Não estamos no reino de Sião, porém, o Brasil está repleto de filhotes de 'elefantes brancos', 'alimentados' diariamente pela ineficácia na execução de obras federais. Nos últimos anos esse fenômeno tem sido 'turbinado', o que é comprovado pelo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), divulgado nessa semana, que é claro ao constatar que o percentual de obras públicas paralisadas no país subiu de 29% para 38,5% em um biênio, ou seja, de 2020 a 2022.
São centros educacionais, adutoras, estradas, que tornam-se 'poeira' ao passar do tempo... As auditorias do TCU comprovam que dos mais de 22,5 mil contratos pagos com recursos da União, 8.674 são considerados interrompidos, um índice que reforça a 'urgência' na retomada das intervenções a partir do próximo ano. Uma urgência e desafio imensurável, haja vista que as obras suspensas somam R$ 27,2 bilhões, e esse investimento definitivamente não deve ser perdido. Para reforçar o cenário nada aprazível, o percentual de ações paralisadas é o maior desde 2018, quando 37,5% dos contratos estavam "estagnados".
No demonstrativo por ente federativos, Estados do Nordeste e Norte do país foram os mais impactados pela paralisação de obras do Governo Jair Messias Bolsonaro (PL); vizinho do Piauí, o Maranhão, lidera a lista das paralisações com 905 obras, em um montante investido de R$ 1,2 bilhão. A maior parte dos empreendimentos são voltados à educação básica, como a construção de escolas, creches e quadras, somando 641.
A gravidade da paralisação de obras na educação foi explanada pelo ministro Vital do Rêgo, relator da auditoria no TCU. "Quando se fala desse problema na área da educação e da saúde os prejuízos se avolumam, já que não é apenas o custo da obra, mas os relevantes custos sociais impostos à população. Aqui, mais uma vez se constatou que é preciso ter um cadastro de obras com fidedignidade e integralidade, com dados alimentados de forma tempestiva e uniforme, de modo a permitir ao gestor que ele aplique os recursos não baseados no seu sentimento, mas em critérios objetivos que, se excepcionalizados, precisam ser devidamente motivados".
Os problemas decorrentes das obras paralisadas no Maranhão sempre foram alvo de protestos do então governador Flávio Dino (PSB) e agora senador eleito. Ele chegou a solicitar uma audiência com o presidente Jair Bolsonaro em 2020 para buscar uma solução ao imbróglio. “Nós temos tido sucessivos contatos conduzidos pelo vice-governador do Maranhão, Carlos Brandão, pelos senadores, Weverton Rocha e Eliziane Gama, pela bancada federal maranhense na Câmara. Infelizmente as respostas que têm sido transmitidas por autoridades do Governo Federal são insuficientes no que se refere a essas estradas que são estruturantes no nosso estado”, disse à época.
Após o Maranhão, o estado que aparece com o maior quantitativo de obras federais paralisadas é a Bahia, com um total de 807 e um investimento de R$ 10,2 bilhões; entre as intervenções está a reforma da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, que encontra-se inacabada.
Já o Pará ocupa a terceira posição, mas proporcionalmente o estado possui uma situação ainda mais grave, ao todo, 53,4% dos empreendimentos públicos paralisados ou inacabados, de acordo com o painel do TCU. O ente da região Norte apresenta 671 obras paradas, mesmo após um investimento de R$ 6,3 bilhões.
No Piauí, quase 30% das obras federais estão paradas.
Infelizmente o Piauí não saiu ileso ao aumento no índice de obras paralisados, o Painel divulgado pelo TCU indica que 298 estão nessa situação no Estado, o que representa 29,9% do total. Ao todo, há 995 empreendimentos capitaneados pelo Governo Federal no Piauí, sob um investimento de R$ 2,61 bilhões.
Para entender a problemática das obras não concluídas e o 'risco' de ter dinheiro público 'jogado pelo ralo', já foram aplicados nos empreendimentos considerados paralisados um total de R$ 586,7 milhões. Assim, concluir tais obras é uma questão também sustentável, de garantir que os recursos aplicados não serão perdidos com o sucateamento das partes já feitas.
Seguindo a tendência nacional, a área mais impactada pelas obras paradas no Piauí é a educação, com 182. Outras 77 estão com a descrição 'em branco' no relatório do TCU, ou seja, não há como saber qual o setor em que está sendo executada. As intervenções em infraestrutura de transportes paradas somam 19, em seguida aparece obras de saneamento, com 10. Saúde e agricultura também aparecem no levantamento.
Entre as obras federais no Piauí inacabadas está a pavimentação da PI-392 (rodovia Transcerrados), ligando o entroncamento da PI-262 (localidade palestina) ao entroncamento da BR-235, com extensão total de 97 km; a implantação do sistema adutor Piaus II em Bocaina, além de uma série de empreendimentos na educação da básica a superior, como a reforma e ampliação de restaurantes universitários.
