Ler é ser transportado para lugares onde a imaginação pode nos levar. É também compreender situações, conhecer pessoas e, quem sabe, até a si próprio. No bairro Cidade Jardim, zona Leste de Teresina, essa potência da leitura foi entendida na prática por um grupo de amigos que, há 11 anos, decidiu usar o poder dos livros como ferramenta de transformação social.
Assim nasceu a ONG Brincando com os Livros, um projeto, que começou com bazares solidários, hoje assiste mais de 50 famílias todos os sábados, das 8h às 10h, com atividades voltadas à leitura, oficinas com os pais, rodas de conversa, contação de histórias, pintura, jogos lúdicos, produção de texto, curso de Libras e muito mais.
A força dessa ideia se tornou concreta graças à sensibilidade de Nara Sampaio, uma das fundadoras da ONG. Foi ao observar a quantidade de crianças ociosas na comunidade que ela compreendeu que era preciso fazer mais do que doar alimentos: era hora de doar tempo, atenção e incentivo à educação.
“Nós somos um grupo de amigos, que há uns anos atrás a gente resolveu fazer bazares aqui na região da Cidade Jardim, e nesses bazares, com a renda, a gente comprava cesta básica, fralda geriátrica, para quem estivesse precisando. E a gente via muita criança ociosa, algumas até que não estavam frequentando a escola, e isso me chamou a atenção. Foi assim que surgiu a ideia do Brincando com os Livros, um projeto voltado para incentivar a leitura infantil e infantojuvenil.”
O que começou com contação de histórias logo ganhou força e virou rotina semanal. Aos sábados, as crianças chegam, tomam café, lancham, e mergulham em atividades planejadas para despertar o gosto pela leitura. E os resultados têm sido surpreendentes.
“A gente tem muitos relatos de mães, de pais que falam pra gente: ‘olha, a leitura do meu filho melhorou muito depois que ele começou a frequentar o Brincando’. O simples fato de melhorar a leitura já empodera a criança, ela se sente mais empolgada até pra estudar e melhorar as notas.”
Para Nara, ouvir esses relatos reforça a missão do projeto. E em alguns casos, a transformação é tão profunda que o sentimento de missão cumprida se torna inevitável.
“Como eu costumo dizer: se a gente conseguir mudar a realidade de pelo menos uma dessas crianças que já passaram por aqui, a sensação é de missão cumprida. A Naiara dizia pra mim que se espelhava em mim porque eu também sou advogada. Quando você vê que é exemplo pra essas crianças, acho que dobra a responsabilidade. Eu sei que sou um grãozinho de areia no deserto, mas a gente sabe que está fazendo a nossa parte.”
A leitura que entra pela porta da frente
Entre as dezenas de famílias beneficiadas, está Ana Lúcia Araújo, dona de casa, avó de dois adolescentes que participam do projeto desde pequenos. Para ela, o Brincando com os Livros foi uma porta aberta para o desenvolvimento da autonomia, da educação e, claro, do amor pelos livros.
“Eu conheci, a gente morava ali, aí saiu o anúncio. E de lá pra cá eles continuaram, né? Hoje um tem 17, outro tem 14. E tá tudo bem, eles são uns meninos bem educados, sabem bem a ler. Em casa tem tanto livro que não tem mais nem onde botar. Mas desenvolve esse seu. Desenvolve a ler, a conhecer a leitura.”
Mesmo com outras obrigações, como aulas de reforço para o Enem, os netos de dona Ana ainda se mostram entusiasmados com o projeto, a ponto de lamentarem quando não conseguem estar presentes.
“Eles hoje ficaram ansiosos pra vir, porque sabiam que vocês vinham. Olha aqui, vó, os livros lá do projeto que a gente trouxe hoje, é isso.”
De leitor a referência: a história de Wenner
Outro exemplo vivo da força do projeto é Wenner Batista. Ele chegou ao Brincando com os Livros aos 10 anos, levado por colegas do Pelotão Mirim. A curiosidade inicial pela brincadeira virou compromisso com a leitura e depois, com a ciência, a educação e o voluntariado.
“Era só nos sábados, e era leitura, tinha muita brincadeira até hoje, muitas premiações também. Fui me desenvolvendo na leitura, com o tempo fui crescendo lá dentro, brincando juntamente com as outras crianças.”
O tempo passou, a pandemia o afastou temporariamente do projeto, mas novas oportunidades surgiram. Em 2023, Wenner participou do projeto “Pioneiros”, da Prefeitura de Teresina, desenvolveu uma tecnologia sustentável e foi premiado nacionalmente, conquistando uma credencial para uma das maiores feiras de ciência do mundo, em Nova Iorque.
“Sim, com certeza, o projeto me ajudou bastante nas leituras, no meu relacionamento com as pessoas do Brincando, com os adultos. Me ajudou a entrar em ambientes com várias pessoas e saber me comunicar.”
Hoje, Wenner é diretor de imprensa da ONG, e sente orgulho em inspirar novas crianças no mesmo caminho que trilhou.
“É maravilhoso pra mim. É um meio que a gente pode espalhar a ONG pra outros locais, levar pra mais pessoas conhecerem.”
Crescer lendo, crescer ajudando
A Sofia Adélia, por sua vez, começou ainda mais cedo. Participa das atividades desde os 5 anos, e hoje, aos 16, já atua como voluntária. No início do Ensino Médio, ela viu na sua primeira redação a confirmação do impacto que os livros tiveram em sua vida.
“O projeto é importante, muito por causa da leitura. Então eu acho que foi muito pelos livros que eu sempre li e sou grata por isso, pelo projeto e pela leitura que ele me deu.”
Além de agradecer, ela convida outros pais a fazerem o mesmo caminho que o dela: confiar no poder da educação comunitária.
“Aqui eles vão ser bem acolhidos. E vão dar um bom ensinamento pra isso.”
Manter é resistir
A ONG é sustentada por doações e pela força dos voluntários, muitos deles, como vimos, também frutos do projeto. Uma das fundadoras, Samara Lima, conta que manter tudo funcionando não é fácil, mas a recompensa sempre chega em forma de histórias inspiradoras como as de Wenner, Sofia, Naiara e tantas outras.
“O projeto se mantém basicamente de doações. A gente vive basicamente disso. Esse trabalho voluntário é um pouco difícil, porque poucas pessoas disponibilizam do seu tempo para ajudar outras pessoas. Então a gente está sempre fazendo campanha para pessoas se voluntariarem.”
Missão que continua
Presenciar tantas histórias de transformação faz com que a emoção esteja sempre presente na rotina da fundadora Nara Sampaio. Para ela, mais do que livros, o que se entrega ali são sementes de futuro.
“Se a gente conseguir mudar a realidade de pelo menos uma dessas crianças que já passaram por aqui, a sensação é de missão cumprida.”
A ONG Brincando com os Livros funciona todo sábado, das 8h às 10h, na Rua Vereador José Loureiro, nº 7925, bairro Cidade Jardim. Para saber como apoiar, acesse o perfil nas redes sociais.