Nos depoimentos à juíza Marixa Fabiane Lopes, do Tribunal do Júri de Contagem (MG), o goleiro Bruno Fernandes de Souza e mais oito réus no processo da morte de Eliza Samudio, ex-amante do atleta, negaram a participação no crime, mas confessaram ter visto a mulher, que dizia ter um filho do atleta, em algum momento entre os dias 6 e 10 de junho. Ninguém soube dizer, no entanto, o paradeiro da ex-amante do goleiro depois que ela foi levada do sítio em Esmeraldas.
Apesar da gravidade das acusações, as audiências tiveram momentos pitorescos. Um deles envolveu o nome de Fernanda Gomes Castro, amante do atleta. Quando Bruno contava sobre o seu relacionamento com ela, ele afirmou que a amante tentou levar para uma igreja o primo dele J., de 17 anos. O jovem teria contado para Fernanda detalhes da vida dele, principalmente com relação ao envolvimento do rapaz com o tráfico de drogas.
"Não sei o que acontece, mas a Fernanda tem um dom que faz com as pessoas se abram com ela, contem tudo", disse Bruno para a juíza, que respondeu ironicamente: "Ah, eu queria ter esse dom também", disse rindo bastante. A declaração arrancou risos da platéia de jornalistas, advogados e familiares de réus. Bruno também sorriu nesta hora.
Frango com quiabo
Em alguns momentos, os depoimentos pareceram uma conversa informal com a juíza. Além de questionamentos sobre detalhes de como e onde tiveram contato com a vítima, a magistrada também fez perguntas de ordem cotidiana, como qual tipo de prato foi servido no dia 10 de junho, quando Eliza teria morrido. "Frango com quiabo", disse Dayanne Souza, mulher de Bruno, a primeira a ser ouvida, na segunda-feira. "E foi a Eliza quem fez o angu", afirmou.
Não se sabe qual a intenção da juíza em certos questionamentos, mas em alguns momentos ela conseguiu, com a riqueza de detalhes que procurou aprofundar, fazer com que os acusados caíssem em contradição. O primo de Bruno Sérgio Rosa Sales, por exemplo, foi "traído" pela memória quando perguntado em que momento ouviu do adolescente também primo de Bruno que Eliza Samudio "já era".
Nos depoimentos dados à polícia na fase de investigações, Sérgio disse que ouviu a declaração quando o jovem e Luiz Henrique Romão, o Macarrão, voltaram sem Eliza para o sítio de Bruno em Minas, na noite do dia 10 de junho, poucas horas depois de ela e o filho terem sido levados pelos dois para supostamente conhecer um apartamento que Bruno teria alugado para ela. Entretanto, no depoimento dado em juízo, na quarta-feira, Camelo, como é conhecido, disse que o adolescente teria dito a ele a frase no Rio de Janeiro, durante uma festa após um jogo de futebol do time 100% FC, que Bruno patrocinava.
Bruno diz que Eliza deixou sítio de táxi
Ao falar pela primeira vez à Justiça sobre o sumiço de Eliza, o ex-jogador do Flamengo depôs por mais de dez horas. Bruno disse que Eliza saiu do sítio de Esmeraldas às 17h do dia 10 de junho, sendo levada por Macarrão para um ponto de táxi, que não foi revelado. Desde então, segundo o goleiro, ela está desaparecida e ele não sabe o que aconteceu.
Bruno disse também ter sido procurado por Eliza no dia 8 de junho, quando ela teria pedido a ele que ficasse com o filho Bruninho por sete dias, pois ela teria que ir para São Paulo pagar algumas despesas com os R$ 30 mil recebidos dele em acordo feito para que ela não fizesse "escândalo" na imprensa. Bruno, então, afirmou que voltou para o sítio - ele estava na casa da avó materna, Luceli Aves de Souza - com Bruninho e entregou a criança para sua mulher, Dayanne Rodrigues.
O jogador falou ainda sobre uma suposta conversa que teve com Eliza em seu sítio, à beira da piscina, no dia 7 de junho. "Ficamos conversando sobre o dia a dia, sobre a gravidez dela, que eu não acompanhei. Disse que tinha sido muito difícil, confusões do passado. O que ela falou na televisão. Esclarecemos muitas coisas. Debaixo de um pinheiro, numa mesa de vidro, fiquei brincando com o Bruninho. Criei uma paixão enorme por criança. Meu sonho era ter um filho, um menino. Então, era tudo normal", disse o goleiro.
