Após a trágica morte de Bruno da Silva Teixeira, de 26 anos, durante uma maratona de rua organizada pela Plataforma Internacional, empresa criada pelo coach e político Pablo Marçal, Clara Serbim, amiga da vítima e ex-colega de trabalho, revelou em uma entrevista detalhes perturbadores sobre a rotina de assédio moral no local.
Segundo Clara, Pablo Marçal exercia pressão constante sobre os funcionários para que se exercitassem diariamente. Aqueles que não cumprissem essa exigência eram excluídos ou até mesmo demitidos. É importante mencionar que o coach chegou a se lançar como candidato à presidência da República em 2022 pelo Pros, mas posteriormente retirou sua candidatura. Ele apoiou Jair Bolsonaro no segundo turno e concorreu como suplente para deputado federal por São Paulo, sendo eleito.
"Havia uma cultura na empresa que exigia que todos os funcionários corressem 5 km por dia. Não era solicitado pela companhia nenhum exame médico ou de rotina. Além disso, a holding exigia que seus empregados lessem livros e assistissem às palestras de Pablo Marçal". disse Clara, se o funcionário não cumprisse essas ‘exigências, era como se estivesse "fora da frequência".
Clara descreveu ainda características da personalidade de seu amigo.
"Bruno era uma pessoa extremamente doce, um cara incrível e um grande amigo. Ele me ajudava muito no trabalho, e eu também o ajudava. Eu era a única pessoa que sabia que ele queria sair da empresa. Tem sido muito difícil lidar com a morte dele. Bruno tinha o sonho de lançar um treinamento para ajudar jovens a se tornarem independentes financeiramente. Ele queria se casar e formar uma família. É muito triste que sua jornada tenha sido interrompida", disse.
A amiga de Bruno também expressou críticas ao coach, Pablo Marçal, que alega que uma pessoa pode controlar tudo por meio da mente, inclusive doenças. "Ele diz que não fica doente por causa disso. Até que ponto as pessoas vão levar isso a sério, talvez ignorando sinais de dor? Quantas vidas serão perdidas?" questionou Clara. Ela trabalhou na Plataforma Internacional entre novembro de 2022 e janeiro de 2023.
No dia 5 de junho, Bruno, que era prestador de serviços da XGrow, empresa fundada por Marçal e atualmente liderada por Marcos Paulo de Oliveira, participou de um desafio de corrida de 21 km proposto de última hora. No entanto, sem o conhecimento dos participantes, a distância foi dobrada para 42 km. Bruno conseguiu percorrer cerca de 15 km, mas acabou passando mal e foi levado ao hospital Albert Einstein, onde infelizmente faleceu.
Esse desafio ocorreu poucos dias após Marçal ter divulgado um vídeo em que afirmava ter completado uma corrida de 42 km, entoando as palavras: "Minha mãe não é mãe de fraco. Meu pai não é pai de otário. Minha vó não é vó de trouxa".
“O Bruno corria 4 km, 5 km, coisa pequena, mas isso foi muita coisa para ele. Ele fazia academia. E apresentava laudo médico para isso. Tinha todos os exames em dia para isso”.
Em uma rede social, Bruno compartilhou que a distância da prova havia sido alterada sem o conhecimento dos participantes. Ele escreveu: "Aonde eu fui me enfiar? Esse é o problema de andar com gente de frequência alta". Durante a corrida, ele estava acompanhado de Marcelo Lopes e Adonis Carnevale, responsáveis pelos treinamentos de corrida de Pablo Marçal.
“O Bruno corria 4 km, 5 km, coisa pequena, mas isso foi muita coisa para ele. Ele fazia academia. E apresentava laudo médico para isso. Tinha todos os exames em dia para isso”.
O irmão mais velho de Bruno, Luciano Teixeira, de 47 anos, também concedeu uma entrevista à reportagem de O Tempo em Brasília. Ele mencionou que a presença de Pablo Marçal na XGroup era frequente e destacou que não houve auxílio financeiro para cobrir as despesas hospitalares do irmão mais novo.
