O ciclo começa com ofensas, assédio, ameaças, torturas, agressões e pode evoluir até o feminicídio. Os números são preocupantes e refletem uma triste realidade: em 2023, uma média de oito mulheres por dia sofreram violência doméstica no Brasil. No Piauí, embora o número total de casos seja mais baixo em comparação com outros estados, o aumento foi o mais acentuado do país: em apenas um ano, o estado registrou um salto de quase 80% nos casos, passando de 113 para 202 ocorrências. Essas informações constam no boletim "Elas Vivem: Liberdade de Ser e Viver", divulgado em março de 2024.
O combate à violência doméstica, que tem levado muitas mulheres a darem um basta, pode ser observado por meio do Programa Reeducar, que conquistou o 2º lugar no Prêmio Melhores Práticas do Ministério Público do Piauí (MPPI) pelo impacto na comunidade. Desde sua criação, o projeto tem transformado a vida das mulheres vítimas, por meio de encontros mensais que incentivam os agressores a refletirem sobre suas condutas, dentro e fora de casa, promovendo o arrependimento e a reflexão sobre suas ações. O programa visa despertar atitudes que melhorem a qualidade de vida de toda a família.
Além do Ministério Público, a delegada Eugênia Villa e a Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres, Denise Motta Dau, destacam a importância de fortalecer a rede de proteção e acolhimento às vítimas de violência doméstica no país, incluindo o Piauí. A Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Piauí (OAB-PI) também desempenha um papel relevante nesse contexto, como ressalta Beatriz Sousa, presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-PI, ao oferecer orientações jurídicas às vítimas que não têm condições de custear os honorários advocatícios.
Machismo e misoginia
Especialistas apontam que um dos principais fatores para o aumento da violência contra a mulher é a combinação de machismo e misoginia. Essa relação se manifesta por meio de discursos de ódio e repulsa às mulheres e a tudo o que diz respeito ao universo feminino. A misoginia pode se expressar de diversas formas, incluindo discriminação, violência, estereótipos negativos e atitudes que desvalorizam ou menosprezam as mulheres.
A misoginia está frequentemente ligada a uma visão de mundo que perpetua a desigualdade de gênero e o machismo, resultando em comportamentos e práticas que prejudicam as mulheres em diferentes esferas da vida, como no trabalho, nas relações pessoais e na sociedade como um todo.
A décima edição da Pesquisa Nacional, realizada em 2023 pelo Instituto DataSenado, revela que 30% das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar causada por homens. No Piauí, esse índice é de 25%. A pesquisa também mostra que 46% das mulheres no Brasil acreditam que, de forma geral, as mulheres não são tratadas com respeito, enquanto outras 46% consideram que o respeito é dado apenas ocasionalmente. Somente 7% das entrevistadas acreditam que as mulheres são, de fato, respeitadas no país.
Entre janeiro e maio de 2024, o Brasil registrou mais de 380 mil casos de violência contra a mulher, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Um levantamento realizado pela CNN revelou que foram documentadas 380.735 ações judiciais relacionadas a crimes como violência doméstica, estupro e feminicídio nesse período. Isso representa uma média de mais de 2.500 novas ações judiciais diariamente em todo o país. Dentre essas ações, 318.514 foram por violência doméstica. Até abril de 2024, já haviam sido contabilizadas 178.379 ações por violência doméstica, o que representa um aumento impressionante de 78,5% em apenas um mês.
Programa estimula mudança de comportamento de agressores
No Piauí, a violência doméstica também é um problema sério. As estatísticas locais mostram que os registros de agressões, especialmente durante a pandemia, aumentaram. O estado tem implementado políticas de combate à violência, mas os desafios permanecem. Uma das iniciativas de grande relevância é o projeto Reeducar, do Ministério Público do Piauí (MPPI), que nasceu em 2016 pela necessidade de evitar a reincidência. O objetivo é justamente formar grupos de reflexão com homens que estão em processo judicial por envolvimento em situações de violência doméstica e familiar contra a mulher. A iniciativa busca sensibilizá-los para o reconhecimento e responsabilização por suas ações, promovendo uma reflexão aprofundada sobre o tema. Por meio de atividades educativas, espera-se reduzir a reincidência dessas práticas criminosas.
