Desde que foram instituídas, no Governo de Dilma Roussef, por meio da sanção da Lei 12.711/2012, as cotas raciais têm tido um efeito profundamente benéfico para reduzir as gritantes desigualdades de classe no Brasil, permitindo mais justas condições de acesso às universidades e institutos federais para estudantes de escolas públicas, incluindo subcotas para negros, pardos e indígenas.
Simultaneamente à obrigatoriedade de todas as universidades e institutos federais públicos reservarem vagas par atender esse fim, o Governo Federal também instituiu cotas raciais em concursos públicos federais, para favorecer o acesso de docentes e pessoas técnicas nas mesmas condições.
Os dois mecanismos (acesso às universidades e acesso aos concursos públicos) tiveram melhorias sancionadas em 2023 e 2025, já no terceiro Governo de Lula, consolidando uma opção governamental vitoriosa em benefício de jovens historicamente deixados à margem da história.
No decorrer deses 14 anos de prevalência das leis de cotas, vimos ser gerados benefícios significativos, notadamente no caminho da promoção da diversidade, abrindo-se espaço de poder, aprendizado, educação, e possibilidade de trabalho e renda para milhares de pessoas, num enfrentamento correto do racismo estrutural em que o Brasil foi edificado, a partir de uma colonização escravocrata que ainda hoje permanece excluindo quem não faz parte das elites.
Essas medidas mudaram profundamente o perfil do corpo discente de universidades e institutos federais, adaptando-o à realidade do país, dando a cara real do Brasil. E para quem, na sua ignorância e preconceito, achava que negros, pardas e indígenas tinham a mente menor do que os privilegiados, aí vem a resposta: estudos e dados de universidades, como os feitos na UFRG e na UNB, mostram que o desempenho acadêmico dos alunos cotistas é comparável ou até mesmo superior ao dos alunos não-cotistas, com notas de conclusão de curso e registro de evasão rigorosamente semelhantes ou melhores dos que antes tinham o privilégio de acesso só para eles.
Isso tem efeito real e seguro nas mudanças sociais, na redução das desigualdades, demonstrando com clareza que as cotas funcionam de fato como uma política de reparação à dívida gigantesca que país tem perante as populações negras e indígenas, até hoje vitimadas pela espoliação e pelo preconceito herdados do modelo colonizador.
Trago aqui essas reflexões porque, para surpresa minha e, quero imaginar, também para o impacto negativo causado a milhões de pessoas brasileiros, a Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, no Sul desse imenso e desigual país, aprofundando o poço das desigualdades, numa postura de flagrante desumanidade, de arrogância, preconceito e instigação ao ódio aprovou na quarta-feira, dia 10 dezembro, o projeto de Lei 753/2025, que põe fim à adoção de cotas e outras ações afirmativas nas instituições de Ensino Superior públicos daquela unidade federativa.
A medida é um estúpido e repugnável retrocesso nas políticas de inclusão e na política de abertura para a redução das desigualdades sociais e econômicas. O autor de medida, seguido por seus pares, é um deputado de nome Alex Brasil, do PL. Por abominável ironia, o parlamentar tem no sobrenome "Brasil", o que curiosamente nos dá a interpretação de que país temos hoje, depois da eleição presidencial de 2018, quando Bolsonaro e seus parceiros chegaram à presidência da República e tomaram para si esse Partido Liberal.
O projeto do "liberal" Alex "Brasil", que a Assembleia de Santa Catarina abraçou como causa política sua, é bastante claro. "Proíbe a reserva de vagas suplementares e quaisquer outros mecanismos similares de ingresso de estudantes quanto para a contratação de docentes, técnicos e demais profissionais", das universidades públicas do Estado.
As reações vieram imediatamente de todos os meios sensatos deste país, condenando a medida desumana e ilógica dos parlamentares catarinenses. A direção da ANDES (Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) condenou com veemência a aprovação do projeto excludente, vendo isso como um ataque frontal às políticas de igualdade racial e às normas nacionais sobre o tema.
As lideranças do magistério consideram que as cotas étnico-raciais, seja para estudantes ou para docentes, constituem ferramentas fundamentais para confrontar as profundas desigualdades estruturais que historicamente têm limitado o acesso e a permanência, sobretudo de estudantes negros, pardos, indígenas e outros grupos oprimidos no ensino superior.
Uma lástima que o Brasil esteja imerso nessa escuridão.