Um relatório que acaba de vir ao conhecimento público, por obra da ONG Transparência Brasil, traz uma constatação absurda, revoltante, no terreno dos gastos públicos e das práticas reprováveis do nosso atual legislativo. De uma soma de mais de R$ 22 bilhões distribuídos por deputados e senadores com as cidades brasileiras através das emendas individuais, na forma de PIX, em 2023 e 2024, o impressionante montante de R$ 8,5 bilhões caiu nesses municípios sem qualquer transparência.
Isso significa que todo esse volume de dinheiro foi para as prefeituras indicadas por deputados e senadores sem obrigatoriedade de conhecimento de vínculo sobre qualquer projeto específico e até mesmo sem a identificação do parlamentar que determinou a liberação, porque feito em nome de comissão.
As emendas individuais têm execução orçamentária (empenho e liquidação) e financeira (pagamento) obrigatórias, não podendo ao Governo Federal recusar-se ao cumprimento.
Nesse caso levantado pela Transparência Brasil, dos R$ 8,3 bilhões remetidos pelos parlamentares às cidades mais pobres do país (aquelas com IDH considerado baixo ou muito baixo), quase metade do total (47%), mais exatamente R$ 3,9 bilhões, foram transferidos via emendas PIX, desobrigadas de transparência. Dos recursos enviados às cidades mais ricas, somando R$ 14,6 bilhões, os valores transferidos via Pix (sem transpararência) foram da ordem de R$ 4,6 bilhões.
O documento mostra que se criou uma cultura escandalosa no país, ancorada pela Câmara e pelo Senado, pela qual os municípios menores ou com menos estrutura buscam essa modalidade de repasse federal, por ser mais rápida, sem necessidade de projeto prévio e livre de maior fiscalização. No caso de emendas com finalidade definida, obrigatória, forma-se um processo obrigando seja o projeto aprovado e tenha como obrigação a apresentação de relatórios de execução, correndo-se ainda o risco de reprovação por alguma ocorrência de erro técnico.
No caso da emenda PIX, basta apenas a Prefeitura informar "ciente", indicar o banco e a conta, e daí o dinheiro vai direto para o caixa, E se isso faz o gosto de gestores públicos municipais, também é de muito agrado para os parlamentares, pois suas ações chegam muito mais ligeiramente aos seus eleitores. De 2020 em diante o uso indiscriminado desse tipo de emenda cresceu de forma espantosa, transformando-se na principal ferramenta de poder de deputados e senadores, sendo usadas como moeda de troca entre parlamentares e o governo passado, e permanecendo como massa de manobra e pressão sobre o atual governo federal.
Criada em 2019, sob a gestão de Jair Bolsonaro, através de emenda constitucional, a emenda pix tinha como justificativa a lentidão e a burocracia na liberação de recursos aos municípios por parte do poder central.
Nunca se falou que a maioria das cidades brasileiras, grandes ou pequenas, têm um baixo nível de transparência, facilitando as práticas de desvios de recursos públicos e a instalação e progressão de corrupção nociva, danosa e vergonhosa que está sendo investigada pelo STF, sob o controle do ministro Flávio Dino, sobretudo diante do estrondoso crescimento dessas emendas durante as eleições municipais de 2024.
O trabalho corajoso do ministro Flávio Dino, que tem sido motivo da ira e da desqualificação de parlamentares e integrantes do governo passado, tem contado com a colaboração do mInistério Público Federal, que já instaurou procedimentos de monitoramento sobre esses recursos enviados em mais de 400 municípios. Há, inclusive, a indicação de que dos 5.565 municípios levantados, pelo menos 111 de suas Prefeituras receberam 100% de suas emendas individuais através da modalidade PIX.
O trabalho que Flávio Dino esmiunça no STF sobre as emendas parlamentares têm causado muito barulho e contrariado a cúpula de Câmara e Senado, desde que o ministro determinou proibição ao Governo de repessar recursos rotulados por esse mecanismo, levando mesmo a um embate acalorado entre Arthur Lira, que presidia a Câmara, e Rodrigo Pacheco, o Senado.
Agora, os novos dirigentes das duas Casas já manifestaram publicamente que vão procurar o STF para esclarecer a questão, desejosos, conforme eles, de criar sistema mais transparente e honesto.