Dilma: Cunha acolheu pedido de impeachment por 'explícita vingança'

Presidente disse que Brasil tem 'veio golpista adormecido

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Em entrevista coletiva a correspondentes estrangeiros no Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff afirmou nesta terça-feira (19) que muitas pessoas atribuem exclusivamente a ela a responsabilidade pela crise econômica que atingiu o país desde 2014.

Segundo a petista, se crise econômica fosse argumento para destituir presidentes da República, "não teria um único presidente nos países desenvolvidos" que sobrevivesse à profunda crise econômica que se espalhou pelo mundo após o estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos em 2008.

"Como se eu fosse responsável pelo fim do superciclo das commodities, pela brutal crise que afetou, a partir de 2009, os países desenvolvidos, como se no resto do mundo essas dificuldades não tenham sido enfrentadas em até escala muito maior", disse a presidente aos correspondentes.

Dilma também afirmou que está sendo "vítima" de um processo de impeachment baseado em uma "flagrante injustiça" e que o Brasil tem um "veio golpista adormecido".

De acordo com a petista, ela classifica de "veio" a possibilidade que "nunca é afastada".

Desde que o Congresso Nacional começou a analisar o processo de afastamento, é a segunda vez que Dilma reúne jornalistas do exterior na sede do Executivo federal para dar sua versão sobre a tentativa de afastá-la do comando do país.

Na primeira entrevista aos correspondentes, concedida no fim de março, ela havia afirmado que está sendo alvo de uma tentativa de "golpe".

"Como explicar esse processo de impeachment no quadro da democracia, da situação política e da situação econômica? Faço essa pergunta porque tenho profunda consciência que estou sendo vítima de um processo simultaneamente baseado numa flagrante injustiça, numa fraude jurídica e política que é a acusação do crime de responsabilidade sem base legal, sem crime e, ao mesmo tempo, de um golpe", ressaltou a presidente da República ao iniciar a entrevista aos jornais internacionais.

"O Brasil tem um veio que é adormecido. Um veio golpista adormecido. Se acompanharmos a trajetória dos presidentes no meu país, no regime presidencialista, a partir de Getúlio Vargas, vamos ver que o impeachment, sistematicamente, se tornou um instrumento contra os presidentes eleitos. Eu tenho certeza de que não houve um único presidente depois da redemocratização do país que não tenha tido processos de impedimento no Congresso Nacional. Todos tiveram. Todos", enfatizou.

MICHEL TEMER

Dilma Rousseff voltou a criticar nesta terça-feira o vice-presidente da República, Michel Temer. A presidente afirmou ser "muito triste" que o peemedebista "conspire" contra ela.

Nesta segunda (18), em entrevista a jornalistas brasileiros, a petista já havia dito que as democracias não aceitam "traidores".

"É muito pouco usual que haja assim um vice-presidente da República. Acho que a conspiração se dá pelo fato de que a única forma de chegarem ao poder no Brasil é utilizando métodos, transformando e ocultando o fato de que esse processo de impeachment não é um processo de impeachment. É uma tentativa de eleição indireta de um grupo que, de outra forma, não teria acesso [ao poder] pelos únicos meios justificáveis num país que tem uma democracia tão duramente conquistada, que é o voto direto e secreto", afirmou a petista.

Ela também voltou a afirmar que há risco de programas sociais do governo federal serem extintos. Sem mencionar nomes, Dilma disse que há pessoas que articulam seu afastamento da Presidência que podem dizer que "se eu governar, mantenho os programas sociais", porém, destacou a presidente, "estão vendendo terreno na lua".

"Nós fizemos ajustes [no Orçamento] no ano passado e cortamos quase R$ 130 bilhões. Mas não fizemos ajuste para cortar programa sociais. Foi para preservá-los. [...] E é preciso decisão política para fazer isso. Não posso querer atender a um só lado do país, e eu acredito que os que estão golpeando atendem a um só lado do país e estão vendendo terreno na lua."

GOLPE

Ao longo da entrevista, Dilma também voltou a defender as operações contábeis do governo que embasaram o pedido de impeachment apresentado por três juristas no Congresso. Segundo ela, as chamadas "pedaladas fiscais" e os decretos presidenciais publicados sem autorização do Legislativo são questões "contábeis e fiscais" que não dizem respeito ao dinheiro público.

