Um vídeo postado na internet que mostra policiais militares da Zona Norte de São Paulo mantendo contato físico de conotação sexual com mulheres ? uma delas sobe, inclusive, no capô do carro oficial ? durante uma ocorrência de perturbação do sossego em 2008 chegou recentemente ao conhecimento da Polícia Militar. Mais de dois anos depois, essas imagens estão sendo usadas para reabrir a investigação sobre o caso de indisciplina. Naquela época, o comando responsável pela região chegou a apurar a mesma denúncia, mas como não viu as cenas, só advertiu dois policiais pela conduta inapropriada.
Quatro policiais militares e dois carros da corporação estão envolvidos na ação ocorrida na Rua Araguaia Martins, no bairro Cachoeirinha, na Zona Norte. Eles foram filmados do alto de um imóvel por um morador. Incomodado com o barulho feito por um grupo de jovens em motos e carros, ele havia telefonado para o 190 da PM. Rapazes e moças bebiam e ouviam música alta.
A gravação de 6 minutos e 38 segundos foi parar no site YouTube em 5 de outubro de 2008. Nela, garotas de shorts e tops se atiram para dentro da janela dos carros da PM. Uma delas chega a subir no capô do veículo. Um homem aparece abrindo a porta e coloca uma jovem sentada no banco brincando que ela havia sido presa. Outro rapaz surge dando tapas no bumbum das moças na frente dos policiais, que não fazem nada. Não é possível saber se há adolescentes no grupo de baderneiros.
Nas cenas, é possível comprovar que os policiais não detiveram os suspeitos que estavam guiando embriagados e sem documentação as motos. Os veículos também não foram apreendidos.
?Os caras falaram que não têm documento da moto. O outro falou que não tem carta [habilitação para dirigir]. E o outro está tão bêbado que não consegue dirigir... falou isso para o guarda. E que o guarda falou? ?Que não tem nada a ver. Que as motos estão paradas e não vou fazer nada, meu??, narra o morador, que se mostra indignado ao filmar a ação policial na rua em frente à sua casa.
Sob o título ?festa do funk na araguaia martins-sp?, as cenas descritas acima foram vistas 1.078 vezes até 12 de abril, quando o G1 procurou a assessoria de imprensa da PM para comentar o assunto. A resposta do comando da Zona Norte veio nesta sexta-feira (10), quase dois meses depois do primeiro contato.
?Na ocasião, em 2008, após analisar os fatos, o comando local não conseguiu identificar todos os envolvidos nem individualizar as condutas e decidiu por advertir dois policiais militares. Recentemente, após ter acesso a outros elementos, foi determinada a instauração da sindicância nº 47BPMM-015/6/2011 para reavaliar o caso. Na sindicância, já foram ouvidas as pessoas que postaram o vídeo no YouTube, policiais militares que trabalharam naquela noite e outras provas foram obtidas, porém as investigações ainda estão em andamento. Assim que concluído o procedimento, novas informações serão passadas?, informa a nota divulgada pela Polícia Militar.
A decisão de reabrir o caso foi do coronel Antonio Marin, do Comando de Policiamento de Área metropolitana 3, responsável pela Zona Norte, segundo a PM. A sindicância foi reaberta para apurar se a conduta dos policiais incorreu em crime, contravenção ou indisciplina.
De acordo com a Polícia Militar, os quatro policiais envolvidos na ocorrência e que foram filmados em atitude suspeita pertenciam ao 9º Batalhão da PM. Atualmente, o 47º Batalhão é o responsável pela área norte. Os policiais suspeitos de conduta inadequada continuam trabalhando normalmente enquanto são investigados.
Na segunda-feira (13), as imagens haviam sido retiradas do YouTube. ?Este vídeo foi retirado pelo usuário. Desculpe?, dizia o site. Questionada, a PM informou que não pediu a retirada das cenas. O G1 não conseguiu localizar o responsável pelo vídeo para comentar o assunto.
Análise das imagens
Em abril, a pedido do G1, o perito Ricardo Molina, um dos maiores especialistas em fonéticas forenses do Brasil, analisou as cenas do vídeo que estava no YouTube. Ele também clareou as imagens para tentar identificar os envolvidos. Afirmou que uma das cenas mostra nitidamente uma moça estender os braços em direção ao órgão genital de um policial que estava no banco do motorista da viatura.
?Apesar de o vídeo ser antigo, mostra que os policiais estão acostumados com esse tipo de contato com as moças. É preciso saber quem são esses policiais e se esse tipo de comportamento da PM continua naquela região?, disse Molina naquela ocasião.
Ouvidoria
Procurada em abril pelo G1, a Ouvidoria das Polícias informou que ia encaminhar o caso para apuração da Polícia Militar.
