"Então sai de perto de mim (....), você não encosta em mim mais".
Essa fala, da estudante de medicina Gabriela Campos Duarte Machado, de 22 anos, aparece em um vídeo gravado por ela, em que a jovem pede para o ex-namorado, José Flávio Carneiro dos Santos, de 27 anos, se afastar, após ter sido agredida por ele, no dia 23 de setembro.
Ele foi preso em flagrante, e liberado após pagar fiança de R$ 5 mil.O caso veio à tona depois que Gabriela relatou as agressões nas redes sociais, no domingo (26).
Enquanto José Flávio estava na delegacia, no domingo, ele chegou a mandar mensagem para uma amiga, dizendo: "Sentei a mão nela, tô preso".
Em nota enviada na tarde desta quinta-feira, o advogado de defesa de José disse que lamenta" os "fatos ocorridos", mas diz que se trata de "fato pontual".
"A defesa de José Flávio Carneiro dos Santos, vem a público noticiar que seu constituinte lamenta profundamente os fatos ocorridos, esperando, contudo, que tal fato pontual não seja utilizado como o tem sido para a promoção pessoal de quem quer que o seja, e, acreditando na justiça, repelimos as agressões e ameaças a que tem sido compelido o cliente (....)", disse a nota.
Ao saber sobre a nota divulgada pelo ex-namorado, Gabriela disse ao g1 que "não faz sentido falar que isso é uma promoção".
"Estou fazendo isso porque tenho medo de verdade e culpabilizar a vítima é deslegitimar minha coragem de falar tudo que eu passei na mão dele, por isso ninguém tem coragem de falar sobre o assunto, é lamentável mesmo", disse ela.
Agressão e estupro
Outras duas mulheres procuraram a polícia e registraram boletins de ocorrência contra José Flávio Carneiro dos Santos. As ocorrências foram registradas nesta quarta-feira (29), em Belo Horizonte e na cidade de São Paulo.
Um dos boletins de ocorrência foi registrado na capital mineira. A vítima de 26 anos, que não terá a identidade revelada, era considerada amiga do estudante e o acusa de estupro.
A jovem relatou aos policiais que, na manhã do dia 15 de novembro de 2020, ela acordou na cama de José Flávio. Ao questioná-lo a respeito do que havia acontecido, ele disse que os dois tiveram relação sexual e falou: "Volta a dormir que amanhã a gente conversa".
A vítima alegou no boletim de ocorrência que não se lembra do ocorrido.
Ela relatou que, na véspera, após almoçar com José, os dois foram para um outro bar, onde ela iria encontrar com outros amigos. No local, eles fizeram uso de bebidas alcoólicas e ela disse que não se lembra de como chegou na casa de José Flávio.
A ocorrência foi registrada na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher da Polícia Civil de BH.
'Pior seis meses da minha vida'
O outro boletim de ocorrência contra José Flávio Carneiro dos Santos foi registrado no Centro de São Paulo. Nele, a ex-namorada de 27 anos relata abusos físicos e psicológicos sofridos por ela durante seis meses de relacionamento com o estudante de medicina.
A identidade dela também não será divulgada na reportagem.
"Teve uma vez que, devido a uma crise de ciúmes por eu ter recebido uma mensagem de um amigo, estávamos na estrada e ele começou me agredindo verbalmente, jogava o carro em cima de carros e caminhões ameaçando nos matar, puxava minha cabeça com força pelo cabelo e me obrigava a fazer sexo oral nele. Nos meios dos surtos, ele empurrava minha cabeça no vidro, jogando carro nos outros na estrada, gritando que queria nos matar. Eu achei que não sairia viva dali", disse a vítima.
Ainda de acordo com o relato dela na delegacia, "todas as vezes" que ela tentava terminar o relacionamento amoroso, ele ameaçava se matar.
"Ele ficava plantado na porta da minha casa, essas perseguições eram muito comuns, não aceitava o término de forma alguma. São muitas histórias, foram os piores seis meses da minha vida de agressões físicas e psicológicas constantes", contou.
A vítima contou também que luta para recuperar o "dano psicológico" causado por ele após as agressões.
