Uma família que vive com o consentimento de delegados há 17 anos numa área pública aos fundos da Delegacia Municipal de Polícia de Batatais (352 km de São Paulo) foi presa em flagrante sob a acusação de furto de água pelo novo delegado titular, que pedia a desocupação do imóvel desde setembro de 2012.
A balconista Débora Priscila Maggi, 30, e a mãe dela, Ercilia, 49, dividiram na semana passada uma cela com seis mulheres na Cadeia Feminina de Franca (400 km de São Paulo) por 36 horas, o mesmo tempo em que o marido, vendedor Rodrigo Fantacccini, 35, permaneceu trancafiado em Batatais com oito presos acusados de homicídio e tráfico. As duas mulheres foram levadas algemadas de Batatais para Franca.
O delegado Alan Bazalha Lopes caracterizou o flagrante como furto qualificado, em vez de simples, o que tirou dos réus o direito de pagar fiança e seguir em liberdade. Ele argumentou que houve concurso de mais de uma pessoa para a prática do suposto crime.
Lopes também mandou recolher a um pátio uma moto e um Fiat da família, que estavam na área em que fica a casa, por "abandono de veículos em área pública", e determinou o corte do fornecimento de água do imóvel.
Antes de tomar as medidas, na semana passada, o delegado pressionava os moradores a sair do imóvel com notificações para prestar depoimento na delegacia, que fica cerca de 40 metros da casa. "Nós comparecemos a todas, esperamos por horas e depois fomos dispensados sem ser ouvidos", afirmou Débora.
Em outubro, o delegado mandou à família uma notificação extrajudicial de despejo para que saíssem da moradia em 15 dias, que não foi atendida. "Não temos para onde ir", afirmou o vendedor.
Quando foram libertados, na quinta-feira (17) da semana passada, no habeas corpus de soltura dos acusados a juíza Laura Maniglia Puccinelli Diniz condicionou a liberdade provisória da balconista, do marido e da mãe à saída do imóvel em 15 dias.
O advogado da família acusada de furto, André Baldochi, 26, ingressou com um habeas corpus preventivo no Tribunal de Justiça para evitar uma nova prisão dos seus clientes.
"Se o tribunal acatar o pedido, eles poderão ficar no imóvel sem correr o risco de voltar à prisão. Aí, para sair, vai depender de uma ação de reintegração de posse da Procuradoria Geral do Estado", afirmou o advogado. Segundo ele, o delegado alegou questões de segurança para pedir a desocupação do imóvel.
A balconista Débora afirma que, no passado, delegados permitiram que a família morasse no imóvel em troca do trabalho do pai, que é serviços gerais. Ele cortava a grama e fazia reparos em encanamentos e fiação elétrica.
Ele não foi preso porque deixou a casa após se separar da mãe dela.
"Está sendo uma grande humilhação para nós. Estamos sem água, meus dois filhos têm de ficar na casa da minha sogra e estamos usando água de galão para escovar os dentes e outras necessidades. Não pagávamos o fornecimento porque nunca foi cobrado", disse a balconista.
O terreno onde Débora, a mãe, o marido e os filhos residem tem cerca de 200 metros quadrados. A casa possui dois quartos, sala, cozinha e é cercado por tela. A família afirma que precisaria de mais tempo para achar outro lugar para morar.
A comissão de direitos humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Batatais afirmou que, caso receba uma reclamação formal, vai coletar depoimentos sobre o caso.
"Vamos ouvir testemunhas e enviar o procedimento para a Corregedoria da Polícia, que vai dizer se houve ou não abuso de autoridade", afirma Regina Leal, 50, presidente da entidade no município.
Outro lado
O delegado Lopes foi procurado pela reportagem para se manifestar, mas ele está em férias, segundo funcionários da delegacia.
A assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Segurança Pública de São Paulo afirmou, em nota, que "foi feito um flagrante conforme os preceitos legais".
Ainda de acordo com a nota, a Procuradoria Geral do Estado ingressou com uma reintegração de posse contra os moradores. O advogado Baldochi e a família negam a existência do pedido de reintegração.
A assessoria de imprensa da Procuradoria Geral de Justiça informou à reportagem que iria pesquisar se existe ação relacionada à área que pertence ao Estado em Batatais. A resposta não foi enviada até as 17h desta quarta-feira (23).
O promotor criminal Eduardo Pereira de Souza Gomes, que pode eventualmente denunciar os moradores por furto de água à Justiça, preferiu não comentar o assunto, que está em fase de inquérito na polícia.