“Isso porque muitas mulheres que estavam sendo vítimas de violência doméstica, o agressor já tinha reincidido. Eles tinham retomado o relacionamento e novamente praticado violência contra ela. Por outro lado, mesmo quando ele se separava, voltava a ter outro relacionamento e o mesmo ocorria. O motivo pelo qual isso nos inquietou foi que constatamos que se tratava de um fenômeno que exigia uma modificação de comportamento, pois ele estava envolvido nessa cultura machista, e a resposta da violência era o ápice dessa cultura, que ele estava explorando”, diz a promotora de Justiça Amparo Paz, coordenadora do programa. Ela acrescenta: “Então, fizemos esse projeto nesse sentido, para trabalharmos contra essa cultura machista, desfazendo a mentalidade dele de que a mulher era uma posse, um objeto dele. Desde 2016, trabalhamos com esses grupos reflexivos”, enfatiza.
Sobre os principais tipos de agressões praticadas pelos homens, a promotora explica que a principal é a ameaça, seguida pela violência física. Atualmente, a violência psicológica, que antes não era tipificada como crime, também está prevista em lei. Mas há ainda a violência psicológica, sexual, virtual, moral, física e patrimonial (ver gráfico abaixo). “As vítimas nos davam notícias dos seus dissabores, e a gente procurava, principalmente na época, classificar aquele tipo de desconforto como uma perturbação da tranquilidade. Aí foi tipificado o crime de violência psicológica, e hoje conseguimos moldar aquela conduta ao crime de violência psicológica, mas registrando que a violência física não surge de um dia para o outro. Ela começa, principalmente, com a violência moral, que é a falta de respeito entre as pessoas envolvidas, e, a partir daí, vai progredindo para ameaça, chutes, tapas, pontapés. Se não se tomar cuidado para evitar a propagação dessa violência, pode culminar no feminicídio”, alerta.
A principal proposta do Reeducar, conforme a promotora, é sensibilizar o homem agressor a respeito de suas condutas, que até então eram naturalizadas, e fazê-lo se responsabilizar. No entanto, essa responsabilização é algo subjetivo, ou seja, ele realmente precisa se responsabilizar, porque, até então, muitas vezes ele é processado, condenado, mas não se responsabiliza. Ele se vê como perseguido, acreditando ser inocente e vítima, quando, na verdade, é ele quem se vitimiza”, diz Amparo Paz, esclarecendo que o projeto Reeducar visa essa mudança de comportamento e a sensibilização do agressor a respeito de uma prática que até então era naturalizada. O objetivo é que ele se sensibilize, modifique esse comportamento e se responsabilize subjetivamente pela situação que ele causou. Afinal, ele foi o responsável, mas a vítima não era obrigada a reagir.
Segundo revela a promotora Amparo Paz, até hoje, mais de 90 homens participaram do Reeducar e apenas um reincidiu (menos de 1%); enquanto a reincidência em casos gerais é superior a 60%. Portanto, trata-se de um projeto exitoso. Ao mesmo tempo, há um monitoramento contínuo desse homem, que dura um ano e dez meses, juntamente com o acompanhamento da vítima. "Nós também, por meio do nosso setor de psicologia, monitoramos tanto a vítima quanto o acusado, porque, muitas vezes, a vítima não vai à delegacia nem registra a ocorrência. Mas, com o nosso monitoramento, sabemos de tudo. Dessa forma, evitamos a reincidência", pondera.
