É complexo o esquema fraudulento apurado pelo Ministério Público (MP) que determinou na quinta-feira o indiciamento de 25 pessoas supostamente envolvidas com o desvio de pelo menos R$ 5 milhões do setor de marketing do Banrisul. Documentos apreendidos pela Polícia Federal mostram como o dinheiro saiu do caixa do banco. Orçamentos forjados, empresas laranjas, quarteirizações, planilhas de pagamentos de propina, codinomes, agentes públicos e privados são personagens da história.
O MP reuniu provas de que as operações que desfalcaram o Banrisul ocorreram entre 2006 e 2010, com intensificação das ações nos dois últimos anos do período. As agências de publicidade DCS e SLM detinham as contas de marketing do Banrisul. Em geral, os supostos crimes ocorriam quando o banco montava estandes e distribuía materiais gráficos em eventos.
As agências eram contatadas e acionavam terceirizadas para executar o serviço solicitado. Esse tipo de prática é legal. O delito supostamente ocorria a partir da ação de Davi Antunes de Oliveira, controlador de cerca de oito terceirizadas que eram revezadas na elaboração de orçamentos superfaturados, a maioria delas com laranjas no comando. Algumas das terceirizadas também eram ligadas supostamente a Walney Fehlberg, superintende de marketing do Banrisul.
De posse dos três orçamentos superfaturados, Walney e o ex-vice-presidente do Banrisul e ex-tesoureiro do PSDB Rubens Bordini conseguiriam a autorização de efetivação do gasto junto ao Comitê de Comunicação do Palácio Piratini, que não teve servidores denunciados porque o Ministério Público não encontrou elementos consistentes para fazer isso. Vencida a burocracia, as terceirizadas não executavam o serviço, mas contratavam empresas quarteirizadas que cobravam os valores reais de mercado.
A diferença entre o cobrado pelas terceirizadas, que recebiam o dinheiro do banco, e o preço de mercado pedido pelas quarteirizadas, se transformava no montante que era dividido entre os operadores do esquema. Em um dos casos apurados pelo MP, a terceirizada recebeu R$ 87 mil. Quando repassou o serviço para a quarteirizada, pagou apenas R$ 40 mil.
O saldo dessa e de outras operações era contabilizado em planilhas apreendidas pela Polícia Federal. Nelas constavam os beneficiados, sempre identificados por codinomes. O MP acredita que Bobô era Bordini, Mister era Walney, e Velho, Velhinho ou Velhinho do PMDB era Rodolfo Rospide Neto, ex-assessor da presidência do Banrisul e ex-tesoureiro peemedebista.
Denunciados foram chantageados
Parte dos operadores do esquema de desvio de recursos do departamento de Marketing do Banrisul foi chantageada por um indivíduo chamado por eles de "a bicha", que teria prestado um serviço de quarteirização e percebido o funcionamento da fraude.
"A bicha" passou a fazer ameaças e os operadores do esquema, que chegaram a pagar propina em troca do silêncio do potencial delator, temiam que ele denunciasse o caso ao Ministério Público. Em 27 de agosto de 2010, o superintendente de Marketing do Banrisul, Walney Fehlberg, e um publicitário conversaram por telefone sobre a aparição de "a bicha" na outra agência supostamente envolvida na fraude.
"Tu não sabe quem apareceu ontem...? "A bicha"... Meu Deus do céu, não nos livramos nunca desta bicha", disse o empresário. "Deve querer dinheiro, né", respondeu Fehlberg. Em outra conversa, desta vez com Davi Antunes de Oliveira, o coordenador das terceirizadas que emitiam supostamente orçamentos superfaturados, Fehlberg revelou plano de possível retaliação. "Esse cara aí ("a bicha") tem que tomar um pau bem dado...", disse Fehlberg, que foi aconselhado por Davi. "Tem gente que nós temos que esperar para dar o troco", respondeu o controlador das terceirizadas, que conseguiu convencer Fehlberg do risco de tramar alguma agressão contra o chantagista. "Tu viu a c... que o Bruno fez, né (Bruno, ex-goleiro do Flamengo). Foi lá, matou, mandou os caras matarem a mulher e agora ele tá f..., né, cara", disse Fehlberg.
Davi ainda disse: "Nós temos que sentar para conversar pessoalmente sobre algumas atitudes que a gente pode tomar para deixar a coisa meio preparada para um eventual verdadeiro ataque dele ("a bicha"), entendeu?".
Destino do dinheiro é desconhecido
O MP, responsável por oferecer a denúncia de 375 páginas à Justiça, não aponta o destino do montante mínimo de R$ 5 milhões desviados. As investigações não conseguiram apurar se os valores eram repassados para financiar campanhas ou partidos políticos que tiveram integrantes envolvidos, no caso específico PMDB e PSDB, ou se os beneficiados se apoderavam do dinheiro para si próprios.
Apesar de não identificar o destino, a denúncia do Ministério Público apresenta áudios, e-mails e planilhas que comprovariam o desvio dos recursos. A maior fraude individual no Banrisul ocorreu na Expointer 2009, onde o banco instalou estandes e distribuiu materiais gráficos diversos. Só neste caso, o superfaturamento teria chegado a R$ 850 mil.
Planilhas apreendidas pela Polícia Federal nas agências de publicidade e anexadas na denúncia feita pelo MP à Justiça revelam que Davi Antunes de Oliveira teria recebido R$ 440 mil, Walney Fehlberg, R$ 150 mil, Rubens Bordini, R$ 30 mil, e Rodolfo Rospide Neto, R$ 20 mil.
Confissões feitas por telefone
Em agosto e setembro de 2010, nos dias que antecederam e sucederam a Operação Mercari, da Polícia Federal, que foi responsável pela apreensão de documentos e pelas prisões temporárias de Walney Fehlberg, Davi Antunes de Oliveira e outros dois empresários, os envolvidos foram flagrados em conversas nas quais eles supostamente fazem confissões acerca de supostos desvios do Banrisul. Em agosto de 2010, Felbergh antevê o desfecho do caso e pede ajuda a Davi para conseguir um advogado. "Presidente, eu acho que eu vou precisar de um advogado porque eu vou estar preso... Eu acho que eu vou ser preso", disse Felbergh.
Em outra ocasião, Davi fala sobre a Operação Mercari para outro envolvido na fraude. "Tu viu o que o amigo tinha escondido e que era dele? Dois milhões lá na sala, tu acredita nisso?", declarou Davi. "Eu não acredito. Sério. Tá f...", respondeu o espantado interlocutor.
Réus evitam comentar o caso
Na condição de réus desde a quinta-feira, Rodolfo Rospide Neto e Rubens Bordini, ex-tesoureiros do PMDB e do PSDB, respectivamente, evitaram comentários sobre as acusações de desvios no Banrisul. "Por enquanto não posso dizer nada. Fico surpreso, não tenho nada a ver com isso aí. Quando for intimado, vou provar minha inocência", disse ontem Rospide. Bordini pediu prazo para se manifestar com mais profundidade. "Para falar desse assunto só segunda-feira. O meu advogado está vendo. Eu não li o processo. Mas nas gravações de dez mil ligações, meu nome nunca é citado como envolvido. Não tenho conhecimento sobre planilhas", afirmou Bordini. O ex-superintendente de Marketing do Banrisul, Walney Fehlberg, e o empresário Davi Antunes de Oliveira não foram localizados.