O cenário desalentador repete-se nos demais Estados nordestinos; no Ceará o diagnóstico do TCU aponta que há 577 obras paralisadas, o que representa 39,4% do total. Já em Alagoas o índice é de 237, o que aponta para impressionantes 44,3% do quantitativo de intervenções da União no ente federativo.
Na Paraíba são 436 obras paradas, ou 39,6% do total de empreendimentos da gestão federal; em Pernambuco o índice chega a 419, representando 38,9% dos projetos federais no Estado. Por fim, no Rio Grande do Norte a situação é observada em 304 obras (37,3%) e no Sergipe as paralisações chegam a 186, ou 43,9% do total.
Coordenador das discussões relativas a adequação do Orçamento para 2023, o senador eleito e ex-governador Wellington Dias já deixou claro a atenção que será dispensada na conclusão das obras paralisadas pela gestão do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Em recente entrevista ao Estadão, o líder piauiense explicitou o conjunto de ações prospectadas. "O presidente tem um conjunto de ações que dependem de investimentos. Para o programa Minha Casa, Minha Vida, precisa de investimentos e tem apenas R$ 34 milhões para o Brasil inteiro. E, assim, (também) outros investimentos com obras paralisadas", disse.
Wellington Dias também tem defendido constantemente uma espécie de meta para investimentos, assim como foi adotada no Piauí (no mínimo 10% da receita corrente líquida do Estado) para alavancar o desenvolvimento do país, acelerar as obras e fomentar a geração de emprego e renda.
Cresce o número de obras federais paradas no Piauí
Apesar do Piauí possuir o menor índice de obras federais paradas da região e ficar bem abaixo da média nacional, no comparativo com os dados de 2020 catalogados pela auditoria do TCU, houve um crescimento de 2% no indicativo. Na época eram 27,9% das intervenções não concluídas, subindo para 29,9% no relatório divulgado na última quarta-feira (23).
Outro indicador perceptível nos relatórios é a queda no total de empreendimentos da gestão federal no Piauí; em 2018 eram 1445 obras, caindo para 1027 em 2020, passando pela primeira vez para um índice inferior a mil neste ano, com 995 no total.
Cabe indicar que os números do TCU são atualizados a cada dois anos. Os dados mais recentes, divulgados na última quarta-feira (23), referem-se a agosto de 2022. Fazendo um recorte histórico, verifica-se que duas auditorias anteriores realizadas pela Corte de Contas já apontavam para o elevado número de obras inacabadas no país. Em abril de 2018, o percentual de obras paralisadas em relação ao total era de 37,5%. Em 2020, o número caiu para 29%.
Na comparação com 2018, ou seja há quatro anos, o “Painel de Obras Paralisadas” escancara um cenário gravíssimo. Na ocasião, o poder público executava mais de 38,4 mil contratos, dos quais 14,4 mil estavam paralisados. Em 2022, o número de obras custeadas pela União caiu 41,2%, para 22,5 mil contratos. Mesmo com a queda no número de contratos, a proporção de empreendimentos interrompidos é um ponto percentual superior ao índice de 2018; o que leva a concluir que embora a União tenha investido em menos obras, a fatia paralisada é proporcionalmente maior do que em anos anteriores.
"Temos um cemitério de obras inacabadas"
Relator da auditoria do TCU sobre as obras paralisadas, o ministro Vital do Rêgo classificou os dados como “alarmantes” durante sessão plenária da Corte. “Hoje temos um cemitério de obras inacabadas, abandonadas e os gestores públicos mantêm o permanente negligenciamento da Lei de Responsabilidade Fiscal abrindo novas frentes de trabalho em obras congêneres. Isso é lamentável sob todos os aspectos”, frisou.
A preocupação versa especialmente pelo fato da maior parte das obras encalhadas pertencer a área da educação. O setor soma 4.473 intervenções 'encalhadas'. Uma área genérica classificada pelo TCU como “em branco” figura em segundo lugar, com 2.869 contratos interrompidos. Na sequência, surgem Saneamento (388), Saúde (289) e Infraestrutura de Transportes (277).
É importante frisar que o “Painel de Obras Paralisadas” sintetiza as principais causas das obras paralisadas. Tomando como base o trabalho conduzido pelo TCU realizado em 2018, o mau planejamento dos empreendimentos é o principal fator de paralisação. O gerenciamento ineficiente dos contratos está geralmente relacionado a projeto básico deficiente; falta de contrapartida de estados e municípios; e falta de capacidade técnica para execução do empreendimento.
No caso específico da Educação Infantil, a ferramenta sugere como principais causas de paralisação os contratos rescindidos, o abandono da empresa e as irregularidades na gestão anterior. De acordo com o TCU, não foram realizados estudos sobre os impactos da pandemia de covid-19 nas obras em andamento.