Dez módulos realizados durante o ano
Ao todo, o projeto conta com dez módulos ao longo do ano, com a presença de facilitadores, abordando uma temática diferente a cada encontro. Um exemplo é o módulo sobre saúde masculina, cujo tema é voltado para o universo dos homens, gerando discussões por meio de uma equipe de parceiros formada por representantes do Tribunal de Justiça, Defensoria Pública, Secretaria de Justiça e Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres. Os encontros acontecem uma vez por mês (já que os homens trabalham e não podem perder o emprego), sempre no período da manhã, no Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF), no Ministério Público da zona Leste de Teresina. Isso ocorre porque a Casa da Cidadania, onde as vítimas costumam transitar, não é um local adequado para encontros com agressores, a fim de evitar que ambos se encontrem.
Sobre o índice crescente de violência e agressão doméstica, bastante divulgado na mídia atualmente, a promotora explica que muitos casos de reincidência de mulheres vítimas desse tipo de crime “hoje deixaram de ser algo apenas no âmbito privado, pois se tornaram de domínio público. Todos reconhecem que a violência contra a mulher é um problema da sociedade, e, por isso, é levado à sociedade em geral. Trabalhamos também na prevenção, especialmente em relação a relacionamentos abusivos”, observa a promotora. Ela esclarece que, ao perceber os primeiros sinais de violência, a vítima deve se afastar do agressor e procurar as autoridades. Não é necessário ir até uma delegacia, mas a vítima pode procurar um Centro de Referência, o Ministério Público ou a Defensoria Pública para sair dessa situação.
Amparo Paz foi mais taxativa e aconselha: “A vítima deve se livrar daquele agressor, porque, às vezes, ela nem quer ir à delegacia, não quer fazer o Boletim de Ocorrência, mas deve procurar ajuda, procurar sua rede de apoio, com seus familiares e amigos. Em circunstância alguma, nunca deve ficar isolada. Ela precisa ter a noção de que aquilo não é normal e não deve naturalizar qualquer tipo de violência, de piadinha ou de falta de respeito. Isso não é brincadeira, é sério e é crime”, reforça a promotora.
Como acontece o processo de seleção
Ela explica que o Núcleo das Promotorias de Justiça de Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar (NUPEVID) seleciona os participantes do Projeto Reeducar por meio das audiências de custódia da Secretaria de Justiça, com encaminhamento da Defensoria Pública, uma das parceiras no projeto, e também identifica aqueles que descumprem medida protetiva.
Para o participante M.P.C.P., o programa tem representado uma chance de transformação pessoal. "Antes, eu não hesitava em entrar em uma briga, mas agora estou aprendendo que não devo pensar apenas no meu lado. É importante também respeitar e ouvir os outros", ressalta.
Vale ressaltar que o Reeducar faz uma triagem dos participantes, uma vez que não trabalha com homicidas, estupradores, usuários de entorpecentes ou de álcool, pois o foco é trabalhar com homens machistas que cometeram crimes contra a mulher, pois são outras as abordagens para esses casos.
Metodologia aplicada nos encontros
As atividades empregadas no projeto para promover a reeducação e reintegração dos participantes são realizadas por meio de momentos de reflexão, cuja metodologia é aplicada para que o homem reflita sobre sua conduta. Um dos módulos, por exemplo, sobre a Lei Maria da Penha, não será conduzido por meio de palestra, mas sim por um grupo de reflexão. “É inquietá-lo, é indagá-lo, é perguntar para ele encontrar uma resposta; é perguntar por que não existe a Lei José da Penha, por exemplo? Muitas vezes, eles querem saber, mas não têm essa percepção. Responda você, diga você; é trazer essas inquietações. Por que gritar não é bom? Você acha que é uma linguagem correta? Por que a mulher tem medo de sair à noite, de ser estuprada, e você só tem medo de ser assaltado? É trazê-lo para reflexão. A metodologia é levá-lo a refletir a respeito do mundo masculino e do mundo feminino”, esclarece Amparo Paz, mencionando que essa reflexão visa a mudança de comportamento.