“Em questão de 30 segundos deram a notícia da morte. Eu fui até Alphaville e fiz o reconhecimento do corpo, tudo o que precisava ser feito. Toda despesa que teve com translado, enterro, foi tudo por parte da família. Não teve nenhuma ajuda. Nem uma coroa de flores mandaram para o meu irmão", disse.
Ele ainda informa que Pablo Marçal não entrou em contato com a família após a tragédia.
“Eu achei que por ser um funcionário da plataforma, ele poderia ter uma nota de pesar, mas nada. É uma sensação de angústia. Minha mãe perdeu o filho caçula, eu perdi o meu irmão caçula, mas para ele a vida segue. A minha família está sobrevivendo a base de remédios”, disse.
Luciano disse ainda que o irmão não possuía doenças pré-existentes, e que Bruno tinha o hábito de fazer corridas curtas.
“O Bruno corria 4 km, 5 km, coisa pequena, mas isso foi muita coisa para ele. Ele fazia academia. E apresentava laudo médico para isso. Tinha todos os exames em dia para isso”, disse.
De acordo com informações fornecidas por uma fonte à reportagem, um dia após o falecimento do jovem, Pablo Marçal organizou uma reunião com o objetivo de reformar as estruturas da empresa. Durante o encontro, ele exigiu a contratação de uma equipe de primeiros socorros e a realização de exames nos funcionários antes da participação em desafios. No entanto, é importante ressaltar que essas medidas foram implementadas somente após o trágico incidente envolvendo Bruno.
Uma fonte que optou por não se identificar por questões de segurança também alegou que Pablo Marçal foi acusado de adotar um comportamento misógino em relação às mulheres que trabalharam com ele.
"Pablo já falou várias vezes, inclusive em palestras, que se sentir atração por uma mulher, ele pode demiti-la. Isso para mim não faz sentido. Ele também disse que não entra no carro com uma mulher sozinha 'se não a come'. É um ambiente extremamente machista", relatou a fonte.
Pablo Marçal tem um histórico controverso, com envolvimento em polêmicas anteriores. Ele ganhou notoriedade ao liderar uma expedição ao Pico dos Marins, no interior de São Paulo, com um grupo de 32 pessoas, mas acabou se perdendo e precisou ser resgatado pelo Corpo de Bombeiros.
No ano de 2022, Marçal lançou sua candidatura à Presidência da República, mas posteriormente retirou seu nome em apoio ao então candidato e ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele também se candidatou ao cargo de deputado federal por São Paulo e obteve 243.037 votos, porém teve sua candidatura indeferida pela Justiça Eleitoral.
O OUTRO LADO:
A assessoria de imprensa de Pablo Marçal emitiu nota em torno das acusações.
“Em relação a morte de Bruno durante a corrida, a defesa, feita pelo advogado Tasso Renam Souza Botelho afirmou que não se tratava de uma maratona e sim de um treino normal, como aquele que muitas pessoas fazem todos os dias, inclusive no local onde o incidente aconteceu, não havia qualquer estipulação de distância, onde a maioria do grupo correu entre 15 e 20 km nesse fatídico dia”, disse a nota.
De acordo com o advogado, ao notarem que o Bruno passava mal, “pessoas que estavam próximas imediatamente iniciaram os primeiros socorros e entraram em contato com o serviço de emergência e, pelo indício de demora de atendimento foi tomada a decisão de Bruno ser colocado em um carro para ser levado ao hospital Albert Einsten, por estar a menos de 2km do local do ocorrido, foi feita massagem cardiaca dentro carro, e ao chegar no hospital foi feito o procedimento de reanimação por quase 1 hora, o que infelizmente não teve resultado”.
Ainda segundo o advogado o treino era de responsabilidade do corredor, ou seja, de Bruno, e fez ainda uma comparação com uma maratona, ainda que tenha afirmado que a ocasião se tratava de “um treino normal”.
A defesa disse ainda que está “em contato com a família, direcionando apoio e suporte necessário, além de prestaar o custeio de atendimento no hospital Albert Einstein, e conduzindo o procedimento de desembaraço do corpo, por pedido da familia”.