"A tortura psicológica foi com certeza o pior de tudo, ataques de ciúmes, xingamentos, controle e proibições, jogou minha autoestima no lixo, eu nunca consegui recuperar o dano psicológico que ele me causou, as perturbações. Eu ficava acordada à noite pra ter paz, pois durante o dia ele sugava todas minhas energias com abusos psicológicos".
Na terça-feira (28), o juiz da 3º Juizado de Violência Doméstica, Richard Fernando da Silva, determinou medidas protetivas contra José Flávio.
Com isso, ele está proibido de se aproximar da jovem. O juiz ainda determinou monitoramento eletrônico.
'Apurar a conduta'
Após nota de repúdio divulgada, na terça-feira (28), pelo diretório acadêmico da faculdade de medicina da PUC Minas em Betim, na Grande BH, a universidade enviou nota, na tarde desta quinta-feira (30) dizendo que "constituiu uma Comissão de Controle de Infrações Disciplinares para apurar a conduta disciplinar de um aluno do Curso de Medicina, Campus Betim, por fato que envolve uma também aluna do mesmo Curso, como divulgado pela imprensa e nas redes sociais".
Segundo a nota, a previsão do término dos "trabalhos da referida Comissão, que atuará em caráter reservado, é de 30 dias, segundo as normas regimentais da Instituição".
Relembre o caso
"Postei para me proteger e proteger as outras meninas” , disse Gabriela.
Ela contou que as últimas agressões aconteceram dentro do apartamento do ex-namorado, na Savassi, região nobre de Belo Horizonte.
"Esta foi a quarta vez que ele me bateu. Estávamos voltando de um relacionamento totalmente abusivo, mas estava dando uma chance, ainda era segredo. Foi quando eu vi uma mensagem de uma menina falando que era namorada dele, fui questionar e ele já veio para cima de mim", contou Gabriela.
Desmaio e resgate de vizinhos
A vítima disse que ele chegou a trancá-la no quarto, onde começou a espancá-la. Ela falou ainda que chegou a fingir que estava desmaiada para que o namorado parasse as agressões.
"Ele só parou quando ouviu os vizinhos falando que iam chamar a polícia. Tive medo de morrer", relatou a estudante.
Os vizinhos ouviram os gritos de Gabriela, conseguiram invadir o apartamento e a levaram para a delegacia, onde foi registrado um boletim de ocorrência.
"Ela estava com sangramento na orelha, o pescoço bem vermelho, os braços, as pernas. Não tinha nenhuma lesão maior, só a da orelha mesmo, que estava sangrando", disse uma vizinha, que preferiu não se identificar.
Pagou fiança e bebeu com amigos
"Depois de me bater, no dia seguinte, ele foi beber com os amigos, pelo que soube, e ainda vi nas redes sociais que ele viajou no sábado para São Paulo para fazer uma tatuagem, ou seja, vida normal. Eu sei que preso ele não vai ser porque ele é rico. Só quero ele longe de mim", disse.
Gabriela disse que, depois da publicação nas redes sociais, outras meninas a procuraram dizendo que também foram vítimas de agressões pelo suspeito.
Estrangulamentos e murros
Gabriela disse que o relacionamento dos dois era muito conturbado. A primeira vez que ela sofreu agressão foi no dia 12 de setembro de 2020. A segunda aconteceu no dia 2 de janeiro deste ano. A terceira foi no dia 7 de abril. A quarta e última, no dia 23 de setembro.
"As coisas começaram muito sutis. Um xingamento ou outro, me cercando na porta da minha casa, insistência no telefone, um aperto no braço. Aí viraram estrangulamentos e murros. Me tornei uma pessoa insegura, ciumenta, medrosa e incapaz de discernir o que era amor, cuidado e atenção. Por que eu voltava? Porque eu amei ele demais e fingia que nada havia acontecido, mas agora não tenho medo mais, chega, sabe?", disse.
A jovem entrou na Justiça pedindo medida protetiva contra o ex-namorado e disse que espera que "algo seja mudado".
"Eu quero que ele sofra com isso, que sofra consequência, não desejo mal, mas quero que ele mude, que fique muito longe de mim”, deseja Gabriela.