A principal dificuldade enfrentada pelo projeto, segundo a promotora, é sua implementação como política pública, porque, nesse sentido, o poder público teria que disponibilizar os recursos humanos necessários para sua execução, como psicólogos, servidores, enfim, pessoas para trabalhar e se dedicar ao Reeducar.
Ampliação do projeto
Quanto ao desejo de expansão do Reeducar para outras regiões do Piauí, Amparo Paz diz que espera contar com a sensibilidade dos novos gestores que vão tomar posse em 2025, “para que, em cada município, exista um grupo reflexivo executado por uma equipe multidisciplinar, envolvendo o CRAS, CRES, ou o que houver naquela região. E, se houver um centro de referência, que possa trabalhar com esses profissionais e executar o projeto em parceria com o Ministério Público”, reforça.
Reconhecimento de resultados positivos garante premiação
O Programa Reeducar foi premiado pelo Conselho Nacional do Ministério Público em 2021 e, no Piauí, também recebeu reconhecimento pelas melhores práticas do Ministério Público. Ele obteve importantes resultados ao longo dos anos. Em 2017, o projeto firmou uma parceria com a Secretaria Municipal de Políticas Públicas para Mulheres, por meio do Centro de Referência da Mulher Vítima - Esperança Garcia. Essa colaboração possibilitou a criação de um grupo de apoio para 15 mulheres que tinham relacionamento com homens participantes do projeto. O grupo ofereceu suporte emocional, profissional, habitacional e em empreendedorismo feminino, além de incentivar políticas públicas voltadas para as mulheres.
Em 2018, o Reeducar foi reconhecido com o 2º lugar no Prêmio Melhores Práticas do Ministério Público do Piauí (MPPI), reforçando seu impacto na comunidade. Em 2021, o projeto contou com a participação de 61 reeducandos, com apenas um caso de reincidência. A iniciativa teve um efeito positivo em cerca de 305 familiares, que antes sofriam com a violência doméstica. Além de buscar mudanças comportamentais significativas nos participantes, o projeto se comprometeu com a proteção e integridade das mulheres, focando em soluções que promovem a paz e evitam a repetição de atos violentos, em vez de priorizar apenas o encarceramento.
Ainda em 2021, o projeto publicou um artigo intitulado “O restabelecimento das relações no contexto das medidas protetivas à mulher em interface com a mediação de conflitos”, que foi incluído no livro “Mediação de Conflitos e Cultura de Paz no Piauí”. Este artigo analisa a experiência dos grupos de reflexão do Reeducar e está alinhado com a Resolução CNMP nº 118/2014, que trata da autocomposição e mediação de conflitos. No mesmo ano, o projeto conquistou o 2º lugar na categoria “Diálogo com a Sociedade” no Prêmio CNMP, evidenciando seu papel na promoção da paz social e da inclusão.
Psicóloga atua no processo de seleção dos reeducandos
Fazendo parte da equipe do Núcleo das Promotorias de Justiça de Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar (NUPEVID), que funciona na Casa da Cidadania, no bairro Ilhotas, zona Sul da capital, a psicóloga Cynara Maria Cardoso Veras Alves relatou que participa da execução, organização e acompanhamento do projeto. “A gente mantém o primeiro contato com os reeducandos, faz uma entrevista, análise de perfil para que eles possam ingressar no programa, e, posteriormente, fazemos o acompanhamento do grupo dentro da sua execução”, explica.
Dentre os critérios avaliados nesse processo antes de dar início ao projeto, ela disse que o homem é submetido a uma entrevista. “Nós fazemos essa análise de perfil, buscando características de personalidade, características relacionadas ao seu histórico e subjetividade. Verificamos se há algum outro processo tramitando em paralelo ao que o trouxe até a participação no programa, e analisamos, por exemplo, se ele responde por outros crimes de maior gravidade que possam prejudicar sua inclusão no programa”, lembra.
