“Novo cangaço” instala medo no interior do Ceará

Novo quadro de violência chega ao Interior com bandidos fortemente armados e policiamento precário.

Ilustração. | Divulgação
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A onda de assaltos contra agências bancárias, postos dos Correios e casas lotéricas no Interior do Ceará tem deixado as autoridades preocupadas. O crescimento da violência assusta os moradores das pequenas cidades que até há poucos anos eram tidas como pacatas e seguras. A criminalidade saiu dos grandes centros e chegou aos municípios do sertão cearense, aos núcleos urbanos e às vilas rurais. "Infelizmente é uma realidade inegável", admite o coronel da PM, Francisco de Araújo Andrade, comandante do Policiamento do Interior. "Estamos vivenciando o fenômeno do novo cangaço".

Esse novo quadro de violência está estampado nas páginas dos jornais quase que semanalmente. E o que o Estado está fazendo para prevenir ou reprimir essa onda de assaltos? "Estamos vendo isso como uma mudança no quadro da criminalidade que era restrita às grandes cidades", observa o coronel Andrade. "O governo investiu em aquisição de novas viaturas, melhoria do armamento e contratação de novos policiais".

O coronel Andrade admite que o efetivo atual ainda está aquém da necessidade real, legal e do que prevê organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU). Mas pondera: "Em quatro anos, incluímos mais de quatro mil policiais. Um acréscimo de um terço do total que existia anteriormente".

De acordo com o comandante do CPI, em breve serão selecionados mais 600 policiais que irão trabalhar em patrulhas. "O governo iria adquirir mais 300 veículos, mas uma ação judicial por meio de liminar suspendeu o processo de licitação para a compra das viaturas", frisou. "Um total de 175 municípios já estão com viaturas".

A esse quadro de crescimento do número de assaltos contra bancos, Correios e Casas Lotéricas, a Polícia Militar denomina como novo cangaço. "Grupos locais agem com a participação de bandidos oriundos de outros Estados", disse o coronel Andrade. "São quadrilhas interestaduais". Segundo o comandante, o serviço de inteligência da PM está monitorando alguns desses grupos e já tem alguns nomes identificados.

O coronel Andrade criticou a fragilidade do sistema de segurança dos bancos. "Fica muito a desejar", disse. "Vidraças simples, sem a menor proteção, um só vigilante armado de revólver e falta de porta giratória". A esse modelo inseguro, denominou de "inércia dos bancos". A consequência direta da insegurança e a facilidade com que as quadrilhas agem são a cobrança de ações eficazes por parte da Polícia Militar. "Os bancos e as Casas Lotéricas precisam também oferecer melhor segurança, mas parece que não há essa preocupação", disse o coronel Andrade.

Efetivo reduzido

Na avaliação do coronel Edvar Azevedo, comandante da 2ª Companhia de Polícia Militar em Iguatu, que tem área de abrangência de 13 municípios, a principal dificuldade é o reduzido número de policias e de viaturas, nas pequenas cidades. "Há um esforço para mudar essa realidade. Melhorou um pouco, mas ainda há deficiência".

Na região Centro-Sul, a estatística revela que o número de roubos de janeiro a agosto deste ano, em relação ao mesmo período de 2009, aumentou. As 161 ocorrências registradas nesse período pularam para 177, 16 casos a mais. A maior preocupação é com os municípios de Orós e de Piquet Carneiro.

A maioria das cidades só dispõe de destacamentos e de um efetivo diário muito reduzido, de apenas três policiais militares. Em Quixelô, por exemplo, a unidade ficou recentemente cinco meses sem viatura. O carro remanejado de Orós chegou há oito dias. Os três policiais que ficam no plantão dependiam apenas de uma moto e às vezes a Prefeitura cedia um carro, mas esse convênio foi cortado.

Desde novembro do ano passado, a viatura de Quixelô quebrou e foi encaminhada para uma oficina em Quixadá, mas até hoje não foi consertada. A licitação para o serviço de manutenção não foi renovada. Sem verba para a recuperação dos carros, a situação fica difícil quando um dos veículos fica quebrado. "A gente está tentando dar um jeito por aqui com apoio das prefeituras", explica o coronel Edvar Azevedo.

Mudança de escala

A cidade de Mombaça registra maior violência que Acopiara, mas esta tem maior número de viaturas e de policiais do que aquela, com a chegada do programa Ronda do Quarteirão. Para o coronel Edvar Azevedo, a mudança da escala dos policiais militares, reduzindo de 12 horas para oito horas diárias, dificultou ainda mais o serviço.

Nas pequenas cidades é comum ficar apenas dois policiais, porque sempre um está de licença ou falta por outro motivo. "Se não colocarmos mais homens nas ruas, a situação tende a ficar mais difícil", observou. "Esses assaltos tendem a continuar, pois o efetivo é reduzido".

