem submissos ao Executivo, inclusive nas ações que preocupam o governo.
Estudioso das relações do STF com o Congresso, o cientista político Conrado Hübner Mendes, professor da Escola de Direito da Universidade de São Paulo (USP), diz que o processo de nomeação "é necessariamente politizado", mas não significa que sejam partidárias, como ocorre em cargos no Executivo.
"Os presidentes podem até tentar buscar nomes que tenham entendimentos jurídicos favoráveis ao governo, o que é legítimo, mas acho que também já perceberam que é ingênuo criar grandes expectativas em relação a como tais ministros se posicionarão em casos específicos", diz Mendes, que vê "incontáveis exemplos" de ministros que votam contra os interesses dos governos que os nomearam.
Frequentador do Supremo há mais de 50 anos e coautor de livros com vários ministros, o advogado Ives Gandra Martins concorda que, uma vez dentro da Corte, eles perdem qualquer "desejo de gratidão" com aqueles que os nomearam e passam a tomar decisões com base em suas convicções jurídicas.
Isso ocorre por dois motivos, segundo o jurista: os novatos acabam absorvendo a tradição de independência do STF, ao mesmo tempo em que se veem obrigados a honrar seus currículos, em geral, bastante prestigiados no meio jurídico.
"Os ministros não são gratos a quem indicou [...] Estão no máximo que puderam atingir e não precisam de qualquer governo, de qualquer favor", Ives Gandra Martins, advogado e jurista.
"Os ministros não são gratos a quem indicou, mas fieis a uma tradição do Supremo, de dar estabilidade às instituições. Quase todos que vão para lá têm belíssimos currículos, são prisioneiros da obra que escreveram. Estão no máximo que puderam atingir e não precisam de qualquer governo, de qualquer favor", diz o advogado, acrescentando que é o STF que julga os membros dos demais poderes.
Professor de Direito Constitucional e diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro (FGV-Rio), Joaquim Falcão também aponta uma atitude de independência dos ministros, mas identifica diferentes perfis de juristas em temas controversos. Assim, considera "razoável" que o presidente eleito escolha aqueles mais identificados com suas ideias.
"Em matéria fiscal, tem aqueles que protegem o Tesouro Nacional, e aqueles que protegem o contribuinte e o mercado. Em matéria penal, tem os garantistas, que exageram em defesa do réu, e outros mais voltados para a defesa do interesse público", exemplifica.
"É razoável que um presidente indique alguém que não vá ser contra sua visão. Se o presidente é conservador, não vai indicar liberal ou de esquerda etc. Isso faz parte do jogo. O que não faz é indicar ministros com a probabilidade de votar casos específicos a favor do governo ou de determinada tese", diz.
Escolha mais transparente
Comum a todos os analistas consultados é a opinião de que o processo de escolha deve ser mais transparente.
Ives Gandra, por exemplo, propõe um modelo em que o presidente escolheria cada ministro a partir de uma lista com 18 nomes, indicados pelo próprio Judiciário, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A confirmação, para ele, poderia ficar a cargo de uma comissão especial de senadores com melhor formação jurídica.
"Haveria participação de todos os operadores de direito, sem que o presidente perdesse o poder de escolha. Se é evidente que o STF foi independente no passado e até agora, não significa que no futuro vai ser. Pode haver politização", diz o advogado, que enxerga uma tendência crescente do governo em regulamentar a vida social no país.
Uma proposta mais recente e mais simples de ser implementada já foi feita à própria presidente Dilma Rousseff em julho deste ano pela Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade que reúne magistrados e orientada ao aprimoramento do Judiciário.
Em ofício enviado ao Planalto, a associação sugeriu um decreto que obrigasse o presidente a divulgar com antecedência o nome cogitado. Assim, ele poderia ter seu currículo, obra e pensamento escrutinados por universidades, órgãos de classe e pela mídia antes da sabatina no Senado.
O presidente do Conselho Executivo da AJD, o juiz de direito André Augusto Salvador Bezerra, diz que a ideia é tornar públicas as conversas de bastidores que antecedem uma escolha.
"Isso não diminuiria o poder do chefe do Executivo, mas haveria um ônus maior em determinada escolha. Se várias entidades sugerirem um nome e esse nome for ignorado ou se for escolhido o candidato criticado por várias delas, o presidente vai ter que assumir esse ônus de explicar", explica o juiz.
Para Joaquim Falcão (FGV-Rio), outra mudança necessária na relação do Executivo com o Judiciário está relacionada à grande quantidade de recursos do governo em tramitação nos tribunais, sobretudo quando sofre derrotas nas áreas fiscais, tributária, previdenciária, regulatória e do funcionalismo.
"O governo usa [o Judiciário] para não pagar. A Presidência poderia ter uma política de recursos judiciais que não inundem o Judiciário e que diminua os custos da Justiça. Isso é desperdício de Orçamento e é adiamento da justiça", avalia o jurista.