Cynara conta que participa dos encontros ao longo dos dez meses de realização, juntamente com uma estagiária de psicologia, para fazer o acompanhamento dos grupos reflexivos. E, sobre a importância desse projeto, ela foi direta: “Nós consideramos um projeto exitoso, tendo em vista o baixíssimo índice de reincidência que conseguimos verificar anualmente, até hoje. Nós só tivemos um homem que reincidiu desde 2016, quando o projeto vem sendo executado. E também, em nível comportamental, pelo próprio discurso dos homens que participam, que se estudam, já que se sentem provocados a buscar mudanças subjetivas e também em seus novos relacionamentos que vão adquirindo no curso do projeto ou posteriormente”, resume.
A psicóloga deixa claro que o público-alvo do projeto não são os homens, “pois nós estamos em defesa da vítima. O monitoramento que fazemos desses homens é apenas para fins de verificação ou não de reincidência, mas o Ministério Público não pode se responsabilizar por nenhum acompanhamento que diga respeito a esses homens”, frisa.
Secretária Nacional da Mulher destaca atendimento humanizado
Uma ferramenta a serviço de quem busca ajuda de imediato, o Ligue 180 é essencial no combate à violência contra a mulher no Brasil e já registrou 84,3 mil denúncias até julho de 2024, o que representa um aumento de 33,5% em relação ao mesmo período de 2023. No Piauí, foram contabilizadas 860 denúncias neste ano, uma redução de 3,37% em comparação a 2023, quando o total foi de 890.
Entre os registros de 2024 no Piauí, 438 denúncias foram feitas pelas próprias vítimas e 421 por terceiros. A maioria das agressões ocorreu no ambiente doméstico, com 350 denúncias relacionadas à violência em casa. O perfil das vítimas mostra que o maior grupo é o de mulheres entre 35 e 39 anos, com 139 denúncias. A maioria das vítimas (564) é negra (pretas ou pardas), e os agressores mais comuns são companheiros ou ex-companheiros e esposos ou ex-esposos, responsáveis por 389 dos casos de violência.
Contra discriminações
Ela destaca o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios, anunciado em agosto de 2023, que tem como objetivo prevenir todas as formas de discriminação, misoginia e violência contra as mulheres por meio de ações governamentais intersetoriais com perspectiva de gênero e suas interseccionalidades. O Plano de Ação do Pacto tem 73 medidas, com orçamento previsto de R$ 2,5 bilhões, e, na próxima etapa, que será consolidada em novembro deste ano, contará com a adesão dos governos estaduais.
“Também reestruturamos serviços como a Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180, agora com atendimento humanizado feito exclusivamente por mulheres, e retomamos as capacitações periódicas das atendentes. Nessa reestruturação, a central passou a contar com um número de WhatsApp (61) 9610-0180, facilitando o acesso das usuárias ao serviço. Também lançamos o Painel do Ligue 180, disponível no site gov.br/mulheres/ligue180, fornecendo para agentes públicos, imprensa, pesquisadores e população em geral informações sobre mais de 2.500 serviços que atuam na Rede de Atendimento à Mulher em situação de violência”, pondera a Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres, Denise Motta Dau.
Ações educativas
O Ministério também está promovendo ações de educação e conscientização para prevenir a violência doméstica, e Denise Dau esclarece como está sendo realizado. “Estamos trabalhando com toda a sociedade a mobilização nacional permanente pelo Feminicídio Zero, envolvendo diversos setores do país no compromisso de pôr fim à violência contra as mulheres, em especial aos feminicídios, a partir de diversas frentes de atuação – comunicação ampla e popular, implementação de políticas públicas, engajamento de atores diversos.”
