Por José Osmando de Araújo
Nós temos tratado aqui, talvez até com uma certa insistência, da questão das fake News e do mal que elas provocam na sociedade. Mas os fatos rotineiramente registrados no território brasileiro, que a cada dia se reforçam com novos entristecedores capítulos, só nos levam a concluir que caminhamos muito celeremente para instituir uma república fundada na mentira.
Senão, vejamos. Esta semana, depois de avançadas negociações na Câmara dos Deputados, deixou-se de votar em plenário o projeto de lei 2.630, que estabelece novas regras legais para o controle das mentiras e propagação de ódio e violência na internet e suas redes sociais.
EXPLORADORES DA FÉ
E o que gerou o retrocesso quanto à matéria, fazendo deputados mudarem de opinião e criarem um clima de imensa animosidade entre todos, foi uma mentira espalhada por alguns pastores/aproveitadores do povo evangélico, segundo a qual a nova lei era contra a liberdade religiosa e contra a manifestação do pensamento. Esses exploradores da fé evangélica exerceram forte pressão sobre os deputados e gravaram inúmeros vídeos, espalhados pelas plataformas de internet, difundindo essa inverdade. Fizeram, assim, grande estrago.
BIG TECKS
Na sequência, mas com o mesmo objetivo, um dos mais robustos segmentos das poderosas Big Tecks, o Google, fez campanha declarada contra o projeto de lei, com a falsa afirmação de que as novas regras legais criariam no Brasil mais confusão sobre o que seria mentira e verdade.
Mais recentemente, a Polícia Federal, numa grande operação de busca e apreensão realizada ontem, descobriu mais uma mentira, que consistia entregar nas mãos de autoridades e familiares certificados falsos de vacinação contra a Covid-19, com os quais se permitira o ingresso dessas pessoas nos Estados Unidos e, quem sabe, em outros países. Isso, em si, por ser mentira e falsidade, constitui crime contra autoridade estrangeira.
Os operadores dessa ação criminosa inventaram que o grupo beneficiado (incluindo o ex-Presidente da República e sua filha menor, além de um oficial do Exército que era braço direito do chefe da Nação), havia se vacinado em um município do Estado de Goiás e, numa triangulação com Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro, conseguiram montar uma caderneta de vacinação.
SITE DO SUS
No terceiro passo, com esse documento em mãos, a meta era inserir os dados no sistema apropriado do SUS. Na primeira tentativa, usando a vacina da cidade de Goiás, o SUS recusou a inserção das anotações. Recorreram à prefeitura de Duque de Caxias para obtenção de outra caderneta. Com os dados finalmente daí extraídos, conseguiram fazer o registro no site do SUS, tornando a operação “legalizada”. Essa operação, segundo a PF apurou, deu-se entre Agosto e Dezembro de 2022. Com os dados postos no sistema SUS e feita a fotografia, o print, do cartão que ali, aparentemente, fora tornado legal, guardando-se a cópia para uso no exterior, os dados foram apagados, imagina-se que no intuito de não deixar rastros.
FRAUDE
Vê-se aí uma fraude, portanto indicativa de crime, que se valeu da mentira do começo ao fim. Uma triste e assombrosa realidade brasileira que se manifesta com incrível frequência e que ganha forma e velocidade na boca e nos escritos de muitos políticos, vários deles detentores de mandatos eletivos, alguns em posições de mando partidário.
Mentir, que deveria ser algo extirpado da vida pública, passou a ser uma prática comum, sufocando e encurralando aqueles que têm a verdade como companhia. Ontem em vi e ouvi um relato do ministro da Justiça, Flávio Dino, referente à votação da Câmara em torno das fake news ,e da postura criminosa das plataformas digitais, que 93% das buscas sobre as mentiras propaladas contra o projeto tiveram o Google como a principal fonte de busca e de difusão.
MENTIRINHA
Nada de estranhar, num país em que seu principal mandatário, o presidente da República, afirma claramente, sem retoques, numa live com seus aliados, que “fake News fazem parte de nossa vida. Quem nunca contou uma mentirinha para a namorada?”, completando: “fake News cai por si só. Fake News não precisa ser regulada. Deixa o povo falar à vontade”. Essas são expressões públicas de Jair Bolsonaro, durante uma live em 14 de Setembro de 2021.
Certamente por acreditar nisso e por não ter sido um adepto da ética e da verdade durante sua vida pública, é que o ex-presidente pouco tenha se importado com as mais de 700 mil pessoas mortas no Brasil pela Covid, muitas delas evitáveis, infelizmente por terem acreditado que a vacina não curava ou prevenia, ou até que a pessoa que a usasse podia virar “jacaré”.
SUS É EFICIENTE
O que ainda nos dá alguma esperança é ver que as instituições públicas brasileiras voltaram a funcionar. Que o SUS, apesar de toda sorte de perseguição, corte de verbas e tentativa de descrédito, prova ser um sistema eficiente no trato da saúde pública, e também um transparente meio de coleta de dados, capaz de impedir que mentiras, falsas informações e fraudes sejam inseridas no seu site.
E ver, também, que o sistema de justiça, especialmente o STF, está numa linha de fortalecimento e de correção. Por ele, e nele, será possível, por esses dias, ver sendo postas em práticas as inadiáveis regras de regulação das redes sociais e de imposição de critérios inibidores e punidores às plataformas de internet, caso a Câmara Federal não encontre ambiente para votar o projeto de lei 2.630.Eis aí nossa esperança.