Atuação de advogados
Quem roubou a cena em alguns momentos das audiências foram justamente os advogados. O mais pitoresco deles foi Ércio Quaresma, defensor de Bruno. Com o estilo bonachão e debochado, chegou a irritar a juíza por pelo menos três vezes. Em uma delas foi advertido por dormir e roncar alto dentro do Tribunal do Júri.
Outro personagem foi o advogado Américo Leal, um dos defensores de Macarrão. Logo após o cliente se negar a responder às perguntas da juíza, justamente devido a uma discussão entre a magistrada e outro advogado seu, Claudio Dalledone, Leal confessou em entrevista aos jornalistas que a discussão entre o colega foi provocada para interromper o depoimento do cliente.
A entrevista causou burburinho no plenário e a juíza convocou a repórter de uma rádio para que ela mostrasse o áudio da entrevista. A gravação foi anexada ao processo. Por causa disso, Marixa Fabiane chegou a mandar buscar Macarrão nesta sexta-feira para que ele depusesse novamente, mas recuou depois da reclamação dos advogados.
Réus bancados por Bruno
Chamou a atenção de todos o fato da grande rede de amigos que vivia às custas do goleiro. Todos os réus afirmaram - e Bruno confirmou - que era o atleta quem pagava as contas e salários deles, e até de alguns familiares. Quem administrava tudo era Macarrão, que até o salário do goleiro recebia, antes mesmo de Bruno colocar "a mão no dinheiro." Senhas e cartões bancários ficavam sempre em poder do melhor amigo do goleiro.
A vida fácil que Bruno proporcionava aos amigos fazia com que eles esbanjassem sem maiores preocupações. Sérgio, por exemplo, chegava a gastar R$ 3 mil por mês em um quiosque de uma praia do Rio de Janeiro. Era Bruno quem pagava a conta, apesar de Sérgio já receber do atleta uma mesada de cerca de R$ 1,2 mil.
O ex-empacotador de supermercados Macarrão era o que mais aproveitava o dinheiro e fama do amigo. Morava com Bruno tanto no sítio de Esmeraldas quanto na luxuosa casa no condomínio do Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro. Tinha quartos próprios e até um carro modelo New Beetle, avaliado em cerca de R$ 80 mil.
As festas constantes patrocinadas por Bruno também causaram estranhamento. Segundo os réus, toda semana acontecia uma, que contava com a presença de prostitutas. Em uma das orgias, no Rio de Janeiro, participaram mais de 70 mulheres e 50 homens.
Familiares acompanham audiência
Os familiares de alguns dos réus acompanharam os depoimentos. Estela Santana Trigueiro de Souza, 78 anos, avó de Bruno que o criou, ficou durante as mais de 10 horas de depoimento sentada ao lado de uma das filhas no tribunal. Com a feição triste e desolada, não quis falar com jornalistas.
A costureira Luciane Ferreira Corrêa Romão, mãe de Macarrão, também presenciou o depoimento de Bruno enquanto aguardava a oitiva do filho, que começou às 21h de quinta-feira e foi interrompida uma hora depois devido à discussão entre advogado e a juíza. Luciane chorou muito quando o filho entrou no salão do fórum. Ela afirmou que visita Macarrão toda semana, e disse que o filho está tranquilo e nega envolvimento na morte de Eliza. "Eu acredito na inocência do meu filho, que foi criado com muito amor e carinho pelos pais", disse.
A mulher de Flávio Caetano de Araújo, Flavinho, também acompanhou o depoimento do marido e dos outros réus. Ela afirma que o perueiro foi envolvido na trama injustamente. "A justiça será feita", disse a professora Poliane de Souza.
A mãe, uma irmã e o filho de Fernanda Gomes Castro, amante de Bruno, também foram do Rio de Janeiro para Contagem. Eles não quiseram dar declarações, mas a mãe de Fernanda, Solange, assistiu a todos os depoimentos, desde o início da semana.
Defensores acreditam que clientes irão a júri
A maioria dos advogados que defende os nove réus acredita que seus clientes serão levados a júri popular pelo crime. Para Quaresma, a juíza já está convicta da culpa dos acusados. "Todos serão pronunciados e aí vai caber o que o corpo de jurados definir. Ela (a juíza) já tem uma decisão formada, toda essa cena da audiência de instrução é mera perda de tempo", disse.
A decisão da juíza deverá sair ainda neste mês de novembro. Conforme a decisão, o julgamento deverá acontecer no ano que vem. Há a possibilidade de a magistrada desmembrar os crimes que cada um cometeu. Desta maneira, alguns dos réus que tiveram participação "menor" na trama poderão responder a crimes com penas mais brandas. O Ministério Público quer que todos sejam levados a júri popular por homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver, sequestro, cárcere privado e subtração de incapaz.