Nesse contexto, complementa ela, “também lançamos, em parceria com o Ministério da Educação, o Prêmio Maria da Penha para as redes escolares que apresentarem experiências exitosas de formação sobre igualdade de gênero e direitos humanos, assim como o fomento à implementação dos Núcleos de Gênero nas universidades. Um dos principais focos da articulação nacional pelo Feminicídio Zero são ações em dias de jogos de futebol, mirando o diálogo principalmente com os homens. Para isso, temos feito intervenções com faixas em campo, o uso de braçadeiras pelos jogadores e vídeos durante partidas de futebol, entre outras ações de formação e conscientização”, conclui a secretária.
Patrulha Maria da Penha: uma grande aliada das vítimas
A Polícia Militar do Piauí divulgou informações sobre as atividades da Patrulha Maria da Penha, uma iniciativa que opera em conjunto com o Poder Judiciário para assegurar que as medidas protetivas concedidas a vítimas de violência doméstica e familiar sejam cumpridas. A patrulha foi criada em 2020 para aumentar a proteção dessas vítimas e incentivar a denúncia de abusos, além de realizar ações educativas.
Desde o lançamento da Patrulha Maria da Penha, houve um aumento significativo no número de visitas às vítimas e uma redução nas subnotificações de casos, mostrando maior conscientização sobre a importância de relatar episódios de violência. Em 2023, a patrulha realizou 1.883 visitas, enquanto, apenas no primeiro semestre de 2024, já foram contabilizadas 1.784 visitas de acompanhamento.
presente em Várias regiões do Piauí
As visitas são feitas com uma viatura lilás, símbolo da proteção e combate à violência contra a mulher, para monitorar o cumprimento das medidas protetivas e verificar as condições de segurança da vítima e de sua família. O programa, que começou na capital, agora está presente em todas as regiões do estado, com equipes em todos os batalhões do interior, ampliando o alcance da proteção.
Em 2024, a Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006), que intensificou as punições para crimes cometidos contra mulheres no contexto doméstico e familiar, celebrou 18 anos de sua promulgação. Sancionada em 2006, tem como finalidade combater a violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil. Recebeu esse nome em homenagem a Maria da Penha, uma farmacêutica que foi vítima de uma tentativa de homicídio por seu marido. A legislação institui diversas medidas para proteger as vítimas, incluindo a criação de juizados especializados em violência doméstica, a concessão de medidas protetivas de urgência e a garantia de assistência às mulheres agredidas.
Delegada diz que vítimas não querem punição do agressor
Muitos são os desafios enfrentados pelas vítimas de violência doméstica ao buscarem ajuda nas delegacias especializadas, sendo o primeiro deles a dificuldade de a vítima chegar até a delegacia. A afirmação é da delegada Eugênia Villa, que trabalha na Diretoria de Avaliação de Riscos da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Piauí, enfatizando a existência de subnotificação. Mas quando a vítima toma coragem de procurar a delegacia, se depara com o silenciamento diante das autoridades. “Nós sensibilizamos a vítima a prosseguir com a denúncia. Então, primeiro, é necessário escolher um depoimento completo dela, para que ela possa relatar toda a violência sofrida. Isso requer uma oitiva muito qualificada, realizada por uma equipe multidisciplinar, composta geralmente por assistente social, psicólogo, e, na delegacia, já aplicamos um formulário de avaliação de risco”, relata.
A delegada explica que, às vezes, a mulher não se dá conta do risco que está sofrendo em relação à violência. Também há o temor de quando ela vai pela primeira vez à delegacia, devido ao estranhamento daquele ambiente policial. Eugênia Villa conta que a mulher também teme como a delegacia tratará o agressor, geralmente o companheiro, no caso da violência doméstica, o marido. “Em regra, elas não querem a punição, elas só querem uma intervenção, como se a gente fosse chamar a atenção do agressor. Mas isso não é papel da polícia. O papel da polícia, de fato, é constatar o delito e instaurar o inquérito policial”, esclarece.
