Oito dias depois do encontro do corpo do menino Bernardo Boldrini, e do depoimento no qual a assistente social Edelvania Wirganovicz confessou ter participado do assassinato do menino, a madrasta e principal suspeita do crime, a enfermeira Graciele Ugulini, chorava ao ser interrogada na Delegacia de Três Passos, no noroeste do Rio Grande do Sul. Em imagens gravadas pela Polícia Civil e obtidas nesta semana pelo Fantástico (veja no vídeo acima), ela negou ter aplicado uma injeção letal, e diz que a morte foi decorrente de uma superdosagem de remédios que ela havia dado ao menino.
"Nunca tive intenção de fazer uma coisa dessas. Devia ter contado antes. Não contei para ninguém. Não sei como consegui guardar isso comigo", disse Graciele.
Quando prestou o depoimento, a enfermeira ainda estava na mesma delegacia onde foi preso também o pai do menino, o médico Leandro Boldrini. O corpo de Bernardo foi localizado no dia 14 de abril enterrado em um matagal na área rural de Frederico Westphalen, a cerca de 80 km de Três Passos, onde ele residia com a família. O menino estava desaparecido desde 4 de abril. O pai, a madrasta, a amiga dela, e o irmão da amiga, Evandro Wirganovicz, são os réus pelo assassinato.
Enfermeira diz ter dado remédios ao menino
No dia 4 de abril, Graciele foi vista levando Bernardo de carro em direção a Frederico Westphalen pela ERS-472, quando foi multada por excesso de velocidade. Ela contou que, durante o trajeto, Bernardo pedia para retornar após a polícia ter abordado.
"Falei que não, que não iríamos voltar, que estávamos no caminho. Eu já estava nervosa, estava com problemas pessoais, estava meio atordoada. Abri minha bolsa no caminho. Dei um remédio a ele, não lembro bem o que era. Acho que era ritalina", contou. "O guri começou a agitar, agitar, e incomodar. Eu peguei alguns remédios que eu tinha. Tinha os remédios dele", prosseguiu Graciele, garantindo que não aplicou nenhuma injeção em Bernardo.
Segundo a enfermeira, o enteado morreu dentro do carro, na frente dela e da amiga Edelvania. "De repente, vi que ele começou a babar, dormindo. Aí, eu disse: "esse guri não está bem". Chamei, sacudi ele, nada. Comentei ainda com a Edi: "acho que dei muito remédio para esse guri". Na verdade, não tinha mais pulso, já estava morto. Sou enfermeira. Eu sei, eu conheço", disse a assistente.
Edelvania apontou local para ocultar cadáver
Em vez de procurar a polícia, ou levar Bernardo a um hospital, a enfermeira optou por tentar ocultar o cadáver em um local apontado por Edelvania. "Foi a única saída que eu achei", justifica, antes de cobrir o rosto com a mão e chorar. "Ela me levou para esse lugar. Não sei onde é. E lá, a gente enterrou", contou.
Ao contrário do que Edelvania havia dito, Graciele negou ter oferecido dinheiro à amiga. Além disso, a enfermeira disse não ter contado ao marido sobre a morte de Bernardo.
"Resolvi falar que tinha ido dormir no colega. Não queria ter feito nada disso. Sei que eu deveria ter pelo menos pedido ajuda a alguém, mas eu estava tão desesperada que só queria consumir com o corpo", afirmou a enfermeira. Em meio às lágrimas, Graciele negou ter tido intenção de cometer o crime "Eu não fiz por querer, eu nunca quis fazer isso", garantiu.
Confissão de Edelvania foi essencial, diz polícia
Edelvania havia dado um depoimento, também gravado pela Polícia Civil e exibido pelo Fantástico, no mesmo dia em que o corpo da criança foi encontrado. Na gravação, a ré diz que a madrasta do menino, Graciele Ugulini, ?deixou entender? que também matou por interesse financeiro e que o pai, Leandro Boldrini, não saberia do plano, mas, segundo ela, ?daria graças no futuro?, pela consumação do homicídio.
A confissão de Edelvania foi considerada essencial pela polícia para que os quatro primeiros suspeitos fossem presos, ainda durante o período das investigações. Durante mais de uma hora, ela conta ter sido convidada pela madrasta para atuar no crime em troca do pagamento da dívida do seu apartamento, localizado em Frederico Westphalen, estimado em R$ 90 mil.
