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Agiota, planilha e aliança da propina: o que o 1º caso sobre emendas revela

Trata-se de ação penal por corrupção passiva e organização criminosa que tem três deputados federais do PL

Sede do STF | Foto: Agência Brasil
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O primeiro caso de corrupção e desvio de emendas do orçamento secreto a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal deve dar ao país, no início de 2026, um petisco dos achados da Polícia Federal e do Ministério Público Federal nos mais de 80 processos semelhantes — até onde se sabe — que estão em apuração país afora, colocando o Congresso Nacional sob profundo escrutínio público.

Trata-se de ação penal por corrupção passiva e organização criminosa que tem três deputados federais do PL na linha de frente: Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e Bosco Costa (PL-SE).

Os principais achados do caso já são de conhecimento público. Os três, segundo o Ministério Público Federal, sob o comando de Maranhãozinho, cobravam 25% de propina, ou "taxa de retorno", de prefeitos que recebiam emendas do orçamento secreto.

Mas a coluna teve acesso às alegações finais da Procuradoria-Geral da República no caso, cujo julgamento está marcado para março do ano que vem, e conseguiu mergulhar nos detalhes da acusação.

Os deputados não só usavam um agiota —assassinado a tiros em julho de 2024— para extorquir prefeitos que se recusassem a pagar a propina, como tinham planilhas escritas à mão e também em arquivos de computador detalhando emendas emitidas a diversas cidades e ainda sem retorno de pagamento, além de uma extensa coleção de diálogos registrando a pressão para receber dinheiro.

Um diálogo do agiota, conhecido como Pacovan, e o deputado Josimar Maranhãozinho é exemplar. Na conversa, o cobrador de propina reclama da resistência do então prefeito do município de São José do Ribamar (MA) em repassar os 25% de propina referentes a mais de R$ 6 milhões destinados pelos três deputados à cidade. A missão era receber cerca de R$ 1,6 milhão em "taxa de retorno".

Agoniado por não conseguir o dinheiro nem cobrando o prefeito em seu gabinete nem mandando seus sócios à casa do político, Pacovan desabafa com Maranhãozinho.

"Bom dia, Josimar. Tudo bom, meu filho? Deixa eu te falar, ontem eu fui atrás do homi [sic] lá do Ribamar [cidade de São José do Ribamar]. Tentei falar com ele. Ele disse que só senta se for contigo. Entendeu? Ele só paga se for pra você. Ele só resolve as coisas com você. E que ele não tem negócio comigo. Uma confusão grande e eu tô [sic] vendo que isso vai dar merda. E eu não posso perder, entendeu? Que é 6 milhão. Entendeu? Vai dar um milhão e meio. Que ele tem pra me pagar. (?) Veja minha situação, pelo amor de Deus", diz Pacovan.

Durante as investigações, a Polícia Federal encontrou no escritório do deputado Maranhãozinho uma série de planilhas, algumas delas escritas à mão, detalhando a remessa de emendas para vários municípios, entre eles São José do Ribamar. No papel estão descritas as três emendas, uma de cada deputado acusado, em valores diferentes, totalizando os mais de R$ 6 milhões.

Maranhãozinho, apontado como líder do grupo, aparece como emissário de R$ 1,5 milhão; Pastor Gil, de R$1,048 milhão; e Bosco da Costa de R$ 4,1 milhões.

Nos diálogos, Pastor Gil aparece como uma espécie de preposto de Maranhãozinho. Quando o agiota falha nas cobranças, ele passa a fazer contato direto com o prefeito e a reportar a evolução das negociações para o colega, apontado como chefe da organização criminosa.

"Em 28 de abril de 2020, o deputado Pastor Gil solicitou reunião com o prefeito para 'resolver logo' a situação. Na mesma data, enviou os prints do diálogo a Josimar, informando que persistiria nas tentativas", registra a peça do Ministério Público com base em material apreendido nos celulares dos deputados.

"Dois dias depois, em 30 de abril de 2020, o mesmo deputado sugeriu a Josimar uma visita à casa do prefeito, mas a ideia foi rejeitada em razão do risco de que o local pudesse ter câmeras", segue o documento. Aí, surge a ideia de propor uma reunião no escritório do Pastor Gil, o que ele propõe ao então prefeito.

"Ei. Tive pensando que se o senhor viesse no nosso escritório seria mais tranquilo. Só eu, o senhor e o Josimar. Mas é apenas uma sugestão. Por que aqui no escritório é neutro. Estou aguardando seu retorno. Se não der mais pra hoje, vamos ver amanhã de manhã. No Shopping do Automóvel tem uma lanchonete embaixo".

Como não houve resposta, "Pastor Gil relatou o fato a Josimar, de quem ouviu o seguinte comentário: 'Esse cara não quer acertar nada'".

A investigação mostra que o esquema corria desde 2019 e se arrastou até 2020, pelo menos. Em um dos casos, a propina para Bosco Costa, do PL de Sergipe, foi depositada nas contas de parentes, segundo registra o Ministério Público.

"De forma semelhante, Josimar encaminhou para Bosco Costa, nos dias 13 de dezembro de 2019, 2 de janeiro de 2020 e 5 de fevereiro de 2020, comprovantes de depósitos e transferências bancárias para as contas de Maria Rivandete Andrade e do réu Thalles Andrade Costa (esposa e filho do último parlamentar), no valor total de R$ 75 mil".

As defesas de Josimar Maranhãozinho, Pastor Gil e Bosco Costa negam irregularidades e apontam nulidades na coleta de provas da investigação.

Em depoimento, Pastor Gil afirmou que a insistência em encontrar com o prefeito era para avisar que nem ele nem Josimar Maranhãozinho tinham relação com as cobranças do agiota Pacovan.

"Eu tive a ideia de fazer uma reunião entre eu, ele [o prefeito] e Josimar quando ele citou o nome do Josimar, que ele disse, assim, 'ele [o agiota] usa nome de autoridades, de políticos, inclusive, ele está usando o teu nome e o de Josimar', aí eu me senti na obrigação já de proteger Josimar. Então, eu disse: 'Não seria bom a gente fazer uma reunião, eu, o senhor e ele, para o senhor falar sobre essa questão, esclarecer isso?'", disse.

O Ministério Público Federal trata as versões como insustentáveis, assim como a de outro réu que justifica as cobranças como pagamento de um empréstimo que não conseguira quitar.

Este caso é relatado pelo ministro Cristiano Zanin. Na última sexta (12), o ministro Flávio Dino autorizou uma busca e apreensão na Câmara dos Deputados, com foco em uma assessora do ex-presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), apontada por ao menos três parlamentares como organizadora de planilhas para pagamento de emendas em diversas comissões, cujo ordenador e o destinatário não eram apontados.

O caso dos deputados do PL nordestino é apenas o primeiro fio de uma longa meada de investigações em andamento.

(As informações são da colunista Daniela Lima/UOL)

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