?Os policiais envolvidos na ação podem incorrer em crime de prevaricação, por não terem cumprido com o dever de apreender as motos sem documentação e multar os donos delas. Também poderão sofrer punição administrativa por indisciplina. Eles foram coniventes com a baderna e negligentes por não impedi-la?, disse o ouvidor em exercício Julio Cesar Fernandes Neves.
?As imagens sugerem que os policiais não terminaram com aquela bagunça e não registraram a queixa contra o grupo em troca de algum favor. Dá a entender que eles permitiram contato físico de conotação sexual para não fazerem nada. Essas imagens denigrem a corporação?, criticou Fernandes Neves.
O vídeo
Após analisar as imagens do Youtube, Ricardo Molina descreveu o que viu no vídeo. Segundo o perito, o grupo faz barulho numa rua da capital paulista durante a noite. Os responsáveis pelas imagens ficam indignados ao ver um grupo ironizar a chegada dos policiais com gargalhadas e brincadeiras. Mulheres se debruçam para dentro das janelas. Elas disputam um espaço para tocar o corpo de um policial militar sentado no banco ao lado do motorista. Algumas empinam o bumbum e ficam rebolando, mexendo os quadris.
É possível ver pelas imagens que uma mulher deixa metade do corpo para dentro do carro da polícia, do lado do carona. Enquanto isso, uma jovem de blusa vermelha estende o braço esquerdo em direção ao órgão genital do policial do lado do motorista. A mesma cena se repete nos dois carros e duram alguns minutos.
?Tá passando a mão (...) guarda ali?, diz um voz feminina que está perto do cinegrafista amador, sugerindo que as garotas na rua estavam tocando a genitália de algum PM dentro do carro.
?As imagens não estão muito boas, estão escuras, mas sugerem que teve contato sexual. A gente presume isso porque as moças esticam os braços em direção aos órgãos sexuais dos policiais. Uma aparece estendendo mesmo o braço, tem uma conduta de provocação. E o policial deixa. O policial não apresenta nenhuma resistência. É uma falta de respeito. Os PMs dão muita liberdade ao grupo, principalmente para as moças. A impressão que dá é que os PMs estão acostumados com aquelas atitudes?, afirmou Molina.
?Em um dos trechos é possível escutar um rapaz dizer: ?ele vai te revistar, deixa ele revistar...? Em seguida, a mulher diz: ?Ai, eu também quero ser revistada??, disse Molina ao verificar o áudio das imagens.
Segundo o perito, também foi possível identificar os prefixos dos carros da PM no vídeo. Eles são: M- 09240 e M-09233. M corresponde à região metropolitana, onde atua a PM da área citada e da capital. 09 é o número do Batalhão da corporação. 2 pertence à 2ª Companhia. E 33 e 40 são os números correspondentes dos veículos que estavam operando.
Tapas no bumbum e mulher no capô
No intervalo dessas cenas, um homem com camiseta e bermuda aparece depois dando tapas no bumbum de duas garotas que estavam penduradas na janela de um dos automóveis da PM e sai rindo. Nas imagens é possível ouvir o som das palmadas.
Em outra imagem, uma mulher sobe no capô do carro da PM e fica ?de quatro?, se insinuando para os policiais que estão dentro do carro, mexendo os quadris compulsivamente até ser retirada pelos colegas.
?Foi um total desrespeito a moça subir no capô. Eles não fizeram nada. Como eles foram condescendentes, todos ficaram à vontade. É uma conivência com a farra. Quando estão sendo chamados para parar, eles participam?, disse o ouvidor em exercício Fernandes Neves.
Após mais de 2 minutos e 30 segundos de baderna do grupo, os carros da PM deixam a rua. Um dos veículos dá marcha a ré em alta velocidade. O grupo de arruaceiros continua na rua falando alto e fazendo barulho acelerando as motocicletas por mais quatro minutos e também vai embora.
"Os policiais foram chamados para impedir uma perturbação pública de sossego alheio. Chegaram lá e foram coniventes com a situação. Houve transgressão disciplinar por parte deles.
Não agiram como a PM deve agir?, criticou Fernandes Neves. ?Se a Polícia Miltiar punir os policiais envolvidos, eles poderão ser advertidos, suspensos, expulsos ou até presos.?
Ainda segundo a corporação, os policiais envolvidos na ocorrência agiram corretamente em relação ao chamado do reclamante: foram ao local por conta do som alto e acabaram com o barulho. Como o denunciante não quis ir com a PM ao distrito policial prestar queixa, os baderneiros não foram detidos e o caso não foi registrado na delegacia.