Advogados comentam depoimentos
Advogado da avó materna de Bernardo, Jussara Uglione, Marlon Taborda atua como assistente de acusação no processo. Ele acredita que o crime foi premeditado. ?Ela tenta justificar que foi um erro quando as circunstâncias demonstram que não foi. Enfim, ela fez um teatro, ela armou um teatro e ela não me convenceu?, afirmou.
Taborda acredita na participação de Leandro Boldrini no crime. "Vejo ele como articulador de todas as condutas. Inclusive no que se refere: ?façam, mas eu não posso aparecer?", afirmou.
O advogado de defesa do cirurgião, Jader Marques, nega a possibilidade de ele ser o mentor intelectual do crime, fato negado por Edelvania em seu depoimento. "A acusação de que ele seja o mentor intelectual não encontra amparo nem na versão dada por Edelvania, completa, que elucidou todo o fato. Não encontra amparo na versão dada pela Graciele. Não há nada no inquérito policial que confirme essa possibilidade", afirmou Marques.
O G1 entrou em contato com os advogados de Edelvania e Graciele, que não quiseram comentar a gravação. Nos próximos dias, a Justiça deve analisar se o pai de Bernardo pode responder ao processo em liberdade. O advogado de defesa dele, Jader Marques, nega a possibilidade de ele ser o mentor intelectual do crime, fato negado por Edelvania em seu depoimento.
Amiga confessa crime e motivação financeira
Em seu depoimento, Edelvania confessou ter participado do assassinato, cometido por meio de uma injeção letal aplicada por Graciele, e disse ter recebido uma quantia para participar do crime. "Foram R$ 6 mil em dinheiro. Notas de 50 e 100. Paguei a prestação do meu apartamento. Estavam me cobrando. Eu não tinha o dinheiro. Estava pagando com muita dificuldade. Ela me ofereceu muito dinheiro e acabei sendo fraca. Eu não teria que botar a mão em ninguém pra matar. Eu só teria que cavocar e enterrar. E foi a besteira que eu fiz na minha vida", afirmou.
Entenda
Conforme alegou a família, Bernardo teria sido visto pela última vez às 18h do dia 4 de abril, quando ia dormir na casa de um amigo, que ficava a duas quadras de distância da residência da família. No dia 6 de abril, o pai do menino disse que foi até a casa do amigo, mas foi comunicado que o filho não estava lá e nem havia chegado nos dias anteriores.
No início da tarde do dia 4, a madrasta foi multada por excesso de velocidade. A infração foi registrada na ERS-472, em um trecho entre os municípios de Tenente Portela e Palmitinho. Graciele trafegava a 117 km/h e seguia em direção a Frederico Westphalen. O Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) disse que ela estava acompanhada do menino. A madrasta informou que ia a Frederico Westphalen comprar um televisor.
O pai registrou o desaparecimento do menino no dia 6, e a polícia começou a investigar o caso. No dia 14 de abril, o corpo do garoto foi localizado. De acordo com a delegada responsável pela investigação, o menino foi morto por uma injeção letal.
O processo criminal
No mês passado, a Justiça negou um novo pedido de liberdade para Leandro Boldrini, no processo sobre o assassinato do filho. O pedido de habeas corpus foi feito pelo advogado de Leandro, Jader Marques.
Segundo o Tribunal de Justiça (TJ-RS), o defensor alegou "falta de requisitos para manter a prisão cautelar do acusado", além de solicitar a transferência do processo da Comarca de Três Passos para Frederico Westphalen, onde o menino foi encontrado morto.
Segundo as investigações da Polícia Civil, Bernardo foi morto com uma superdosagem de um sedativo e depois enterrado em uma cova rasa.
O inquérito apontou que Leandro Boldrini atuou no crime de homicídio e ocultação de cadáver como mentor, juntamente com Graciele. Ainda conforme a polícia, ele também auxiliou na compra do remédio em comprimidos, fornecendo a receita azul. Leandro e Graciele arquitetaram o plano, assim como a história para que tal crime ficasse impune, e contaram com a colaboração de Edelvania e Evandro.