Ter a filha de 17 anos em casa por mais de uma semana é raridade para a empregada doméstica Luciana Pereira da Silva de Mogi das Cruzes (SP). Desde que a adolescente começou a usar drogas há cinco anos, ela diz não ter mais um dia sequer de sossego. ?Minha vida está um inferno, fico perambulando pela cidade atrás dela?. Desesperada e sem conseguir tratamento para a filha, Luciana abandonou o emprego para ficar trancada com a adolescente em casa. Ela diz que não pode sair com a filha nem para ir a consultas para evitar as fugas. A Prefeitura, que oferece tratamento ambulatorial, não disponibiliza atendimento domiciliar. Para Luciana, a única solução seria interná-la.
Ela confessa que já chegou até acorrentar a adolescente por várias vezes. ?Se ela está amarrada fico feliz porque pelo menos sei onde minha filha está?, diz a mãe. Para a filha não fugir, Luciana prendia os pés dela com correntes e cadeado no pé do fogão ou da cama. ?Muitas vezes tive que acorrentá-la para ir trabalhar e mesmo assim ela conseguia escapar quebrando as janelas de casa. Tudo para sair e usar drogas?, revela. A empregada doméstica ainda tenta justificar a ação. ?Já encontrei várias vezes minha filha desfigurada na rua e se prostituindo. Pelo menos presa, ela estava cheirosa e bem alimentada. Assim, sei que ela está bem. Hoje só não faço mais isso porque como ela gritava e pedia socorro, os vizinhos chamavam a polícia.?
Em casa desde o último dia 11 de agosto, a adolescente reclama da atitude da mãe, mas admite não conseguir se livrar do vício sozinha. ?Não gosto de ficar presa, mas se eu sair vou usar crack. Sinto muita vontade. Quero mudar, mas sozinha não estou conseguindo?, afirma.
Sem usar drogas há mais de uma semana a jovem tenta controlar os sintomas da abstinência. ?Quero me internar e me tratar. Fico ansiosa e nervosa sem o crack?, revela.
Sem alternativa, há um ano Luciana decidiu parar de trabalhar para cuidar da filha. Hoje, ela e a adolescente ficam "presas" na casa de um cômodo, na Vila Nova Aparecida. ?Não posso sair. Também estou presa. Como não posso acorrentá-la, estamos trancadas juntas. Preciso ficar de olho nela e por isso não posso trabalhar. Estou me sentindo destruída.?
Para ter uma rende, parte da casa foi alugada. ?Estou devendo cerca de R$ 2 mil das prestações do terreno. Posso ainda perder a casa. Com os R$ 200 do aluguel consigo só comprar comida?. Além da adolescente, Luciana ainda mora com mais um filho, de 14 anos.
De acordo ela, a menina começou a usar drogas aos 12 anos. ?Já fiz de tudo. Fui ao Conselho Tutelar, ao Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Nesses dois anos cansei, e hoje não voltei mais para conseguir ajuda. Perdi a fé nessas entidades. Por isso, a única solução foi me trancar com minha filha em casa.?
A empregada doméstica alega que a única ajuda da Prefeitura foi uma consulta com uma psiquiatra no Ambulatório de Saúde Mental, onde, quando criança, a jovem já fez um tratamento. ?Como ela era muito agressiva quando tinha 7 anos fizemos um tratamento no ambulatório. Quando ela começou a usar drogas, a psiquiatra já havia dado alta para a minha filha?, conta. ?Diante da situação das drogas voltamos para a unidade e durante a consulta a doutora não quis atestar a necessidade de internação". Sem isso, o juiz informou que não pode autorizar esse tipo de intervenção?. A última consulta foi há uma ano.
Em nota a prefeitura informou que a paciente de 17 anos esteve em acompanhamento no Ambulatório Municipal de Saúde, mas interrompeu o tratamento. O último reagendamento para consulta médica foi feito em maio do ano passado, mas a paciente faltou e não procurou a unidade para uma nova marcação.
A recomendação da Secretaria Municipal de Saúde é de que a mãe da adolescente volte a procurar o Creas para solicitar uma nova consulta. Sobre a disponibilidade de visitas domiciliares para tratamento de dependentes químicos, a secretaria informou que não oferece esse serviço.
Tratamento
De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, a internação nunca é a primeira opção em casos de dependência química e o atendimento ambulatorial fica a cargo de cada município por meio de alguma unidade de saúde. Sendo atestada pela equipe médica a necessidade da internação, o município solicita para a Secretaria Estadual uma vaga dentre as mais de mil espalhadas pelo Estado.
Em Mogi, as 20 vagas para dependentes químicos, previstas para setembro deste ano no Hospital Doutor Arnaldo Pezzuti Cavalcanti, serão para mulheres, inclusive grávidas e adolescentes.
Já a Prefeitura de Mogi esclarece que a cidade conta com atendimento ambulatorial, por meio do Ambulatório Municipal de Saúde Mental, e também por meio de parcerias mantidas com entidades sociais do município, que recebem subvenção para o desenvolvimento destes trabalhos.
Além disso, a Secretaria Municipal de Saúde informa que o município está entre os 11 do Estado contemplados pelo Cartão Recomeço, em fase de implantação. Ainda não há previsão, porém, para o começo do serviço na cidade.