Nos destacamentos presentes nas pequenas cidades, os policiais trabalham sem condições. As viaturas são velhas e quebram com facilidade. O reduzido efetivo é uma das dificuldades. "Não temos como reagir quando ocorre um assalto", disse um policial que pediu para não ser identificado. "Somos três homens e não podemos enfrentar uma quadrilha fortemente armada".

Quando acontece um assalto, os policiais chamam reforço, mas costumam sair da unidade somente minutos após a fuga dos assaltantes. Foi o que ocorreu nos últimos três assaltos ocorridos nos Municípios de Orós, Piquet Carneiro e Catarina, com prejuízo para a população e sistema de pagamento.

CARIRI

Falta de estrutura quebra tranquilidade nas cidades

Potengi. Com uma população estimada em 10.144 habitantes, Potengi conta apenas com duas equipes de três policiais que se revezam dia e noite para garantir a segurança da população. O efetivo é comandado pelo primeiro-sargento José Carlos de Oliveira, que responde também pela unidade policial.

A unidade não possui telefone. O atendimento é feito num orelhão que, no momento, está quebrado. O escrivão Antonio Honorato foi cedido pela Prefeitura e o computador, emprestado pela Câmara Municipal, não está conectado à Internet. Os móveis da sala do comandante, três birôs, também são da Prefeitura. Até a alimentação dos policiais é fornecida pelo prefeito Samuel Carlos Alencar.

O sargento procura suprir a carência de recursos humanos e materiais promovendo palestras nas escolas e associações comunitárias. Ele circula na única viatura policial doada pelo Estado com o objetivo de mostrar a presença da polícia.

O pequeno contingente é auxiliado por agentes do programa Pró-Cidadania, uma versão municipal do Ronda do Quarteirão. Os agentes ganham um salário mínimo.

Na porta da Unidade, o retrato da violência. A foto do soldado Iracildo, que foi morto por bandidos num assalto à agência do Banco do Brasil de Potengi, em 2007. Este mês, houve outra tentativa de assalto ao banco. A casa lotérica da cidade também já foi assaltada.

A falta de condições do aparelho policial ameaça o clima de tranquilidade de seus moradores, que ainda se sentam nas calçadas para "um dedo de prosa". O aposentado Francisco Raimundo da Silva garante que o padroeiro da cidade, São José, cuida da segurança do povo. Mas por via das dúvidas, boa parte das casas é protegida com grades de ferro. O sargento esclarece que não se trata de medo, e sim uma questão cultural, de decoração.

Em Abaiara, o último homicídio foi registrado há mais de cinco, mas há a necessidade de mais policiais e de uma delegacia adequada. Em seis meses, cinco motos foram furtadas. Um ano atrás, segundo o prefeito local, Chico Sampaio, uma quadrilha foi desarticulada pela Polícia Federal no Sítio Lagoa do Mato, no Município, e planejava assalto a banco, em Mauriti, cidade vizinha. Comentava-se neste período, diz ele, um arrastão em Abaiara.

O prefeito afirma não ser suficiente o atual efetivo de oito homens para cobrir a cidade e acredita que o fato de Abaiara ser o quarto Município mais tranquilo do Estado fez com que a conquista da nova viatura fosse adiada. A Prefeitura atualmente se responsabiliza pela alimentação dos presos e dos policiais, além de pagar os salários do carcereiro, cozinheiro, e funcionários da limpeza, além de cuidar da manutenção da única viatura. Abaiara não conta com uma Delegacia Civil. Os boletins de ocorrência são registrados na Delegacia de Brejo Santo, a meia hora da cidade.

A forma de pagamento dos salários dos servidores da cidade facilita a atuação da Polícia. Segundo o sargento Carlos Alberto Moreira, não vale a pena uma quadrilha ter que assaltar em um só lugar, porque há vários caixas pela cidade, inclusive com pagamento acontecendo nos Correios e caixas eletrônicos em diversos pontos. "Nesse dia nos colocamos em pontos estratégicos", diz ele.

O destacamento policial, ligado à 3ª Companhia de Polícia, em Brejo Santo, funciona numa casa adaptada. Os oito agentes se revezam, em até 72 horas ininterruptas de trabalho. Os policiais sentem falta de uma estrutura adequada.

O prédio está com rachaduras e as condições de alojamento são precárias. A cela onde se encontra o único detento precisa de melhorias.

A moradora Maria das Graças Ribeiro ressalta que ninguém está livre da violência hoje. Ela lembra de um assalto há cerca de oito anos, nos Correios, e que até hoje não se sabe quem foi o autor do delito. "O guarda estava lá e foi refém".

NOVO FENÔMENO

Estamos diante de um fenômeno do novo cangaço com o crescimento da violência"

Cel. Francisco de Araújo Andrade

Comandante do Policiamento no Interior

"Os assaltos tendem a continuar. Precisamos de viaturas e mais policiais"

Coronel Edvar Azevedo

Comandante da 2ª Companhia de Iguatu

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