O Conselho Nacional de Justiça descobriu o que considera ser um dos casos mais graves da história do Judiciário no país: o lavrador Valmir Romário de Almeida, 42, passou quase 11 anos preso no Espírito Santo sem nunca ter sido julgado.
Valmir é acusado de ter matado com uma machadada na cabeça um ex-cunhado, em 1998. Passou por quatro presídios e não teve direito de sair da prisão nem mesmo para o enterro da mãe, em 2007. O tempo que ficou na cadeia é um terço da pena máxima que pode ser aplicada no Brasil (30 anos).
Seu advogado, um defensor público da cidade de Ecoporanga (328 km de Vitória), sempre alegou que ele tinha problemas psiquiátricos, mas nunca pediu um habeas corpus. Valmir confessou o crime e disse à polícia que matou o ex-cunhado porque um dia apanhou dele.
Se tivesse sido julgado e condenado, pelo tempo que passou na cadeia, Valmir já teria direito a progressão de regime -cumprir o resto em prisão aberta (com a obrigação de se apresentar frequentemente ao juiz) ou semiaberta (quando só dorme na penitenciária).
O lavrador só saiu da prisão em maio, quando um assessor jurídico recém nomeado para o presídio em que ele estava, debruçou-se sobre uma pilha de casos e ficou sensibilizado. Em dez dias, conseguiu libertá-lo.
Embora seja considerado recorde no país, o caso de Valmir não é único. Segundo o CNJ, 42,9% dos 446,6 mil presidiários cumprem prisão provisória. A situação vem se agravando. Em 1995, menos de um terço (28,4%) dos 148,7 mil presos não tinham sido julgados.
Outros casos excepcionais foram encontrados pelo CNJ. No Maranhão uma pessoa ficou oito anos presa quando sua pena era de quatro anos. No Piauí e em Pernambuco, foram encontrados presos que já haviam sido absolvidos pela Justiça.
"Criou-se um mundo a parte. Nesse caso (do lavrador) falharam todos do sistema judicial", diz o presidente do CNJ, Gilmar Mendes.
Para Paulo Brossard, ex-ministro do STF e da Justiça, alguém ficar detido por 11 anos sem ser julgado é inaceitável.
Marcas
Os quase 11 anos de prisão deixaram sequelas em Valmir. A família diz que ele saiu do presídio "mais maluco". "Ele não consegue trabalhar e não fala coisa com coisa", diz a irmã Sirlene de Almeida.
Livre, o lavrador ficou um mês na casa da irmã em Ecoporanga. Em junho, foi para Vitória ver um irmão, que não queria recebê-lo. "Coloquei ele no ônibus no mesmo dia que chegou", diz o irmão João Batista.
Desde então, Valmir não foi mais visto. Como assinou na Justiça um termo se comprometendo a não sair da cidade, agora é considerado foragido. Detalhe, o julgamento ainda não foi marcado.