A presidente chamou a atenção dos correspondentes de que durante a votação do processo de impeachment no plenário da Câmara, no último domingo (17), poucos deputados se referiram aos motivos alegados no pedido de impeachment protocolado contra ela no parlamento.

Aos jornalistas internacionais, Dilma voltou a afirmar que, na opinião dela, ela está sendo alvo de um "golpe", na medida em que, disse a presidente, as acusações do pedido de impeachment não são base legal para um processo de afastamento de um presidente.

"Me sinto injustiçada e acho grave que tentem sempre diminuir esse fato. Esta exigência, que é a exigência da base legal para buscar o impedimento do presidente da República. Aí pergunto para vocês: por que isso não seria um golpe? É um golpe. É um golpe porque está revestido de um pecado original, que é não ter base legal para o meu impeachment."

EDUARDO CUNHA

Dilma aproveitou a entrevista aos veículos de imprensa estrangeiros para responsabilizar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pela instabilidade política de seu governo.

De acordo com a presidente, "práticas absolutamente condenáveis" ganharam "força razoável" na Câmara assim que o peemedebista assumiu o comando da casa legislativa em fevereiro de 2015.

A petista destacou a aprovação, ao longo de 2015, de projetos que elevavam as despesas do governo federal, as chamadas "pautas-bomba". Para ela, a aprovação de propostas que ela classificou de "populistas" inviabilizavam, na prática, a rigidez fiscal do Executivo.

Dilma destacou ainda aos jornalistas estrangeiros que Cunha acolheu o pedido de impeachment, em dezembro do ano passado, por "explícita vingança".

Na avaliação dela, essa iniciativa pode ser classificada como "desvio de poder".

Ela ressaltou na entrevista que o peemedebista só deu início ao processo de afastamento após o PT decidir votar a favor do andamento do processo no qual o presidente da Câmara responde no Conselho de Ética da Casa pela acusação de ter mentido à CPI da Petrobras que não tinha contas bancárias no exterior.

"Esquecer esse fato [suposta vingança de Eduardo Cunha] não só mostra uma perda grande de memória da nossa parte, porque aconteceu recentemente, mas também não deixa claro o caráter, o pecado original que tem neste processo. O presidente da Câmara só aceitou o pedido dentro da teoria que eles gostam, do 'quanto pior, melhor'. Ou seja, quanto pior, melhor para eles", ponderou a presidente.

Ela acrescentou que os seus julgadores no processo de impeachment têm um retrospecto que não permite que eles sejam juízes "de nada".

"[O retrospecto deles] os abona para ser réus", ironizou Dilma, referindo-se ao fato que Eduardo Cunha é réu em uma ação penal no Supremo Tribunal Federal sob a acusação de ter recebido US$ 5 milhões em propinas no esquema de corrupção que atuava na Petrobras.

VOTO DE BOLSONARO

Em meio à entrevista, Dilma foi indagada por um jornalista sobre o voto do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) na sessão da Câmara, no último domingo, que autorizou o prosseguimento do processo de impeachment para o Senado.Ao votar favoravelmente pelo impeachment, o deputado do PP disse que votava pelo afastamento da presidente "em memória" ao ex-comandante do DOI-Codi em São Paulo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.

O órgão de Estado chefiado pelo militar que morreu em outubro do ano passado era responsável pela repressão política durante o perído da ditadura (1964-1985).

Dilma, que foi presa e torturada pelo regime militar, respondeu que considerou "lamentável" a fala de Bolsonaro. Ela afirmou que conheceu "bem" o coronel Brilhante Ustra, que, segundo ela, foi um dos "maiores torturadores do Brasil". A presidente destacou que o ex-chefe do DOI-Codi, além de ser acusado de ter torturado militantes de esquerda, também era acusado de ter cometido assassinatos.

"Lastimo que este momento no Brasil tenha dado abertura para a intolerância, o ódio e para esse tipo de fala [de Bolsonaro]. Acho gravíssima a aventura golpista, porque levou a uma situação que não vivíamos no Brasil, que é a stiuação de raiva, do ódio e da perseguição", observou Dilma."É terrivel você ver no julgamento alguém votando em homenagem ao maior torturador que este país conheceu. É lamentável", concluiu a presidente.

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