Formas de violência
Quanto aos fatores que mais contribuem para que as vítimas permaneçam em relacionamentos abusivos, ela conta que, por vezes, as mulheres não percebem que estão neste tipo de relacionamento, pois cada uma vivencia a violência de forma diferenciada, já que não há como catalogar as violências. Por exemplo, um tapa na parede e derramar uma comida no chão — isso porque há um simbolismo naquilo que agride aquela mulher. E o trabalho da polícia, conforme a delegada, “é justamente informar a mulher sobre isso, que ela vivencia essa violência abusiva, esse comportamento tóxico”.
Sobre o perfil dos agressores das vítimas de violência doméstica, a delegada afirma que o machismo é um fator determinante em cem por cento dos casos. “É o que a gente chama de patriarcado. É a conexão do controle de se sentir homem, da masculinidade, hostilizando e controlando uma mulher. O agressor de uma mulher só se sente como sujeito homem, com a sua masculinidade, hostilizando uma mulher”.
Para finalizar, Eugênia Villa revela que o principal sinal de alerta de que uma mulher está sendo vítima de violência doméstica é o sofrimento. “Tudo o que fere a nossa soberania, tudo aquilo que impede você de usufruir tudo de bom na sua vida”, diz, comentando que o fato de a mulher gostar de estudar e o homem impedir, isso é violência; se ela gosta de cozinhar e o companheiro impede, isso também é considerado violência. Ou seja, qualquer ato que compreenda restrição na sua liberdade de exercer plenamente o seu desenvolvimento como sujeito, como uma pessoa soberana.
OAB-PI amplia suporte às mulheres vítimas de violência
A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Piauí - tem atuado para fortalecer a rede de apoio às mulheres vítimas de violência doméstica no Estado do Piauí, por meio de um Grupo de Trabalho dentro da própria Comissão da Mulher Advogada. Segundo explica Beatriz Sousa, presidente da Comissão, “nós fazemos tanto o atendimento a essas mulheres que se socorrem da OAB para que tenham alguma informação relacionada a processos e como agir quando sofrerem violência. Fazemos essa orientação jurídica para essas mulheres, gratuitamente. Não há nenhuma que saia da OAB-PI sem o atendimento ou sem o agendamento para ser atendida”, diz, acrescentando que esse trabalho vem sendo realizado desde 2022, com a campanha “Advocacia Sem Assédio”.
“A Comissão trabalha a violência contra a mulher porque a mulher é a mais atingida sempre nesses casos de violência”, afirma Beatriz, esclarecendo que o foco principal era a mulher, pois elas lideram os mais altos índices de violência. Esse foi o motivo que levou a intensificar, no segundo ano de trabalho, a abordagem de todos os tipos de violência contra a mulher, com a OAB tendo comparecido a praticamente todos os municípios piauienses. A OAB possui 20 subseções que englobam os 224 municípios, sendo que cada subseção geralmente é composta por, no mínimo, 5 municípios ou mais.
Esse trabalho, conforme Beatriz Sousa, é realizado em conjunto com a Rede de Enfrentamento à Violência local, seja através da Secretaria da Mulher ou, quando não há essa secretaria, com a Secretaria de Assistência Social ou o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) local. “Geralmente, fazemos essas reuniões com as equipes que já trabalham, e ofertamos a parceria com a OAB, de forma que possamos contribuir com essas orientações jurídicas e, às vezes, até acompanhamos essas mulheres, dependendo do caso, na própria delegacia (especializada, como a Central de Flagrantes) para fazer a denúncia”, observa a advogada, esclarecendo que muitas delas não têm condições financeiras para arcar com os custos advocatícios, por isso, esse trabalho é feito, às vezes, gratuitamente.
Para finalizar, Beatriz lembra que, anteriormente, a Comissão da Mulher Advogada era voltada para atuar apenas para as mulheres advogadas, mas, neste triênio, ampliaram a atuação para atender também a mulher na sociedade. “Sentimos essa necessidade, essa vontade de contribuir, de atuar ativamente no combate à violência contra a mulher”, conclui.