Três das quatro pessoas mantidas reféns por um jovem de 17 anos nesta segunda-feira (14) dentro de um creche em Santos, a 72 km de São Paulo, relataram ao G1 os momentos de tensão que viveram. ?Eu fiquei apavorada, achei que ia morrer?, disse a monitora Telma Delgado Fontes, de 34 anos, que ficou quase sete horas com uma faca apontada para o pescoço. Todos foram libertados por volta das 16h30 e passam bem.
O adolescente invadiu a Escola de Educação Infantil Estrela Guia, na Avenida Almirante Tamandaré, por volta das 9h45, com uma faca que furtou de um estabelecimento comercial da região, segundo a polícia. Ele manteve quatro pessoas reféns: a monitora, o secretário-pedagógico José Carlos de Jesus Reis, de 23 anos, a menina Bianca, de 12 anos, e a cozinheira Marília de Jesus dos Santos, de 46 anos. O jovem morava há quatro meses com Marília.
Segundo as vítimas, ele chegou ao local e encontrou Telma e José Carlos na entrada do prédio. A monitora estava ajudando na recepção ? ela trabalhava em outro setor - e recebia orientações de como usar os ramais. ?Ele entrou e perguntou quem tinha pintado a creche?, contou Telma. O secretário-pedagógico desconfiou da atitude e pediu para que outro funcionário ?ficasse de olho? no adolescente.
Depois disso, Reis subiu para a diretoria, onde Bianca recebia orientação pedagógica. Alguns minutos se passaram e o jovem subiu até a sala com Telma já refém. Ele pediu, segundo as vítimas, que a cozinheira fosse chamada. O secretário-pedagógico afirma que havia 57 crianças, sem contar Bianca, na creche no momento da invasão. Todas conseguiram sair.
A faca ficou apontada o tempo todo para o pescoço de Telma. ?Eu fiquei apavorada. Ele falava que, se eu tentasse alguma coisa, minha cabeça ia rolar?, disse a monitora. Segundo ela, o jovem chegou a lembrar o caso do sequestro de Eloá Cristina Pimentel, que acabou morta pelo ex-namorado em Santo André, no ABC, no ano passado. A monitora ficou com escoriações no pescoço e precisou tomar remédios por causa da pressão alta.
Morte na família
Durante o tempo que foi mantido refém, Reis só conseguia lembrar do pai. Há 19 anos, ele foi morto com uma facada por um carroceiro. ?A única coisa que me veio à cabeça foi a imagem do meu pai, que morreu com uma facada. Eu achei que seria a próxima vítima de faca na minha família?, contou. Segundo o secretário-pedagógico, o carroceiro matou seu pai porque ele se recusou a dar dinheiro ao homem.
Abraçado na delegacia à assistente de vendas Margareth Cristina Uruguai Santos, de 40 anos, amiga considerada por ele como uma mãe, ele estava mais aliviado. ?Estou mais tranquilo, mas muito abalado por tudo o que aconteceu?, disse. Ele não soube dizer se a creche abrirá nesta terça-feira (15).
A menina Bianca foi libertada por volta das 13h, após o adolescente negociar com a polícia. Ela também precisou ir à delegacia com a mãe para prestar depoimento. ?Ele pediu para o policial abrir a porta devagar, eu saí e ele fechou. Na hora, eu fiquei muito nervosa?, lembrou sobre o momento que deixou o local onde era mantida refém.
Prova de amor
A cozinheira disse que o jovem de 17 anos justificou a atitude afirmando que era ?uma prova de amor?. Os dois moravam juntos havia quatro meses, mas tinham rompido o relacionamento neste domingo (13). ?Ele só falou que estava fazendo isso porque me amava muito, que era uma prova de amor?, contou.
O casal se conheceu em um forró há cerca de um ano. O relacionamento começou há quatro meses e o jovem foi morar na casa da cozinheira. Era o quinto casamento da mulher, que tem cinco filhos ? a mais velha, de 28 anos. ?Ele dizia que tinha 22 anos, descobri depois [a idade verdadeira]. Mas já estava envolvida?, afirmou a cozinheira.
Ela acredita que o ciúmes levou o jovem a manter as quatro pessoas reféns nesta segunda-feira. ?Foi ciúmes, de uns 15 dias para cá ele cismou com meu vizinho e meu ex-marido?, disse Marília. Segundo ela, o jovem mantinha as janelas que eram viradas para a casa do vizinho fechadas. O adolescente também o acompanhava até a creche, onde a cozinheira trabalha há 13 anos, todos os dias. A casa da família fica bem em frente à creche.
Marília dos Santos diz que o ciúmes a levou a romper o relacionamento. Nesta segunda-feira (14), completariam quatro meses que os dois estavam juntos. ?Terminei ontem (domingo) porque ele estava me mantendo como uma prisioneira?, afirmou. Apesar disso, ela nega que o namorado era agressivo. ?Ele é normal, só tem ciúmes mesmo. Ele nunca me agrediu.?
Na delegacia para acompanhar a mãe, a filha Cristina dos Santos, de 28 anos, falou sobre o ex-namorado da cozinheira. ?Ele era uma pessoa sossegada, eu nunca imaginava porque nunca o vi nervoso?, contou. Segundo Marília, o jovem se dava bem com seus filhos. Três deles moram na residência. ?Eles se davam muito bem?, afirmou.
Chorando muito na delegacia, onde o caso era registrado por volta das 19h15 desta segunda-feira, Marília disse que sente ?muita pena? do adolescente. Segundo ela, o jovem é sozinho em Santos, pois a família mora em Sergipe. Apesar de dizer que não pretende voltar a morar com o adolescente, ela confessa: ?Eu gosto dele, sim?.