Na cidade mais rica do interior de Alagoas, onde o comércio é pujante e o desenvolvimento econômico animador, mais da metade da população ainda depende do Bolsa Família. As indústrias, lojas e o novo shopping que dão o ar de metrópole a Arapiraca contrastam com a realidade de pequenos povoados da zona rural, que ?sobrevivem? quase que exclusivamente de transferências de renda do governo federal.
?Isso [o programa] é uma ?bença? de Deus. Não dá pra garantir o sustento, mas já me ajudou muito numa fase difícil da minha vida. Hoje, eu gasto tudo com o meu filho, compro material escolar, farda e calçado. Ele vai todo arrumadinho pra escola?, diz em tom orgulhoso Ana Paula Pereira, de 25 anos, moradora do Sítio Pau D?Arco.
A dona de casa é uma das 134.312 beneficiárias em Arapiraca do programa Bolsa Família, programa federal que completa 10 anos com resultados positivos no combate à extrema pobreza, redução na taxa de mortalidade infantil, maior frequência de crianças e adolescentes nas escolas e que ainda tem uma série de desafios a frente.
Ana Paula conta que na rua em que mora praticamente todas as famílias são atendidas pelo programa. Ela destaca que a região é pobre e o dinheiro repassado é pouco, mas suficiente para matar a fome e suprir as necessidades básicas. A família da ex-empregada doméstica sobrevive hoje do benefício de prestação continuada do INSS, equivalente a um salário mínimo, e dos R$ 102 do Bolsa Família.
Ela precisou deixar a casa onde trabalhava para cuidar do marido, que tem deficiência mental, e não consegue emprego há três anos. Até receber o benefício na Justiça, Ana Paula diz que comprava o farelo de multimistura para dar ?sustança? ao pequeno Maicon, de 4 anos. O complemento alimentar, de alto valor nutritivo, custa em média de R$ 1 a R$ 5.
?Nessa época, o dinheirinho do Bolsa Família me salvou. Agora eu não trabalho mais porque tenho a curatela do meu marido, e preciso ficar em casa cuidando dele. Mas sempre que dá eu faço uns bicos, vendo calcinhas pela cidade e consigo ajeitar uma coisa ou outra dentro de casa?, detalha.
Bolsa Família deu poder às mulheres, avalia economista
A realidade de Ana Paula é a mesma de milhares de alagoanos, que dependem de recursos do governo federal para sustentar a família. De acordo com o economista Cícero Péricles, a transferência direta de renda a Alagoas ultrapassa R$ 11 bilhões por ano, e compreende um terço das riquezas da economia do Estado.
O economista frisa que o Programa Bolsa Família - que atende quase 440 mil do total de 920 mil famílias alagoanas - impacta de maneira prioritária na compra de alimentos, uma vez que a fome é ?inadiável?. ?Também possui aspecto econômico positivo para o comércio dos bairros periféricos e localidades do interior, que passaram a ter outra dinâmica com os aportes do Bolsa Família que contribuem para a melhoria do ambiente nestes espaços?, avalia.
Mas uma dos principais revoluções geradas pelo programa, na visão de Péricles, aconteceu no universo familiar. Ele ressalta que o Bolsa Família, que prioriza a mulher como beneficiária, alterou o cotidiano das mulheres, que hoje se comprometem com a saúde e educação dos filhos. Para ter a continuidade do benefício garantida, os filhos precisam estar com a carteira de vacinação em dia e frequência escolar mínima de 85%.
A autonomia conquistada pelas mulheres é constatada no livro ?Vozes do Bolsa do Família?, fruto de uma pesquisa que ouviu, de 2006 a 2011, 150 beneficiárias de regiões pobres do país - entre elas o Sertão e Litoral Norte de Alagoas. No livro, Walquiria Domingues Leão Rego e Alexandre Pinzani avaliam as principais mudanças após o recebimento de uma renda monetária regular: liberdade, ganhos de dignidade e responsabilidade no uso do dinheiro.
?O dinheiro do Bolsa Família, meu marido nem vê a cor?, diz beneficiária
Na Zona Rural de Arapiraca, o TNH1 entrevistou mulheres que reforçam o resultado da pesquisa: elas são independentes e, quando não conseguem mudar o próprio destino, preocupam-se em garantir um futuro próspero aos filhos.
Com duas filhas na escola, Ivanilda Caetano, de 47 anos, não sabe ler nem escrever. Mas faz questão que suas meninas estudem para ?ser alguém na vida?. Casada, ela diz que nunca recebeu um centavo do marido e que somente após o Bolsa Família começou a comprar roupas e materiais escolares para suas filhas.
Ivanilda diz que marido não vê a cor do dinheiro
Ivanilda não esconde a relação complicada com o pai de suas filhas, que, segundo ela, ?gosta de tomar cachaça um dia sim, um dia não?. Para evitar que ele gaste o dinheiro do benefício com bebida alcoólica, a mulher precisa esconder os R$ 134 que recebe todo mês. ?Ele nem sabe direito o dia eu saio para tirar o dinheiro. Ele nem vê a cor, e quando me pergunta eu digo logo: ?o dinheiro é meu, nem venha se meter?, conta.
Enquanto Ivanilda era entrevistada na frente de sua casinha de muros brancos, no povoado de Canaã, o marido bebia e, embriagado, esbravejava à reportagem: ?Pra que tu quer falar com uma analfabeta? Essa daí num tem nada pra dizer não?. Ivanilda minimiza a agressividade do parceiro, e diz que ele é trabalhador e não bate nela, mas quando ?se junta? com as "amizades erradas" fica bêbado e ?enche o saco?.
A dona de casa revela que não enxerga como sua vida poderia mudar, mas acredita que o destino de sua prole será diferente. ?Estão na escola, a de 12 e a de 15 [anos]. A mais velha sempre tira nota boa e nunca perdeu ano. A gente tá pensando até em mandar ela pra São Paulo, pra ela estudar lá?, diz.
Na avaliação de Ivanilda, o Brasil vive uma fase rica, já que consegue distribuir dinheiro para os pobres. Contrariando o preconceito de que a beneficiária do Bolsa Família tem preguiça de trabalhar, a dona de casa diz que o que se recebe não é suficiente, e é preciso bater perna para ter outra fonte de renda. ?Se for esperar sentado pelo dinheiro, minha irmã? Não dá não?, comenta.